segunda-feira, agosto 23, 2010

Blog dos leitores (Há 20 anos, o Kremlin reabilitou toda a dissidência soviética no exílio)

Texto traduzido e enviado por Cristina Mestre:

"Há 20 anos, o Kremlin reabilitou toda a dissidência soviética no exílio
Dmitri Bábich, RIA Novosti

Há 20 anos, a 16 de Agosto de 1990, foi publicado um decreto do presidente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, sobre a restituição da cidadania soviética aos dissidentes no exílio.
A designação oficial dessa lei era a seguinte: “Decreto do presidente da URSS que revoga os decretos do Soviete Supremo da URSS relativos à privação da cidadania soviética a certas pessoas residentes fora da URSS”.
A lei da restituição da cidadania foi aprovada imediatamente após o decreto de 13 de Agosto de 1990 “sobre o restabelecimento dos direitos das vítimas da repressão política durante os anos 1920-1950”.
De acordo com o segundo decreto, os beneficiários já não eram só as vítimas da repressão estalinista mas todos os dissidentes expulsos da URSS desde 1966 até 1988.
Foi uma época surpreendente: apesar das novas tendências de abertura política, a antiga retórica continuou. Ainda se utilizava o termo “certas pessoas” e também estava em voga assinalar todos os inconformistas como “certos círculos”. 
Dava a impressão que as autoridades soviéticas sentiam vergonha das mudanças anunciadas, situação compreensível se tivermos em conta que os casos mais recentes de pessoas a quem fora retirada a cidadania soviética tiveram lugar em 1988, por outras palavras, pelo mesmo Governo que, dois anos mais tarde, reabilitou os dissidentes expulsos.
Em 1988 haviam sido abertos os últimos processos por “propaganda anti-soviética” e ordenada a vigilância a soviéticos “por contactos não autorizados” com estrangeiros. Os responsáveis daquelas perseguições, consideradas ilegais em 1990, nunca foram castigados. Isto depreende-se do texto do decreto, que excluiu qualquer tipo de desculpa ou pagamento de indemnizações pelos danos causados. A repressão política na URSS terminou sem que tivesse sido anunciado o seu fim de forma oficial. O texto do decreto era curto e conciso: “É indicado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS informar as pessoas residentes fora da URSS, afectadas pela anulação da cidadania soviética, do conteúdo do presente decreto e, caso tal seja pedido, entregar-lhes passaportes como cidadãos da URSS”.
Como dizem nalguns filmes: “A investigação concluiu que não aconteceu nada”. Mas o que se passou não se pode esquecer, ainda que muitos quisessem ou queiram precisamente isso. A propósito, o Governo soviético nunca apresentou desculpas e não faltaram tentativas de arranjar forma para uma possível marcha atrás. 
Em 1986, o director do KGB, Viktor Chebrikov, ao informar o Bureau Político do Partido Comunista Soviético (PCUS) sobre o regresso a Moscovo do académico Andrei Sakharov do seu desterro na cidade de Gorki, disse que a vigilância sobre o académico se manteria.
Ou seja, o director dos serviços secretos sugeriu aos seus colegas dos mais altos cargos do Partido, que seria simples anular a decisão anteriormente tomada.
Mas após o decreto de Gorbatchov, passou a ser muito difícil tentar de novo impor a mordaça do silêncio à sociedade soviética. Figuras de toda a condição, desde Soljenitsin a Limonov (Savenko) recuperaram o seu estatuto de cidadãos de pleno direito. Entre eles não havia nenhum ponto em comum nem conseguiram criar nenhum tipo de “frente anti-soviética comum”.  
Simplesmente, tal como o seu famoso compatriota Boris Pasternak, queriam “viver, pensar, sentir, criar, fazer descobertas”. Mas, nos finais dos anos 80, isso era impossível, sobretudo para aqueles que se dedicavam às ciências humanas.
Hoje, uma frase que se repetia muito naquela altura soa tremendamente estranha: “Há que corrigir o erro de ter exilado Soljenitsin e Brodsky”, duas figuras que, por alguma estranha razão, sempre apareciam juntas, apesar de ser difícil conceber dois escritores mais diferentes e distantes um do outro.
Um, profeta épico, incómodo na Literatura e mesmo na História, que se sentia chamado a mudar não só a Rússia mas o resto do mundo. O outro, um poeta lírico anglófilo, deleitando-se com a sua existência pessoal e única, um esteta muito afastado das obras épicas.
Não obstante, entre eles e o resto dos dissidentes parece que existia algo em comum, que era a capacidade de sonhar, de criar, de aspirar a algo novo.
Num, essa aspiração expressou-se em prosa; noutro, em poesia, num terceiro, na economia ou sociologia.
Hoje, não obstante, este tipo de aspiração não está na moda: há medo de romper o status quo. Pelo contrário, está na moda falar da inutilidade dos dissidentes. “Sonharam, escreveram coisas mas o que resultou de positivo de tudo isso? Melhor seria se tivessem tentado mudar o sistema de dentro, como nós fizemos, os russos simples”.
Esta teoria é cínica e equivocada, sendo muito fácil verificá-lo da seguinte maneira: imagine que vai a uma biblioteca e pede poemas de Akhmatova ou de Tsevetaeva, um livro de Soljenitsin, a Ilha da Crimeia de Axionov ou os relatos satíricos de Voinovich. Não terá problemas, verdade?  
Ora todos estes autores estiveram numa altura ou noutra sob vigilância e tiveram problemas com as autoridades. 
Imagine-se agora a pedir obras do camarada Jdanov, secretário do Comité Central do Partido, ou os trabalhos de Mikhail Andreevich Suslov, ou as reflexões sobre a moral socialista de Felix Kuznetsov, para não mencionar os representantes da ortodoxia comunista mais dura. Como o olhariam?
Não é por acaso que o livro de Roy Medvedev sobre o seu irmão Jores Medvedev, que foi internado em Maio de 1970 num hospital psiquiátrico em Kaluga por ter publicado livros no Ocidente, se intitula precisamente: “Quem é que está louco?”.
Não seria demasiado inteligente esperar a verdade absoluta das pessoas a quem Gorbatchov devolveu os direitos de cidadania em 1990, entre outras razões, porque se tratava de um grupo bastante heterogéneo.
O violoncelista Mstislav Rostropovich apoiava o primeiro presidente da Rússia Boris Yeltsin, enquanto o escritor Andrei Siniavsky o odiava. Muitos dissidentes cometeram erros de juízo e…continuam a cometê-los.
Jores Medvedev durante um tempo confiou na regeneração do socialismo na União Soviética; o seu irmão, Roy Medvedev, chegou a justificar quase por completo as acções de Yuri Andropov, um dos líderes comunistas que se destacou pela perseguição dos dissidentes.
Também não se verificaram as previsões do académico Sakharov de uma convergência entre os sistemas socialista e capitalista e o livro do dissidente Andrei Amalrik “Sobreviverá a União Soviética até 1984?”, que deu uma data incorrecta do fim da URSS.
Não obstante, se tivermos em conta que o livro foi escrito em 1969 e que nem a CIA, nem a Direcção Geral de Estatística, nem a Academia das Ciências estavam à espera que o sistema se desmoronaria em 1991, devemos reconhecer que os erros dos dissidentes foram infinitamente mais valiosos do que as verdades dos ortodoxos.  
Por isso, muito obrigado, Mikhail Sergueevich, por esse decreto que reabilitou toda a dissidência soviética no exílio.

