quarta-feira, julho 21, 2010

Blog dos leitores (Os Intocáveis)

Texto enviado pelo leitor António Campos:

"O caso Magnitsky é a melhor ilustração do fosso que separa as palavras e os actos do jurista presidente da Federação Russa no que toca ao seu combate pessoal ao que chamou o "niilismo legal" prevalecente no país. O tema é particularmente espinhoso, numa altura em que o Kremlin se desdobra em inúmeras manobras de charme para atrair investidores e fomentar a transferência de tecnologia, no contexto da mais recente cruzada de "modernização". Para que algum peixe incauto caia na rede, é imperativo passar uma imagem de que a Rússia é atraente para os empresários estrangeiros.

Daí que Sergei Magnitsky, mesmo depois de morto, continue a ser uma pedra no sapato do Kremlin. Um pouco de contexto para os poucos que ainda não ouviram falar deste jovem advogado: Magnitsky desmascarou uma conspiração de funcionários policiais que, em conivência com os tribunais, transferiram fraudulentamente a propriedade da gestora de fundos Hermitage Capital para um assassino condenado, tendo depois defraudado o estado em 230 milhões de dólares por via de um pedido de reembolso fiscal deferido em dois dias pela administração responsável. Na sequência do seu trabalho de investigação sobre o que constitui a maior fraude fiscal de que há memória na história da Rússia, Mangitsky foi acusado de corrupção pelos funcionários que desmascarou e encarcerado durante mais de um ano, tendo morrido na prisão com problemas de saúde por lhe ter sido recusada a necessária assistência médica.
Incansáveis, os membros da equipa da sociedade de advogados Firestone Duncan, onde Magnitsky exercia as suas funções, continuam a empreender todos os esforços ao seu alcance para sensibilizarem a opinião pública e os decisores ocidentais no sentido de pressionar o Kremlin a levar este caso a sério e punir os responsáveis tanto pela fraude como pela sua morte. A sua mais recente iniciativa é uma colecção de vídeos exibidos no Youtube dedicada à exposição dos funcionários que acusaram Magnitsky de corrupção. Neles é revelado que, enquanto Magnitsky literalmente apodrecia na prisão, o major Pavel Karpov e o tenente-coronel Artyom Kuznetzov acumulavam riquezas fabulosas e levavam estilos de vida bem para além do que os seus parcos salários de funcionários públicos alguma vez permitiriam. Por exemplo, a mãe do major Karpov, a viver de uma pensão de cerca de 500 dólares, terá adquirido um apartamento no luxuoso complexo Shuvalovsky em Moscovo, no valor de 930 mill dólares, terrenos no valor de 120 mil dólares, um Mercedes-Benz E280, um Porsche 911 e um Audi A3. Os serviços de fronteiras reportam que Karpov ausentou-se do país oito vezes num ano, tendo visitado o Chipre duas vezes, a Grã-Bretanha, Oman, os Estados Unidos e outros países. As riquezas acumuladas pela família Kuznetzov são ainda mais chocantes.

Esta exibição descarada de sinais exteriores de riqueza à boa maneira russa não parece preocupar os seus beneficiários, entretanto promovidos a posições superiores, uma vez que estão conscientes de que não vivem (e não vão viver tão cedo, contrariamente ao que a retórica de Medvedev sugere) num estado de direito. E o sinal mais reconfortante para os mesmos terá sido certamente o facto, reportado pelo jornal de negócios RBK Daily, de que o gabinete da administração presidencial, em vez de mandar investigar a fonte de tamanha opulência, que obrigaria o major a acumular o seu salário durante 145 anos para a adquirir, tê-lo-á instado a submeter à procuradoria-geral uma queixa por difamação contra a Firestone Duncan. Aparentemente, o kompromat difundido por esta sociedade anda a prejudicar de forma inaceitável a reputação das forças policiais russas, o que terá provocado esta presidencial reacção de repulsa. Se não fosse tão trágico, poderia até ser considerado cómico.

