O bloqueio imposto pelas tropas alemãs à cidade soviética de Leninegrado, que começou em 1941 e se prolongou por 872 dias, impediu a publicação da primeira edição em verso dos Lusíadas, obra épica de Luís de Camões, em russo.
A tradução, realizada pelo filólogo russo Mikhail Travtchetov, estava praticamente acabada e pronta a ser editada pela “Lenizdat”, mas o cerco nazi não só impediu a sua publicação, como roubou a vida ao seu tradutor.
Mikhail Travtchetov nasceu São Petersburgo, em 1889, dedicando grande parte da sua vida ao ensino de Literatura nas escolas soviéticas e à tradução para russo de autores estrangeiros como Pierre Jean de Béranger, Lope de Vega, Calderon de la Barca, Lord Byron e Camões.
Em 1940, Travtchetov terminou a principal obra da sua vida, a tradução de português para russo dos Lusíadas de Camões. O redator dessa edição, professor Alexandre Smirnov, considerou-a “um acontecimento na literatura traduzida para russo”.
O texto da tradução foi entregue na tipografia na Primavera de 1941, mas a invasão da União Soviética pelas hordas hitlerianas adiou a sua publicação.
Andrei Rodosski, professor de língua e literatura portuguesas da Universidade de São Petersburgo (antiga Leninegrado), citando as palavras da irmã do tradutor, escreve que “o manuscrito que fora entregue à Editora Lenizdat desapareceu durante o bloqueio”.
Porém, conservaram-se os cadernos com os rascunhos da tradução, que atualmente fazem parte do espólio da Biblioteca Nacional da Rússia, em São Petersburgo. Alguns dos fragmentos da tradução foram publicados na obra “Literatura Estrangeira. Época do Renascimento”, com edições em 1959 e 1976.
Não obstante ter sido publicada em russo uma tradução integral do poema épico camoniano em 1988, o professor Rodosski defende que a versão poética de Travtchetov não deve ser esquecida e merece ser impressa, pois possui grandes qualidades.
Depois de analisar as virtudes e defeitos da tradução de Travtchetov, Rodosski conclui: “as qualidades da tradução são bastante grandes e resta apenas lamentar que ela não tenha sido publicada até agora”.
É também de salientar que a Travtchetov traduziu outras obras do poeta português, nomeadamente os seus sonetos.
O destino do próprio tradutor russo foi tão dramático como o da sua obra. Tendo-se recusado a abandonar Leninegrado, tal como fizeram o grande compositor soviético Dmitri Chostakovitch e numerosos outros intelectuais, ficou livre do serviço militar por questões de saúde, mas inscreveu-se como bombeiro no Serviço de Defesa Anti-Aérea e Anti-Química da União Soviética.
Entre outras tarefas, os membros desse serviço deviam, nos telhados da cidade, vigiar a queda de bombas incendiárias lançadas pela aviação alemã a fim de as recolher rapidamente e impedir incêndios de edifícios. Em 1942, a revista norte-americana publica, na capa de um dos seus números, o retrato de Chostakovitch com o capacete de bombeiro.
Mikhail Travtchetov faleceu em Dezembro de 1941, quando regressava de um turno de vigilância noturna.
2 comentários:
Infelizmente a guerra não poupa ninguém, e tem sempre o condão de deixar cair os melhores.
JM, louvo-lhe o facto de não ter deixado cair o nome deste tradutor no esquecimento.
Bom trabalho.
Glória aos herois que lutaram e venceram em Leninegrado, Estalinegrado, Moscovo, Kursk e Berlim contra uma Ofensiva Europeia constituida maioritariamente por alemães, Hungaros, Austriacos, Italianos,Checos, Croatas, Nordicos, letões entre muitos outros.
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