terça-feira, julho 27, 2010

Blog dos leitores (A DISNEYLAND SOCIALISTA – 3ª parte)

Oposição de cozinha
Uma amiga de infância, a jornalista Irina Khalip – um dos líderes da oposição bielorrussa, é uma mulher corajosa, decidida, agraciada com o título Herói da Europa pela sua luta pelos direitos humanos e liberdade. Nós estamos as duas sentadas na sua cozinha (na melhor tradição do underground soviético) e falamos sobre o destino da Bielorrússia. As nossas posições estão irremediavelmente afastadas: A Irina é uma romântica, democrata até ao tutano, eu sou pragmática; a Irina admira a América, eu não. Há dez anos que ela luta contra o ditador Lukachenko e há dez anos que Lukachenko se sente maravilhosamente.
A pequena e zangada oposição bielorrussa está infinitamente longe da população, das massas desconfiadas de antigos camponeses, que encaram tudo o que seja novo com uma apreensão resmungona. Para elas, a democracia até pode ser uma boa coisa mas não dá de comer.
“Lukachenko brinca sempre com a oposição”, explica-me ela. “Ele podia acabar com toda a gente, como se faz às moscas, mas não o faz. Para ele é mais vantajoso deixar os opositores sob vigilância, mas em liberdade: quando começar um novo jogo com o Ocidente, pode sempre dizer que tem alguém na oposição. Como diria Lukachenko, eles que continuem pelos seus apartamentos ou que discutam na Internet mas, se fizerem comícios, lá terão polícias com bastões à espera. No nosso país, só se pode fazer verdadeira política na cozinha, tal como na URSS, com a única diferença que os nossos dissidentes podem sempre emigrar, aqui ninguém os segura. Não posso dizer que temos uma ditadura com letra grande, a nossa é uma pequena ditadura familiar. Infelizmente, a maioria da população está-se nas tintas para a política”. 


Um idílio de exportação
A nossa gente considera sinceramente que a Bielorrússia é o “futuro luminoso” da Rússia, ou melhor, um dos futuros, o mais bem-amado. Em relação ao outro possível futuro, à maneira da China, e não obstante todas as aspirações dos comunistas, os russos têm uma certa desconfiança por razões conhecidas.
Compreensivelmente, a perspectiva de um futuro tipo “Europa” ou, Deus nos livre, “Estados Unidos”, na Rússia é encarada com repulsa.
Aliás, esta repulsa em relação ao Ocidente, aliada ao respeito em relação ao Batka, é tão enternecedora e paradoxal que percebemos enfim como a alma russa é de facto misteriosa.     
Em Minsk gostam de brincar com os russos que se admiram com a limpeza das ruas bielorrussas, com os relvados bem tratados, com as vedações pintadas de fresco, com as máquinas agrícolas que funcionam (!) e com os exuberantes campos bem cultivados (!).
Uma coisa que me admirou pessoalmente há uns anos foi uma decisão do Batka: em todas as aldeias deveria haver uma cabeleireira! Eu até franzi docemente a testa. Que idílio! Imaginei a cabeleireira rural a frisar os caracóis às ordenhadeiras…. Lukachenko, tu és mesmo um verdadeiro pai, preocupado com os filhos, pensei eu encantada e sem qualquer ironia.
Sim, os kolkhoses, para cumprir o capricho do presidente, foram obrigados a gastar dinheiro nas cabeleireiras, contaram-me os meus amigos de Minsk a sorrir do meu arrebatamento. E o que é que aconteceu? As cabeleireiras lá ficaram sentadas sem trabalho e acabaram por ser mandadas embora. Não havia ninguém para arranjar o cabelo!
Depois de eu ter percorrido o país de Lukachenko, compreendi uma coisa importante (pelo menos, para mim). Há que ter muito cuidado com as impressões quando se vai à Bielorrússia. Muitas delas são para exportação.  
Por exemplo, vemos um kolkhoz limpinho, com belíssimos indicadores de produção de leite e carne, com ordenados de 500 dólares. Podemos ficar emocionados e recordar os horrores das aldeias russas da região de Tver? Naturalmente. Só não nos podemos esquecer que os kolkhoses-modelo na Bielorrússia não são assim tantos e, se sairmos da estrada principal e entrarmos numa estrada velha, podemos rapidamente ir parar à “Rússia”.
Sim, a limpeza das ruas, a ordem, as casas sólidas e os autocarros que respeitam o horário ao minuto, tudo isto é naturalmente mérito do Governo.
Mas ainda é mais mérito dos bielorrussos, simples e trabalhadores, coisa que os apoiantes do Batka esquecem não sei porquê, ou melhor, não gostam de ter em conta….
Neste país, desprovido de grandes jazigos de petróleo e gás, apertado entre o Leste e o Ocidente em permanente rivalidade, e vivendo à custa de dotações russas, Lukachenko construiu uma economia exótica que os analistas mundiais não se cansam de olhar com admiração. Mas a sua admiração não tem a ver com inveja, mas sim com aquele sentimento de surpresa e estranheza como quando percorremos um museu de raridades: que coisas mais estranhas há neste mundo! Ou com a preocupação pensativa de um arquitecto: quanto tempo ainda irá ficar em pé esta engenhoca, construída contra todas as leis da Física? 

8 comentários:

Anónimo disse...

Sim na Bielorrússia é tudo feito para encobrir a fachada. Talvez os médicos e outros cidadãos com cursos universitários, que trabalham nas obras ou nos serviços mais árduos da Europa estejam encobertos por essa fachada, por isso só vemos Ucranianos, Moldavos, Russos e Polacos com cursos superiores a alancar nos trabalhos que os Europeus semi analfabetos rejeitam.

