Não pretendo defender aqui nem o primeiro-ministro português, José Sócrates, nem o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, mas, antes de fazer críticas, é preciso olhar para o mundo que nos rodeia.
Hoje, li ,no jornal Expresso, o comentário de Henrique Raposo: "Os abracinhos de Sócrates a Kadhafi faziam sentido?" e destaco o seguinte parágrafo: "III. Depois, convém fazer uma distinção que tarda a ser compreendida em Portugal: uma coisa são os negócios, outra coisa é a política. As nossas empresas podem fazer negócios com as ditaduras. Toda a gente faz isso. Aliás, uma das melhores formas de abrir uma ditadura é através do comércio com o exterior. Porém, as relações económicas não devem determinar um amiguismo político entre uma democracia e uma ditadura. Existe uma fronteira entre a economia (feita pela sociedade) e a política (feita pelo Estado). Um político tem deveres éticos que um empresário não tem. Ou seja, Portugal, enquanto democracia, deve evitar apaparicar regimes pouco decentes. Problema? Quando se olha ao espelho, José Sócrates vê "o motor da economia nacional", vê o "empresário de Portugal". Naquela cabecinha, o Estado é o motor de tudo, e, por isso, ele pensa que tem de liderar comitivas de empresários com o objectivo de meter "cunhas" nos ditadores amigos. Ou seja, a nossa política externa é um reflexo da nossa política interna. Pior: esta vergonha externa (legitimámos ditaduras) é o resultado da vergonha interna que marca da nossa política doméstica: a promiscuidade entre política e negócios".
Peço desculpa pela longa citação, mas assim não posso ser acusado de truncar ou distorcer ideias.
Henrique Raposo acusa José Sócrates de juntar política e negócios, acrescentando que "um político tem deveres éticos que um empresário não tem". Eu, se fosse empresário, sentir-me-ia insultado, pois até parece que, em prol do lucro, vale tudo.
Quanto aos deveres éticos do político, eu gostaria que eles fossem sagradamente respeitados por todos, mas, no mundo actual, se o dirigente de algum país, se comportar assim, arrisca-se a ficar completamente isolado e a condenar o seu povo à miséria e ao isolamento.
Isto é tanto mais verdade no que respeita a países pequenos como Portugal.
As relações pessoais entre os dirigentes dos vários países fecham ou abrem muitas portas aos homens de negócios. Veja-se, por exemplo, as relações pessoais entre Vladimir Putin e Sílvio Berlusconi e o seu reflexo nas relações económicas e políticas entre os dois países.
Os meus oponentes poderão retorquir: "Trata-se de dois políticos conhecidos por não terem grandes princípios", mas eu respondo: "Quais são os países governados por "madres Teresas?".
As relações entre a Rússia e a Alemanha são outro exemplo ainda mais flagrante da importância das relações pessoais entre dirigentes nos contactos económicos e políticos. Não é segredo para ninguém que as boas relações entre Gerhard Schroder, quando chanceler da Alemanha, e Vladimir Putin, então Presidente da Rússia, foram essenciais, por exemplo, para a abertura de portas na Rússia a empresas como a Siemens ou a Gazprom na Alemanha.
Claro que é condenável o facto de Schroder ter saltado da cadeira de chanceler para funcionário da Gazprom sem qualquer "período de nojo", mas está muito longe de ser caso único.
Em relação a Portugal, não temos empresas da envergadura dos gigantes alemães ou italianos, os nossos empresários, à escala mundial, são pequenos e médios. Daí se justificar ainda mais o apoio político à expansão das empresas nacionais.
Portugal não é um gigante na cena mundial (se excluirmos o sentido poético da expressão), é um país pobre e em graves dificuldades económicas, daí não esperarmos que os nossos dirigentes se comportem como santos exemplares.
Claro que o ideal seria manter um equilíbrio nestas questões, mas, num "mundo de cão", não é nada fácil ser cordeiro.
E, para terminar, é caso para dizer que, neste caso, os dirigentes políticos são criticados "por terem cão ou por não terem". Risco profissional.
