Ivan Gontcharov
Notícias sobre a passagem de navios russos por territórios portugueses voltam a aparecer nas notas da segunda viagem de circum-navegação de Vassili Golovnin, realizada no veleiro Kamtchatka entre 1817 e 1819, mas, desta vez, além do Brasil, o veleiro entrou no porto do Faial, nos Açores.
Durante os 17 dias que passou no Faial, onde o navio se abasteceu de água e alimentos frescos, Golovnin teve a oportunidade de visitar os lugares mais pitorescos da ilha, tendo-lhe chamado a atenção a Caldeira.
Na hora da partida, escreve: “ Partimos satisfeitos com a amável recepção dos nossos conhecidos do Faial, e eles ficaram com o mesmo sentimento. O governador e os seus habitantes não se cansavam de repetir-me que gostariam de ter ali em permanência barcos russos. Ao contrário, quando chega um navio militar inglês, os habitantes querem que ele saia o mais rápido possível, pois os marinheiros embebedam-se em terra e provocam conflitos. Nenhuma das nossas pessoas que autorizei a ir a terra, doze ou mais por dia, andou à pancada ou ficou bêbado” (29).
As viagens de circum-navegação russas continuaram durante todo o séc. XIX, mas há duas delas que merecem uma análise mais atenta. A primeira realizou-se entre 1852 e 1855, sob o comando do capitão Ivan Unkovski (1822-1866), e tinha dois objectivos: inspeccionar os territórios russos na América do Norte (Alasca) e estabelecer relações políticas e comerciais com o Japão.
Porém, para nós é importante o facto de nesta expedição marítima ter participado Ivan Gontcharov, um dos maiores vultos da literatura russa, autor do romance “Oblomov”, que nos deixou descrições da viagem, nomeadamente da sua passagem pela Madeira e Cabo Verde.
O primeiro contacto com o vinho da Madeira ficou longe de ter sido o melhor. Gontcharov escreve: “De súbito, os guias pararam junto de uma casinha, gritaram alguma coisa e trouxeram-nos três canecas de vinho. Ofereceram-me a minha e eu não podia recusar: tratava-se de vinho da Madeira, directamente da fonte! Madeira! Mas que porcaria, talvez seja vinho novo. Eu devolvi a caneca. Os guias fizeram uma vénia e esvaziaram num instante as canecas”.
O escritor russo mudou de opinião ao almoçar na casa do cônsul russo no Funchal: “O ponto alto do almoço foram o vinho e a sobremesa. Claro que o vinho era da Madeira, tinto e branco. Tanto um como outro eram de uma qualidade suprema, principalmente o tinto, cor de ruby”.
Mas o ar da Madeira foi o que mais cativou Gontcharov: “Quando respirava o ar da margem montanhosa do Volga, pensava que não podia haver nada de melhor noutro lugar. De manhã, num dia de Verão, abres a janela e no rosto sopra uma frescura tão pura, saudável. Na Madeira, eu senti a frescura e do ar do Volga, que bebes como a água mais pura da fonte, mas como que diluída...em Madeira...”.
“Ao olhar para trás, para a ilha, desejei que ela ficasse para sempre na minha memória”, conclui Gontcharov (30).
Konstantin Staniukovitch, oficial da marinha russa, fez uma longa viagem marítima, em 1860-1861, e passou também pela Madeira e Cabo Verde.
No livro “Viagem de Circum-navegação na “Korchun””, este escritor descreve como algo “fantástico”, “irreal” a vista da cidade do Funchal a partir do mar: “As suas pequenas casas encostam-se uma às outras como celas numa colmeia, com uma coroa verde, e sobre elas altas montanhas verdes, onde aqui e ali se pavoneiam casas de campo e villas, mergulhadas em verdura. Numa das montanhas vê-se um mosteiro branco. E tudo isso cercado de árvores tropicais densas e onduladas”.
1 comentário:
Excelente série de artigos!
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