Para os interessados no deboche medieval apadrinhado pelo tandem no poder e dançado ao ritmo rap do "combate ao niilismo legal" , e especialmente, para os que continuam quixotescamente a balbuciar que "as coisas estão a mudar na Rússia" e para os aspirantes a investidores no país, os links abaixo são de leitura obrigatória. Os eméticos estão incluídos.


http://russian-untouchables.com/eng/
 



8 comentários:

Jorge Almeida disse...

António Campos,

passasse isto só na Russia, e o mundo andava bem melhor do que anda ...

Com isto, não estou a desculpar os eventuais envolvidos nesta estória, estou, isso sim, a contextualizá-la.

Acho que tipos como estes, seja lá onde for, caso as acusações sejam demonstradas e provadas, têm mas é que ir para com os costados na prisão.

Mas, infelizmente, para o que se assiste por aí, são mais os que estão cá fora do que os que estão na prisão.

Cristina disse...

Parecem-me muito interessantes alguns excertos do citado artigo no jornal russo RBK daily, que traduzi:
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A decisão do investigador Pavel Karpov, conhecido por estar ligado ao escandaloso “caso Magnitsky”, de acusar o presidente do fundo de investimento britânico Hermitage, William Browder, de falsas acusações e difamação poderia ter sido tomada POR INDICAÇÃO DO KREMLIN. Tal como afirmam fontes do RBК daily que conhecem os pormenores do caso, a Administração do Presidente não está nada satisfeita com a imagem negativa que é dada dos órgãos judiciais russos e decidiu desferir um contra-golpe mediático.
“A declaração de Karpov dirigida à Procuradoria não surgiu por acaso”, disse ao jornal uma fonte da Procuradoria. “O motivo foi /ter sido recebido/ UM TELEFONEMA da Administração do Presidente. A pessoa que telefonou manifestou insatisfação pelo facto de o sistema judicial russo ser impunemente enxovalhado a partir de Londres”.A fonte não especifica quem teria ficado insatisfeito pela ressonância pública do caso Magnitsky, se teria sido o Presidente ou algum dos responsáveis da Administração. Só sabemos que a última gota a provocar a indignação do Kremlin foi o vídeo “A Casta dos Intocáveis – 1ª Parte”, colocado no YouTube.
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Ora, parece que entre o "niilismo legal" e o "telefonoe pravo" (Direito Telefónico) continua a não haver uma grande distância.

Ainda bem que na Administração do Presidente a língua portuguesa não tem muita importância. Senão nós, simples comentadores, poderíamos ser alvo de um outro "contra-golpe".

HAVOC disse...

Agradeço á Deus por não existir um blog do tipo "Do Brasil", criado unica e especificamente para criticar e difamar!

Quem não conhece a realidade russa, e lê este blog, passa a ter uma imagem de que a Rússia é um país de bandidos!!!

Esquecem de postar, por exemplo, de que a Rùssia atual existe á apenas 19 anos, e talvez seja o país mais sucedido no que diz respeito á radical mudança pela qual passou, de um regime socialista para uma punjante democracia!!!

Esquecem de postar de que com um GDP de US$ 2.109 trilhoes, a Rùssia vem crescendo economicamente numa faixa de 8% ao ano. O salário do russo comum passou de míseros US$ 80 mensais para US$ 640 por mês, durante o espetacular governo do Sr. Vladimir Putin!

Com relação á corrupção, este cancêr afeta todos os países deste planeta. O post citado aqui nem seria notícia de destaque no Brasil, pois é flagrante a corrupção que assola meu país, em todas as esferas.

A Rússia é de longe um país muuuito mais honesto que o Brasil!!!

Cristina disse...