10 comentários:
Caro José Milhazes,
embora concorde com a maior parte da sua análise, e considere a crónica de Henrique Raposo excessivamente simplista, julgo que há um factor a ter em conta: o discurso político para além da "cunha".
O discurso que o Governo Português tem tido ao longo destes últimos anos face a Ghadaffi (a grafia parece não reunir consenso) tem sido excessivamente elogiosa. De resto, esse é um problema transversal à comunidade internacional, que perdoou um comprovado mandante dum atentado terrorista e veio alimentando uma visão folclórica da personagem.
Pior, num momento em que aviões de combate pilotados por mercenários bombardeiam manifestações civis, não surge uma condenação clara.
Qualquer político está sempre sujeito a crítica "por ter cão e por não ter", mas há que traçar o limite algures. E tentar minimizar a barbárie de uma ditadura de mais de 40 anos devia estar para além desse limite.
O problema não é só "nosso" (de Sócrates e Amado), estende-se obviamente a toda o mundo "ocidental" que tem tido uma postura fraca e ambígua face aos acontecimentos no Norte de África. Mas comecemos por exigir um pouco mais dos nossos representantes, e esperemos que os outros povos saibam fazer o mesmo. Contarão decerto com o nosso apoio.
Cumprimentos.
""Porém, as relações económicas não devem determinar um amiguismo político entre uma democracia e uma ditadura. Existe uma fronteira entre a economia ""
Sim, mas isso em parte é um truísmo.
Não existe "amiguismo" nenhum.
O que existe é interesse econômico puro e simples.
Para o "Brasil" Kadafi era salutar. Pois há(havia) grandes multi-nacionais brasileiras ganhando muito dinheiro na Líbia.
Por isso o silêncio constrangido do governo brasileiro acerca dos acontecimentos no país.
Caro JM,
O texto está confuso. Não se percebe onde começa e acaba o artigo de Henrique Raposo e o link que fornece aponta para outro artigo deste.
Caro Simões,
Mas o Governo Português não fez nem mais, nem menos que os outros e nem foi o primeiro.
A partir do momento em que Kadhafi foi perdoado e passou a ser cá dos nossos, foi a corrida desenfreada para tentar ganhar negócios.
Mau era o Saddam, Kadhafi era um arrependido no bom caminho. Na Europa era só palmadinhas nas costas a cada sítio que ele ia. Pancadinhas nas costas e uma caneta para ele assinar negócios chorudos.
Agora? agora não são só os russos preocupados com vendas de armamento militar, tem aí muito país europeu a ver as coisas andar para trás e logo agora que anda tudo com falta de euros nos bolsos.
Eu não acho que a postura de Portugal tenha sido diferente do resto da Comunidade de países interessados em fazer negócios e como sendo um país energético, países "amigos" é o que não faltam...
Portugal é um país pequeno e tem que esgravatar para se safar. E não faz mais que os outros, faz o mesmo.
Caro Milhazes,
Eu estou certo de que V.Sa. conhece mais do que eu como foi o prenúncio da II Grande Guerra Mundial, nomeadamente ao tempo das assinaturas de Ribbentrop e Estaline em Moscovo a 23 de agosto de 1939. O que aconteceu uma semana depois? A “blitzkrieg” (invasão dos tropas nazis na Polônia)...
Pois bem, muitas outras edições deste acto truculento foram executadas pelos USA ao longo deste ultimo meio século.
Há mais de três meses eu lia a noticia no JN do Porto que os USA estavam com suas contas equilibradas e já tinha planos de resgatar sua prosperidade – isto há três meses, com foto de Obama e tudo mais.
Eu então fiz comentário indagando como seria aquilo possível e “quem” seria a próxima vitima a pagar por aquele acto – ficou lá registrado.
