Texto enviado por António Campos:
O “paraíso igualitário” bielorrusso está à beira do colapso. Economia e modelo social de fachada, que muitos defensores do modelo de Lukashenka usavam ingenuamente como exemplo de “sucesso” e “crescimento” alternativos aos modelos ocidentais, está a um passo do precipício. Desde que os russos fecharam a torneira dos subsídios através da transferência de hidrocarbonetos a preços preferenciais, gerando rendas no qual a economia se sustentava, ficaram a descoberto todas as fragilidades ocultas da economia real da Bielorrússia. O país esgotou muito rapidamente as suas reservas de moeda estrangeira, em virtude de uma balança de pagamentos a pender fundamentalmente para o lado das importações, e encontra-se neste momento totalmente dependente de ajuda externa.
Antes das eleições, o governo de Lukashenka tinha negociado um pacote de ajuda Ocidental, orçado em de cerca de 3,6 mil milhões de dólares, cuja entrega terá ficado condicionada à realização de um processo eleitoral livre e justo. No entanto, foi a sua surpreendente viragem a leste, visível na imprensa e em todos os noticiários durante a minha estadia no país uma semana antes das eleições, o principal indicador de que as promessas ao ocidente dificilmente seriam honradas. Lukashenka aparentava ter assegurado um plano B caso a contestação social fosse superior à esperada. E não só as eleições foram uma vez mais viciadas, como também se assistiu a um movimento popular significativo que motivou um violento ciclo de repressão sobre a oposição. O resultado foi uma série de julgamentos de fachada que produziu, entre outras, uma sentença de cinco anos de trabalhos forçados sobre o seu maior opositor político e antigo candidato presidencial Andrey Sannikov. A sua mulher recebeu uma pena de dois anos de pena suspensa e outros activistas foram também condenados a penas de prisão. O misterioso ataque bombista em Minsk, que causou 14 vítimas mortais e muitos ainda atribuem ao próprio regime (e outros ao FSB), foi também usado para intensificar a repressão política.
Com a ajuda Ocidental fora do baralho após os acontecimentos iniciados a 19 de Dezembro, restava a Lukashenka que as maquinações entre os chefes de estado dos países irmãos, bem patentes uma semana antes nas fotos oficiais inundadas de sorrisos de ambos os lados, produzissem o seu resultado. Depois de não arriscar a desestabilizar o regime e jogar a sua cartada repressiva, o plano B do presidente, a cobertura do Kremlin, teria que ir adiante.
É extremamente difícil entender as razões que levaram Lukashenka a achar, após a violenta campanha de descredibilização pré-eleitoral encomendada pelo Kremlin (que incluiu, entre outras coisas, a série de documentários “O Padrinho”), que poderia contar incondicionalmente com este para manter as suas garras no poder caso as coisas corressem mal. Talvez tudo tivesse sido um bluff mediático para deixar um recado à oposição de que poderia impunemente deitar para o lixo as exigências de democratização do Ocidente. Nunca saberemos. Sabemos sim, que tal acabou por se revelar um grosseiro erro de cálculo.
E como previram os mais atentos, o plano B falhou. Finalmente, o Kremlin conseguiu rasteirar Lukashenka. Empatando a entrega do anteriormente negociado pacote de ajuda de 3 mil milhões de dólares, está a ser uma peça central na desestabilização social sem precedentes em curso. Ainda esta semana, segundo a Reuters, o rublo bielorrusso sofreu uma queda de 15% em relação ao dólar. Há apenas algumas semanas, um dólar comprava cerca de 3.000 rublos. Hoje vale 6.500. A indústria, já de si fraca, e com uma capacidade limitada de obter divisas através de exportações, está paralisada pela impossibilidade de obter na banca moeda estrangeira para adquirir matérias-primas, continuando a despedir milhares de trabalhadores. O mercado negro de rua de divisas voltou ao país, após dez anos de ausência e toda a gente, particulares e empresas, está sofregamente a utilizá-lo. Por todo o lado há faltas de produtos básicos importados e a população está em pânico, a que não é alheio o discurso de Lukashenka na TV a ameaçar todos os que propagassem “boatos” sobre desvalorização da moeda ou faltas de produtos essenciais nas lojas. Tal provocou uma corrida ainda maior ao açambarcamento de euros, dólares e alimentos. Estes desenvolvimentos provocaram uma subida sem precedentes da inflação, que se situa agora nos 18%, em termos de variação anual do IPC. Um diplomata estrangeiro com funções em Minsk afirmou ao Financial Times: “estamos a ir na direcção do Zimbabwe”.