Alone Hunter

A Rússia não é um país de bandidos, todos nós sabemos. Se neste blog escrevemos sobre os aspectos menos bons da realidade russa, julgo que é, fora o interesse jornalístico e a possibilidade de debater temas interessantes, com o intuito de alertar, já que alguns de nós também se consideram parte da sociedade civil russa, de forma a que as coisas caminhem para o progresso. Eu escreveria de forma idêntica sobre o meu país, onde também há muitos aspectos criticáveis, mas já muitos outros a fazê-lo. Não queremos de maneira nenhuma dar lições a ninguém, simplesmente debatemos algo de que gostamos e, terá de concordar, a história e a realidade actual russas são algo extremamente apaixonante.
Para não me acusarem de russofobia, partilho convosco o prazer de uma das minhas últimas leituras: Dostoievski- Humilhados e Ofendidos, um romance fantástico, uma descrição sublime do mundo interior das personagens, uma história de amor envolvente, mais uma prova que a Rússia tem grandes homens e uma grande cultura.

Anónimo disse...

An official investigation was ordered in November 2009 by Russian President Dmitry Medvedev.[8] Russian authorities had not concluded their own investigation as of December 2009, but 20 senior prison officials had already been fired as a result of the case.[7] In December 2009, in two separate decrees, Medvedev fired deputy head of the Federal Penitentiary Service Alexander Piskunov and signed a law forbidding the jailing of individuals who are suspected of tax crimes.[9] Magnitsky's death is also believed to be linked to the firing of Major-General Anatoli Mikhalkin, formerly the head of the Moscow division of the tax crimes department of the Interior Ministry.[10] Mikhalkin was among those accused by Magnitsky of taking part in fraud.

Conclusão: é sempre mais honesto procurar conhecer as várias versões da história

António disse...

O anónimo das 9h35 seria sem dúvida um fantástico candidato a humorista, não fosse este um caso extremamente sério.

Todo o caso Hermitage tresanda a crimes gravíssimos contra o estado, ou seja, contra o povo russo, bem como intimadações de testemunhas-chave (não só Mangnitsky) que levaram à morte de uma delas.

Aliás, é incompreensível (e também bastante revelador) como é que as evidências que apontam para uma fraude fiscal de proporções bíblicas não suscitam o interesse investigativo das autoridades, para lá de meras manobras cosméticas destinadas a enrolar os tolos que por aqui abundam, e não só.

Crimes desta magnitude seriam puníveis com penas de prisão perpétua em muitos países civilizados (e em países como a China levariam até a condenações à pena capital), e não com meros despedimentos de indivíduos que decerto terão sido já discretamente colocados noutras funções.

É muito triste que esta deplorável paródia de sistemas político e judicial não seja suficiente para revelar a toda a gente a verdadeira natureza da tarântula que gosta de se intitular "governo da Federação Russa".

António Campos

Anónimo disse...

A Senhora Merkel recentemente fez acordos bilionóorios com a Rússia. Pretende apressar a construção do Nordh Stream, a Siemens vai fornecer a curto prazo 250 locomotivas,milhares de unidades material de circulante, vai também modernizar algumas centrais hidroeletricas.
Os Espanhois vão tomar conta de 50% do complexo siderurgico de Voronej, a Campo Frio também Espanhola vai entrar em força no sector agro-alimentar.
Algumas áreas dos materiais de construção civil já estão em maõs dos Espanhois.
Estão com medo, se não tivessem, então abocanhavam tudo.

Anónimo disse...

A Rússia é uma paródia politica para servir os interesses do capitalismo ocidental. Porque quanto mais caos melhor.
Esse caos foi ajudado a instalar por os governos Ocidentais no tempo de Yeltsin.
Os puritanos devem primeiro arranjar coragem para denunciar a origem das coisas.

Não se pretendam as rameiras de ontem, armar-se em virgens imaculdas hoje.

Quando pactuaram com o roubo descarado dos bens do Estado empurrando milhões de cidadãos para a miséria, não se incomodaram.
Ponham a mão na cosciência. Eu sei muito bem os "valores" que defendem.