http://sp.rian.ru/analysis/20100818/127502412.html "

5 comentários:

Jest nas Wielu disse...

Pena que artigo não se menciona os dissidentes ucranianos, casos de Levko Lukyanenko (condenado à pena capital em 1961 pela sua participação na fundação da organização política de inspiração esquerdista: União Camponesa – Operária Ucraniana), jornalista Vychaslav Chornovil (passou 6 anos nos campos de concentração soviéticos, mais 3 anos de degredo pela edição da revista clandestina “Noticiário Ucraniano”), poeta Vasyl Symonenko (assassinado após denunciar a existência de valas comuns das vítimas do NKVD em Bykivnia, arredores de Kyiv), Ivan Dziuba (autor do ensaio “Internacionalismo ou a russificação?”, Londres, 1968), Yevhen Sverstiuk (escritor e presidente do PEN – clube da Ucrânia), Ivan Svitlychny (passou 7 anos nos campos de concentração soviéticos, mais 5 anos de degredo pelo delito de opinião), Vasyl Stus (um dos maiores poetas e tradutores ucranianos do século XX, morreu no campo de concentração soviético em 4.09.1985), poeta Ihor Kalynets (passou 6 anos nos campos de concentração soviéticos, mais 3 anos de degredo pelo delito de opinião), poetisa e defensora pública Iryna Kalynet, entre centenas de outros.

José da Crimeia disse...

Os dissidentes foram na maior parte das vezes colaboracionistas de potências estrangeiras.

Basta ver como as coisas acabaram!

Quem se aproveitou foram as potências ocidentais que continuam a marimbar-se para o povo russo!

Jest nas Wielu disse...

Na maioria dos casos os dissidentes eram as pessoas com as posições iniciais bastante pró – soviéticos e esquerdistas, a repressão do estado soviético transformava rapidamente estas pessoas em anticomunistas ferrenhos.

Cristina disse...

Pois claro
os nossos intelectuais que lutaram contra o regime de Marcelo Caetano também eram colaboracionistas de potências estrangeiras, toda a gente sabe disso!

Maquiavel disse...

Näo houve "regime de Marcelo Caetano", o regime era o do seu predecessor, o dele foi apenas e só um "período" desse nefasto regime...

Pois eram, Cristina, eram citados pelo regime salazarista como "mercenários ao serviço de Moscovo"!