terça-feira, agosto 03, 2010

Blog dos leitores (Tribunais russos proíbem acesso ao YouTube)

Texto traduzido e enviado pela Cristina Mestre: 
"Quando em Junho dissemos que o tema dos livros proibidos e da censura em geral começava a ser uma das questões-chave da actual agenda política, muitos acharam que isto não passava de mais uma conversa de intelectuais. De facto, o que poderia a censura fazer quando há a Internet, onde o custo de reprodução de materiais é praticamente zero? “Se fecharem um site, podemos encontrar determinado livro noutro site, sem grande problema”, diziam eles. Afinal, o problema é bastante mais sério.  
A 27 de Julho todos ficámos a conhecer um perigoso precedente: um tribunal de Komsomolsk-no-Amur, por exigência da Procuradoria, obrigou o fornecedor local de Internet de barrar o acesso a cinco sites, entre os quais lib.rus.ec, zhurnal.ru, thelib.ru, web.archive.org, bem como youtube.com.
O motivo para tal terá sido a existência nos primeiros quatro sites do texto do livro “A Minha Luta” de Hitler, que alguns meses atrás fora considerado “extremista” na Rússia. O YouTube foi bloqueado devido a um único vídeo (Russia for Russians), também considerado extremista.
Desta forma, verifica-se uma tendência muito clara: se num site qualquer houver nem se seja um único “material extremista”, a Procuradoria exige a proibição do acesso a esse site na totalidade e os tribunais russos, como é hábito, satisfazem tal exigência.
Estamos, pois, perante uma máquina ideal de censura da Internet que, em traços gerais, funciona assim: a Procuradoria local numa das regiões da Rússia começa a ter suspeitas se um determinado texto ou livro não “será um incitamento ao ódio, não conterá elementos de extremismo”. O texto é enviado para “peritagem” a uma “instituição científica” local, onde os “especialistas”, obviamente, irão incluir tudo aquilo que o procurador pede nos resultados da “peritagem”. Com um tal documento, a Procuradoria vai ao tribunal, que toma uma decisão onde se diz que “uma tal sequência de palavras” é proibida na Federação Russa.
Após o texto ser incluído na respectiva lista de materiais extremistas, começa a segunda parte do espectáculo.
Os procuradores, numa qualquer outra região do país, analisam detalhadamente a Internet para ver se existem quaisquer textos dos incluídos na lista de materiais proibidos e, tal como aconteceu em Komsomolsk-no-Amur, exigem, por via judicial, aos fornecedores de acesso à Internet que bloqueiem o acesso a esses sites.
Este sistema permite ser altamente selectivo mas permite também neutralizar qualquer site de forma perfeitamente legal, sancionada pelo tribunal.   
Agora imagine que amanhã vem a saber do seu fornecedor de Internet que já não tem mais acesso a torrent trackers, redes sociais, sites de vídeos, blogues ou bibliotecas. Estes haviam sido bloqueados uma decisão judicial, já que em qualquer um destes sites não será difícil encontrar um ou outro texto ou imagem que possam ser considerados “extremistas”.  
Se considera que isto é um guião de filme fantástico, pergunte aos habitantes de Komsomolsk-no-Amur como é que eles se sentem.
Claro que isto não afecta a vida dos procuradores e dos agentes da Polícia, uma vez que eles não lêem livros e podem sempre confiscar filmes aos vendedores ambulantes. No entanto, não obstante os esforços dos órgãos russos de protecção da ordem, no país ainda há outras categorias de cidadãos para quem a liberdade de informação representa um valor real. 
Nesta situação, julgo que se justifica um contra-ataque. Espero que surjam juristas com a formação adequada que verifiquem a constitucionalidade da decisão do tribunal de Komsomolsk-no-Amur. Nós podemos denunciar a situação nos blogues e nos meios de comunicação social. Mesmo assim, devemo-nos lembrar que, politicamente, todos aqueles que hoje defendem na Rússia a limitação da liberdade de expressão, seja por considerações religiosas, étnicas ou outras, acabam por ficar do lado dos procuradores analfabetos.
Kiril Martinov
Original:http://www.liberty.ru/Themes/Rossijskie-sudy-zakryvayut-dostup-k-youtube.-CHto-delat "

4 comentários:

Jorge Almeida disse...

Acho que as autoridades têm que se preocupar com ideologias que expressam "valores" não democráticos, e com a protecção aos direitos de autor, mas não me parece que fechar sítios de internet seja a melhor solução, só porque lá aparece uma coisa ilegal. Para além de ineficaz (pois, por 1 sítio fechado, abrem-se uns 10), é contraproducente (as autoridades ficam com o odioso por estarem, no mínimo, a fazer "pagar o justo pelo pecador" - que culpa têm os utilizadores normais russos do youtube que haja um utilizador (no meio dos milhões de utilizadores) do youtube que lá divulgue ideias não democráticas? Ou um vídeo pirata?)

Ao estarem a fechar estes sítios com esta justificação, acabam por estar a publicitar a existência destes marginais, o que também é contraproducente.

Nuno B. disse...

Por outro lado, assinalo que é graças aos internautas russos que, através de sites de partilha, facilitam ao resto do mundo o acesso a textos, livros, música, filmes,.. importantes ao nível cultural. De outro modo, seria quase impossível o acesso a esse espolio.

Um exemplo: uma vez andei à procura em Viseu de um álbum qualquer do Pedro Caldeira Cabral e não encontrei nada; o único CD que pude encontrar foi num site russo.

Pippo disse...

A censura, mesmo por motivos "nobres" (caso do Mein Kampf) deve sempre ser evitada. Mais que não seja porque até a exposição a ideias extremistas nos pode preparar para as combater!

Anónimo disse...

Há muitos modos de censura.
Não é só a proibição.Esta até pode transformar-se num meio de publicidade.
A pior de todas as formas de censura é a omissão.