Texto enviado pelo leitor Daniel Zanella
"Varlam Chalámov.
Encerro a página 101 de “A Paixão Pelos Livros”, compilação da editora Casa da Palavra sobre aficionados pela natureza da leitura. O autor russo pontua da seguinte forma sua relação carnal com os livros: “Lamento nunca ter tido minha própria biblioteca.”
Em pouco mais de vinte páginas, Chalámov narra sua saga noite adentro do urso feroz chamado Rússia, uma exposição seca – imersa em gravidade – e intensa do stalinismo, os anos de prisão na Sibéria, a rotina do cárcere, os parcos livros lidos entre algemas e trabalhos forçados nos campos de concentração. Comovente.
São palavras carregadas de dor, amargor e escuridão – letras capazes de apresentar as próprias esquinas sombrias do homem, a necessidade, a emergência de uma outra vida através dos escritores.
Ao contrário de Chalámov, não sei medir minha intensidade diante dos livros, mal sei de meus fantasmas. Sei de meu relicário particular de frustrações e anseios por caminhos que nem sei, os autores que me acompanham na jornada pagã das coisas cotidianas, a crônica que me persegue e me recria.
[Também sei medir minhas limitações literárias, apesar das ambições desmedidas. Tento ler e ser tudo.]
Ao decodificar esse russo de dentes escaldados também reflito sobre esse tempo presente tão escasso de lirismo e paixão pelos livros, as novas tecnologias à serviço de um tipo de leitor que desconheço, a celeridade e apego a tudo o que pode escoar por entre os dedos.
Chalámov queria uma biblioteca."
8 comentários:
Muito bonita, esta crónica. Também às vezes sinto que a internet nos está a simplificar e a "standartizar", a pensar nos temas que todos pensam, a roubar o nosso prazer antigo de ler e compor palavras novas, de sentir a arte do que é criar, no fundo nos está a afastar da literatura. Embrenhamo-nos na facilidade do ecran, esquecemo-nos dos bons livros, dos escritores que estão à nossa espera. Alguns deles vêm ter connosco à internet, felizes de nós que os podemos ler assim, entre dois cliques, neste zapping diário da nossa vida louca.
Olá, Cristina. Agradeço, veemente, seu comentário. Estamos mesmo em tempos árduos, céleres.
Um grande abraço.
Obrigado, José Milhazes, pela divulgação da minha crônica.
Daniel Zanella
Originais dos contos:
http://shalamov.ru/library/2/
Contos de Kolimá
Editor: Relógio D`Água
ISBN: 9789727081080
10,10 €
Em espanhol:
Relatos De Kolima, Vol. I
Editor: MINUSCULA
ISBN: 9788495587343
20,62 Eur
Relatos De Kolima, Volumen II
Editor: MINUSCULA
ISBN: 9788495587657
19,56€
off top
A nova performance pública do grupo da arte pública russa chamada (A Guerra): Como Virar o Caro da Polícia?
http://www.youtube.com/watch?v=
dIfXEGAfLKM
http://plucer.livejournal.com/297581.html
Isto chama-se arte pública? Em França tem outro nome... Sabemos que os russos são criativos e radicais mas isto é um bocadinho demais... Já agora, para quê tantas obscenidades no texto? Ou será que aqui há algo "artístico" que não atinjo?
2 Cristina
Como Cristina disse e bem, os russos são “criativos e radicais”, lá é tudo um pouco ou oito ou oitenta, tudo mete “pau e cenoura”, etc. Mas a “casa” é deles, acho que não devemos ir como o "nosso estatuto ao mosteiro alheio"…
2 Sr. Daniel Zanella:
Também republiquei o seu texto sobre Shalamov:
http://ucrania-mozambique.blogspot.com/2010/09/
como-sobreviver-o-gulag-contos-de.html
off top cultural
O grupo folclórico ucraniano Guliay Gorod e o grupo Tartak apresentam um remix moderno em estilo hip-hop da composição tradicional “Oy, uchora u kumy” (Ohm, ontem com a comadre). Achei super!
http://www.youtube.com/v/SXquVBcJgMs?fs=1
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