Não é de surpreender portanto que Vladimir Putin se tenha deslocado na terça-feira passada a Minsk reiterando a “oferta” de 3 mil milhões de dólares em empréstimos (segundo algumas fontes), condicionados a reformas estruturais e, mais importante, à privatização de empresas estatais, o que indicia a intenção do Kremlin de se apoderar dos activos estratégicos do país. Outras fontes citam que Putin ofereceu mil milhões pelo controlo total do sistema de pipelines bielorrusso. Segundo o Financial Times, Anastasiya Golovach, analista na Renaissance Capital, afirmou que “o empréstimo ajudará a restabelecer a confiança dos investidores. Mas a Bielorrússia terá seguramente que dar algo em troca e a Beltransgaz (operadora do pipeline que assegura parte do o abastecimento de gás russo à União Europeia) será o preço a pagar.” É provável que outros activos valiosos, tais como as refinarias bielorrussas, o principal operador de telecomunicações móveis e a Belaruskali, uma importante produtora de potassa, caiam nas mãos de oligarcas russos com ligações ao Kremlin.
E não deixa de ser irónico que, ao encostar Lukashenka à parede, Putin está a colocar a Bielorrússia exactamente na mesma situação traumática em que a Rússia se viu envolvida após o colapso da União Soviética. As semelhanças são assustadoras. E cinicamente, é certo que tentará tirar partido do caos social e económico resultante.
Com o erro fatal do dia 19 de Dezembro de 2010, Lukashenka obliterou, sem precisar de qualquer ajuda, a eficácia da sua estratégia de balançar entre o Ocidente e a Rússia, e deu de bandeja o seu país ao seu vizinho maior. É bem possível que, ainda durante a sua vida, assista, de uma obscura dacha nos arredores de Minsk, ao desaparecimento da Bielorrússia enquanto país independente. Mas seja o que for que aconteça, o seu destino político está certamente traçado.
7 comentários:
Não vai haver mal nenhum se o negócio russo reforçar as suas posições na Belorússia. Se os empresários russos sentirem de repente falta de gestóres, sem dúvida são capazes de contratar uns mais competentes e mais eficazes que aqueles que só sabem citar alguma "Waschington Post" e escrevinhar nos blogues alheios.
E os contos de fada sobre "valores democraticos" que contem a alguns iraquianos ou líbios.
P.S. Considero uma falta de educação distorcer os nomes das pessoas de um país ou de uma comunidade a que não pertence. Escreve-se "Lukaschenko", como todos sabem. È o direito dos belorussos distorcer os nomes ou não.
Anónimo, informe-se melhor. Em Bielorrusso, o apelido do Presidente é Lukashenka, a transcrição de Lukachenko é feita através do russo, e nunca poderá ser Lukaschenko, pois o apelido em russo é Лукашенко e não Лукащенко. Não é assim?
Pergunte aos bielorrussos sobre os gestores.
Em russo é Lukashenko. Mas tudo isso não muda o sentido e o tom daquilo que foi escrito aqui e daquilo que eu disse. Na verdade, acho que seria melhor que o autor de tudo isso seguisse as normas inernacionais ou portuguesas, mas isso é a minha opinião pessoal.
P.S. Quase tenho a certeza que o nome de Lukeschenko foi escrito assim de propósito aqui. Porque, se alguem não sabe, em russo pode ser entendido como um tom de despreso, pejorativo.
Repito, os belorussos têm direito de pronunciar como quiserem.
anónimo_russo,
vc é muito manipulador tendencioso! Acho super desonestas sua participação nesse blog. Pra mim, vc é um agente pago por Moscou pra fazer propaganda pró-rússia na internet.
Anónimo disse...
"anónimo_russo,
vc é muito manipulador tendencioso! Acho super desonestas sua participação nesse blog. Pra mim, vc é um agente pago por Moscou pra fazer propaganda pró-rússia na internet."
Não gosta da minha opinião? Mas é a internet, um espaço livre.
Privatizações em troca de "ajuda" financeira? Gaita, e eu que pensava viver em Portugal, afinal vivo na Bielorrússia!
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