E os bordeis de toda a Europa também estão atafulhados de jovens Bielorrussas à semelhança de outras nacionalidades do Leste.
Não as conseguimos ver porque também estão encobertas atrás dessa fachada montada por os dirigentes Bielorrussos.

Habituem-se a ser honestos.
Cumprimentos
Cin Naroda

Cristina disse...

Francisco
Já pensou que se calhar os bielorrussos não têm a mesma facilidade e as mesmas tradições de emigrar como têm os ucranianos ou os moldavos?

Olhe, muitos russos das aldeias do interior ou das zonas industriais deprimidas têm mil e uma razões para sair do país (ou pelo menos, sair da sua região para Moscovo, onde os ordenados são muito superiores)mas não o fazem porque se habituaram a nunca deixar os locais onde nasceram (resquícios do krepostnoe pravo e do sistema de propiska?) e porque, simplesmente, não têm dinheiro para pagar uma mudança para tão longe.

António disse...

Não há pachorra...

Per capita, a Bielorrússia está no topo da "exportação" de prostitutas para a Europa ocidental. Exporta tantas como a Polónia, um país com o quádruplo da população; A Ucrânia, um país com 46 milhões de habitantes, exporta apenas 40% mais prostitutas do que a Bielorrússia; A Rússia, com 140 milhões de habitantes, exporta pouco mais do dobro do que a Bielorrússia.

Proporcionalmente à população, só a Moldávia e a Roménia a conseguem bater, e está mano-a-mano com a Hungria.

António Campos

MSantos disse...

Infelizmente o mundo e o Ocidente em particular, enfrentam outras ameaças bem mais reais e sérias que o sistema que existe na Bielorússia ou nas outras utopias comunistas que ainda restam.

Cumpts
Manuel Santos

Anónimo disse...

Mas a prostituição também é uma mercadoria exportável?
Haja mas é um mínimo de decência!

Talvez as agências da ONU especializadas nessa área , sejam manobradas por Lukashenco? Porque não é nada disso que consta nos seus relatórios.
Informações das mesmas instituições dão hoje pouca relevância ao tráfico de mulheres por máfias Bielorrussas. Sim nos princípios dos anos 90 ( no tempo da bagunça capitalista) estavam bastante activas. Mas esses grupos criminosos foram neutralizados por o governo Socialista Bielorrusso.

Portanto esses números apresentados além de serem desactualizados estão bastante empolados.
A prostituição tem as suas principais causas na pobreza extrema, exclusão social e baixo nível de escolaridade. Nenhum desse problemas afectam hoje a Bielorrússia, apesar das dificuldades tremendas e das ameaças por que está passando.

Quem tiver duvidas é favor ler de Loretta Napoleoni “ O Lado Obscuro da Economia”. São minuciosamente esclarecidas as causas desta nódoa social que afectam o Leste da Europa.
Cumprimentos

Anónimo disse...

««««««««Já pensou que se calhar os bielorrussos não têm a mesma facilidade e as mesmas tradições de emigrar como têm os ucranianos ou os moldavos?»»»»».

Cristina!
Talvez os Galegos, os Alemães, os Irlandeses e os nossos Algarvios, tivessem perdido a tradição de imigrar massivamente como faziam no principio do século XX. Como a tradição já não é o que era.

Sabe porquê? Não será porque as condições económicas melhoraram . Ou ignora que a imigração em massa é sinonimo de pobreza , escassez de trabalho e baixos rendimentos?
Também desconhece as razões porque os Ribatejanos e os Alentejanos apesar de viverem miseravelmente eram pouco propensos a sair das suas terras? E essa tendência inverteu-se nos anos 60? Vá lá pensando porquê.

Quanto a faciliadades arranjam-se sempre que a fome aperta. Os Portugueses no tempo de Salazar não lhes era concedida quaisquer facilidades, eles no entanto encontraram-nas arriscando a própria vida, desfazendo-se dos poucos bens que possuiam para pagarem aos passadores.

Cumprimentos

António disse...

Para que conste, as estatísticas apresentadas são de 2010 e têm origem na organização TEMPEP (Transnational Aids/Sida Prevention Among Migrant Prostitutes In Europe Project), um projecto financiado pela UE que abrange uma rede de centros de saúde destinados a prevenir a propagação de doenças sexualmente transmissíveis entre prostitutas migrantes.

Aliás, parece que só o sr. lucrécio não está ao corrente da magnitude desta triste realidade, já que este é um tema sobejamente conhecido da esmagadora maioria dos bielorrussos.

António Campos

Anónimo disse...

Engana-se! O “Senhor” Lucrécio está a par dessa “triste” realidade e de outras bem piores.
As suas fontes de informação não podem ser mais credíveis que a OMS, e é precisamente a partir daí que balizo a minha argumentação. Não retiro informações avulso de qualquer ONG ou coisa parecida, paga não se sabe por quem. Nem tão pouco faço uso da chicana politica, como meio propagandístico. São métodos proto-nazis.

Ignora que a Organização Mundial de Saúde divulgou um relatório há bem poucos dias a alertar para as graves proporções com que o vírus HIV está a atingir certas regiões da Rússia, Ásia Central e Ucrânia? Mais alarmantes que em África.
Essa tal TEMPEP em que baseia as suas informações não faz qualquer referencia a essa “triste realidade” da OMS? Nem pode, se os objectivos a atingir são políticos.