terça-feira, fevereiro 01, 2011

Das semelhanças e diferenças entre a situação no Egipto e na Tunísia, por um lado, e na Rússia, por outro

Publiquei abaixo uma entrevista que fiz ao general russo na reserva Leonid Ivachov e gostaria de tecer algumas considerações.
Alguns analistas encontram semelhanças entre a situação de agitação criada na Tunísia e no Egipto, por um lado, e a situação existente na Rússia, e elas realmente existem. Em todos os lados a corrupção é quase total, os regimes tentam travar os movimentos sociais, congelar as situações ou a fazer "pequenas obras de fachada" para se manterem no poder. As oligarquias sufocam o desenvolvimento e modernização das sociedades.
O facto de o Kremlin, ontem, segunda-feira, ter mandado para as ruas de Moscovo mais de dois mil polícias e soldados é um sinal demais evidente de que os dirigentes russos temem que o descontentamento social e político salte para as ruas e se torne incontrolável.
Porém, há diferenças substanciais entre os citados países da África do Norte e a Rússia que devem ser tidos em conta. Na Rússia não existe uma oposição, tanto do lado liberal, como do lado nacionalista, suficientemente estruturada e com líderes capazes de mobilizarem o descontentamento na luta contra o actual sistema.
O Kremlin tem feito política de "terra queimada" no campo partidário, não permitindo a organização de forças que sejam uma verdadeira oposição. Mais, fez tudo para anular a acção da sociedade civil que começou a formar-se nos anos 80 e 90 do séc. XX, acabando por não a deixar criar raízes.
A "liberalização" iniciada por Dmitri Medvedev não conduz à modernização do sistema, pois é muito limitada, visto que o Kremlin sofre daquilo a que chamaria "síndroma de Gorbatchov", ou seja, os actuais dirigentes russos receiam que se permitem mudanças sociais, políticas a sério, lhes aconteça o mesmo que aconteceu com o reformador soviético: abriu uma brecha no regime totalitário e foi arrastado pela corrente das liberdades sociais, políticas e económicas.  
Além disso, há toda uma classe média e abastada, com poucos anos, de formação bastante recente, que não quer perder o bem-estar alcançado. Em comparação com o nível de vida que tinham na era comunista, essas camadas sociais temem perder muito, não querem arriscar.
No entanto, há factores que poderão complicar as contas do poder. Além de chagas como a corrupção, o não funcionamento da justiça, existem problemas como o terrorismo e a tensa situação étnica em algumas regiões do país. 
Não se pode também perder de vista o papel da sociedade da informação na Rússia. A Internet é um canal cada vez mais importante de transmissão da informação, ocupando, mais e mais, o território ocupado pelos órgãos de informação controlados pelo poder.
A juventude já não é tão facilmente manipulável como foram seus pais e avós, está mais informada.
Estes e outros factores tornam a situação na Rússia muito imprevisível. Não duvido que são necessárias mudanças sérias, resta saber quando chegarão e sob que forma.

14 comentários:

Cristina disse...

JM
Completamente de acordo.
Só acrescentaria um pormenor: o facto de os russos não darem muita importância a valores como a democracia e a liberdade (aliás esta última até é vista como sinónimo de anarquia). Eu diria que na população em geral (à excepção das grandes cidades) não há um grande desejo de mudança.

Cristina disse...