E agora? ... parece, eu acho que eu não me enganei como muitos estavam a me criticar. Mas observem este panorama: aqui mesmo no seu blog “Da Rússia” eu fiz uma critica ao Presidente Medvedev por “ter viajado mais de 3000 quilómetros para assinar acordos com antigos inimigos...” . Então, pode não ter havido nenhum vínculo com a suposta queda de Kadaffi da Líbia, mas o curioso disto é a Rússia não denunciar os USA por asfixiar aquele país e de promover no mídia mundial a queda daquele regime. Também é curioso que os USA conseguiram enganar o presidente chinês em recente visita à Casa Branca. Mas que belas coincidências!
É isto meu caro.
Este meu cabecinho fértil não me engana, pode crer. Um abraço do everardo, de Teresina-Brasil.
Talvez seja a altura de pararmos de nos vergar aos ditos empresários, em particular os grandes e dizer basta.
São subsidiodependentes. Para fazerem qualquer coisa, temos de fazer milhentas concessões e no final ainda pedir desculpa.
Na generalidade são ineficientes, atrasados, impreparados, sem qualquer espírito de inovação ou risco, sem visão.
Quando as coisas apertam são os primeiros a fazer voar os capitais.
Ainda conservam a visão salazarenta e retrógada de que os empregados são todos uns calões, que têm mais é de trabalhar muito por baixo custo, "pois é melhor ser explorado que não ter trabalho". Esses mesmos empregados no estrangeiro, com management a sério, produzem maravilhas e são considerados dos melhores do mundo.
Geralmente nas empresas as pessoas estão a trabalhar cada vez mais e a trazer menos ordenado.
Se Sócrates, com todos os defeitos que tem assume o papel empresarial nas visitas de Estado não é para impor o Estado nesse papel mas como catalizador desses esforços que não são feitos por quem devia fazê-los.
Tem também havido os papeis incansáveis e abenegados de Manuel Pinho (o ex-ministro dos corninhos) ou Basílio Horta no intuito de pôr o pais económico a funcionar.
Do outro lado estão os chorões que basicamente são construtores civis passivos à espera da mama na teta das obras públicas ou merceeiros de grandes superfícies cuja grande "visão" é explorar operadoras de caixa de supermercado ou escravos de call centers.
Claro está que existem muitos empresários em especial nas PMEs que contribuem muito positivamente e são bons exemplos sendo infelizmente mais a excepção do que a regra.
Cumpts
Manuel Santos
Quanto ao jovem Henrique Raposo, que apesar de ser jovem em idade, as suas ideias e o que defende tresandam a um mofo reaccionário do mais primário e básico, vendo ameaças estalinistas até debaixo do colchão, deveria ser o primeiro a ter contenção na crítica que faz pois Kahdafi foi aceite na comunidade ocidental a partir do momento que uma das suas mentoras politico-ideológicas, a Dª Condolezza Rice o recebeu e lhe deu aval.
Em anexo está o artigo completo:
http://clix.expresso.pt/os-abracinhos-de-socrates-a-kadhafi-faziam-sentido=f634893
Cumpts
Manuel Santos
"um político tem deveres éticos que um empresário não tem". Eu, se fosse empresário, sentir-me-ia insultado, pois até parece que, em prol do lucro, vale tudo."
Isto é típico da maneira como estas pessoas pensam e bate tudo certo.
Advogaram desde sempre que se teria de dar liberdade total aos intervenientes económicos, acabar com regulações e passar as áreas tradicionais do Estado para privados.
De facto nos últimos 20 anos isso foi feito, naquele fenómeno que se convencionou chamar globalização, e como tal os empresários e grupos económicos desta vaga, desprovidos de quaisquer escrúpulos fizeram o que fizeram e vejam como estamos hoje.
E para eles não há qualquer necessidade de ética ou princípios e é exactamente no calor das constatações que a desonestidade desta gente vem ao de cima, como inúmeras vezes já o assistimos mesmo neste blog.
Cumpts
Manuel Santos
Um dos grandes problemas do nosso mundo é precisamente este: em nome dos negócios e do lucro aperta-se a mão à podridão. Os políticos devem fazê-lo a bem dos interesses da nação (será?) e os empresários devem fazê-lo a bem da conta bancária... Este é, infelizmente, o mundo que nos rodeia.
A análise do Sr. Milhazes está correta.
Ponto final.
Enviar um comentário