Já agora, sobre a "modernização" iniciada por Medvedev, aqui vai um exemplo flagrante DE como as coisas feitas "de cima" nunca funcionam e como o Estado nunca pode ser motor de desenvolvimento. A Rússia continua a ser, pela negativa, um bom exemplo para os socialistas europeus, incluindo os portugueses, que têm as mesmas ilusões quanto ao papel do Estado.
.....................
"PRESIDENTE RUSSO DESCONTENTE COM O DESENVOLVIMENTO DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
Numa reunião da comissão para a modernização económica, realizada na passada segunda-feira, o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, ameaçou despedir os directores das empresas públicas que não se dediquem às tarefas da inovação, escreve hoje o jornal Novie Izvestia.
No início de 2010, foi decidido que o sector público deve promover o desenvolvimento das inovações tecnológicas e servir de exemplo para as empresas privadas. O Governo russo elegeu 22 grandes empresas públicas e obrigou-as a desenvolver projectos inovadores.
Na realidade, as empresas estatais na Rússia não cumpriram a maior parte dos compromissos que assumiram porque continuam a destinar recursos mínimos aos programas de investigação e experimentação.
“Apesar do financiamento de projectos inovadores, praticamente não há resultados neste âmbito”, destacou o presidente russo. “Há muito poucos produtos nacionais de alta tecnologia que possam gozar de grande procura no mercado internacional”, acrescentou.
A situação no que se refere ao registo de patentes de invenções tecnológicas ainda é pior. Segundo a ministra russa do Desenvolvimento Económico, Elvira Nabiúlina, as 22 empresas públicas registaram na Rússia apenas 1000 patentes em 2010, em comparação com as 5.000 registadas apenas pela empresa Microsoft".
(Novie Izvestia - 01-02-2011)

PortugueseMan disse...

O Estado é e continua a ser o motor de desenvolvimento e para salvaguardar todo o património e conhecimentos que já vem desde os tempos da URSS.

Ou o Estado consegue modernizar as infrastruturas do país ou ficará completamente dependente das vendas da energia.

O conhecimento não pode ser perdido, tem que ser passado para as novas gerações e essas novas gerações necessitam das infrastruturas para aplicar e desenvolver os conhecimentos adquiridos.

É responsabilidade do Estado zelar pelo o futuro do país. Tanto na Rússia como em outro país qualquer.

Se não o estão a fazer bem, se podiam fazer de melhor maneira é discutível.

A modernização é uma realidade e ela está a acontecer na Rússia. E acho muito bem que se abane as estruturas e se exija celeridade e resultados concretos. É isso que se tem que pedir (EXIGIR!) aos responsáveis.

Deixar as coisas a andar sem supervisão e sem pressão é que dá origem a muitos atrasos e desvios.

O Estado está a injectar somas astronómicas para o que considera ser crucial para o futuro do país e tem que pedir prazos, resultados e apurar responsabilidades.

Para as empresas russas conseguirem vingar como empresas russas, necessitam de muito dinheiro para se modernizarem e captar capitais privados para isto é muito difícil especialmente num periodo de forte contração económica.

Anónimo disse...

Porque não acabam com o Estado de vez?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro PM, os militares russos andam à procura de um satélite lançado ontem.

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Sim, eu sei disso.

Mas esta sua observação é apenas uma informação ou é para se incluir de alguma forma sobre aquilo que eu disse?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro PM, dá para ambos os casos

PortugueseMan disse...

Meu caro,

Se dá para ambos os casos, então podemos dizer que este satélite é mais uma das provas que existe modernização.

O satélite é novo. Cabe agora perceber o que se passou e se realmente está perdido, porque pelo o que tenho visto, não têm conseguido comunicar com ele. Isso AINDA não quer dizer que está tudo perdido.

A Rússia é um dos maiores senão o maior lançador de satélites a nível mundial, será que só chama a atenção os que dão problemas?

Não será uma visão muito estreita olhar apenas para as notícias que se encaixam na nossa visão das coisas?

E quantos satélites foram lançados com sucesso no ano passado? qual a taxa de insucesso de lançamentos russos?

Sabe quem não sofre problemas destes? quem não anda nestas andanças. Sabe quantos países pertencem a este clube restrito? muito poucos. A Rússia é a única com situações destas? ou a Rússia por algum motivo que me escapa tem que ser melhor que todos os outros?

Anónimo disse...

Porque não acabam com o Estado de vez?(2)


Iniciativa privada. Esse é o motor da humanidade. Nada de Estado.


Estado é HITLER, LENIN, MAO, STÁLIN.

Pedro disse...

O que eu acho é que a chamada "modernização" se transformou num jargão.
É como cá o Choque tecnológico do Pinocras. São jargões que se atiram para o ar....

O que os Dirigentes Russos (E cá também) deviam pensar e reflectir previamente antes de lançar um plano de modernização. Porque modernização pode ser em muitas coisas, até numas botas....
Deviam pensar que áreas da economia é que pretendem desenvolver/Modernizar. Inovar e modernizar sem qualquer orientação estratégica não dá em nada, e parece que é isso que está acontecer na Rússia.
E deve-se ter em conta que não se pode pensar em modernizar em tudo. Devem escolher áreas em que podem vir a ter sucesso e outras em que até já tenhma algum know how.

MSantos disse...

Acho piada aos que demonizam o Estado

Tenho pessoas na minha família que puseram dinheiro no BPP.

Se alguém lhes falava na CGD:
"No Estado? Que horror. Ter juros menores para alimentar parasitas"

Quando a bronca estoirou foram dos primeiros a virem para a rua exigirem que o Estado lhes garantisse as "poupanças".

E embora não seja do mesmo partido tenho de concordar com o que alguém afirmou hoje em que a extrema esquerda abomina o privado enquanto a direita extremou-se e demoniza o público.

Para mim, o bom senso continua a andar aí pelo meio.

Mas infelizmente não vivemos em época de moderados.

Cumpts
Manuel Santos

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Voltando à questão dos satélites, tanto na perda deste agora como na perda dos satélites GLONASS no final do ano passado.

Consulte por favor, este link:

http://www.russianspaceweb.com/2010.html

Nessa imagem estão todos os lançamentos efectuados/falhados/adiados pela Rússia.

Mais abaixo estão todos os lançamentos a nível mundial para o ano de 2010 e um pouco mais abaixo estão as estatísticas por país.

Os 3 países que mais lançamentos tiveram foram a China, EUA e Rússia.

China com 15 lançamentos e nenhuma falha, EUA também com 15 lançamentos e nenhuma falha.

A Rússia fez 31 lançamentos, 30 com sucesso e uma falha. Quantos destes foram notícia pelo o mundo? quantos destes foram referidos aqui neste blogue?

Se falarmos de satélites russos o que toda a gente saberá é que o lançamento falhou, os russos perderam 3 satélites, os russos não conseguem por mais que tentem meter um sistema gps a funcionar, como é próprio de um país atolado de vodka. Possivelmente aqui os empregados também compram diplomas como na Sukhoi e depois o resultado é o que "toda" a gente sabe...

A Rússia lançou mais que os EUA e China juntos e tiveram uma falha.

Eu vejo alguém a felicitar a Rússia pelo excelente desempenho de ter efectuado 31 lançamentos com APENAS uma falha?

Modernização? não, claro que não existe...

Relativamente a 2011, a Rússia já efectuou 3 lançamentos num total de 5 a nível mundial, quantos é que você fez referência? ao que falhou.

Afinal quem quer saber mesmo de coisas que correm bem?

PortugueseMan disse...

Já que falei em modernização algo que para muita gente é coisa que não está a ocorrer na Rússia, mais um exemplo de tentativa de absorção/integração de tecnologia.

Como sabe a àrea da Nanotecnologia é uma das muitas àreas prioritárias do governo.

Rusnano pledges to invest in UK microchips


A company spun out of Cambridge university to make cheap plastic microchips has won the promise of a $650m investment from Russia's state-backed nanotechnology corporation

Rusnano will take an immediate stake of about 25 per cent in Plastic Logic in exchange for an initial injection of $150m. The Russian government may eventually take control as the rest of the finance becomes available...

...The Russian and Chinese governments were the two main contenders to take a large stake in Plastic Logic after the company started seeking new funding over the past year...

...Under the new Russian-backed plans, Plastic Logic will build a new factory near Moscow while stepping up its liaison with Russian scientists...


http://uk.finance.yahoo.com/news/Rusnano-pledges-invest-UK-ftimes-3740631027.html?x=0

Uma àrea nova, uma aquisição e construção de uma fábrica na Rússia e claro passagem de conhecimento para técnicos russos.

Será que só eu é que vejo isto como uma coisa positiva e que se encaixa nos planos de modernização da Rússia??

Roman disse...

PortugueseMan
Excelente! Nenhum dos "optimistas" sequer respondeu.
Abraço