terça-feira, agosto 16, 2011

Agonia da URSS: cartões de racionamento

Texto traduzido e enviado por Jest:
"Nos últimos anos da existência da URSS a sua economia vivia uma crise aguda, mas a burocracia soviética tentava ultrapassá-la com a distribuição estatal dos produtos mais procurados através do sistema de cartões (talões) de racionamento.
Para não usar a palavra “cartão” que era conotado com as dificuldades naturais pós II Guerra Mundial, o poder soviético optou por chamar os mesmos documentos de “talões” ou por vezes “convites”.
Os produtos rareavam nas lojas e mesmo possuindo o cartão, o cidadão soviético poderia comprar, a título de exemplo, 1 (uma) garrafa de vinho por mês. Por alguma razão misteriosa o país que produzia os sistemas extremamente complexos do posicionamento de mísseis inter-continentais não conseguia produzir a quantidade suficiente de trigo mouro, cigarros ou açúcar.
Para combater o défice, URSS comprava no estrangeiro os “produtos do consumo popular”, assim as pessoas tiveram a oportunidade de experimentar o chá iraniano ou sabonetes turcos. Mais tarde, surgiram os primeiros bazares semi-clandestinos, onde as pessoas com a formação superior aprendiam na prática os ases do capitalismo. Aqueles que tinham a oportunidade recebiam das mãos do estado as pequenas parcelas de terra, geralmente 600 m² que transformavam em hortas privadas. Outros compravam e vendiam produtos diversos, desta maneira conseguiam dispensar o estado e os seus “talões”. Talvez por isso imensos cartões emitidos em 1990-1992 não foram usados, ficando para sempre na posse dos seus proprietários.
Em apenas dois – três anos após o desaparecimento da URSS tudo mudou. O comunismo com os seus défices permanentes desapareceu, no seu lugar surgiu o mercado com os preços livres. Os cidadãos se esqueceram as filas medonhas e humilhantes e a ausência dos produtos mais elementares, mas se lembram das ideias luminosas de tornar feliz toda a humanidade e neste momento a metade dos ucranianos sente nostalgia pela URSS.
Mas 20 anos atrás essas mesmas pessoas, esperando para abastecer os seus “talões”, eram, possivelmente os anti-soviéticos ferrenhos...
A face do défice soviético
Tudo poderia se tornar a raridade, desde os cigarros até SMS (na altura essa abreviatura significava “produtos sintéticos de limpeza” e personificava a pobre gama dos produtos de limpeza soviéticos). Mesmo o sal e os fósforos por vezes se vendiam através de “talões”, o vendedor recortava com a tesoura as combinações de datas e dos produtos.
Em 1990 na cidade de Leninegrado o cidadão tinha o direito de comprar 1 (um) sabonete cada 2 (dois) meses! Na mesma cidade, o poder municipal garantia a compra de “bebidas alcoólicas fortes”, eufemismo usado para evitar a palavra forte – vodka.
Por vezes os “talões” ficavam por abastecer por falta dos produtos nas lojas estatais (e as privadas ainda não existiam) ou então o seu proprietário fazia o rancho nos bazares. Um dos líderes de prateleiras vazias era Belarus, por exemplo, na cidade de Braslaw na província de Vitebsk, até o pão se vendia por “talões”, tal como durante a II Guerra Mundial.
Em alguns regiões da Rússia a crise alimentar durou até o Verão de 1992. No mesmo ano Leninegrado se tornou São Petersburgo, mas vodka continua ser racionada, já não pela municipalidade, mas pelos Escritórios de Exploração Habitacional (ZhEK). No Verão de 1993 a vodka ainda era racionada na cidade de Voronezh.
Fonte & 20 imagens de diferentes “talões” e “convites”:

Bónus
O economista russo Yegor Gaidar recorda que na década de 1970, URSS superava os EUA em número de tanques em mais de 20 (!) vezes. Porque? Pois o volume da produção militar era definido não pelas necessidades reais, mas pela existência das linhas de produção em funcionamento. Os soviéticos argumentavam que as linhas de montagem não deveriam estar inoperativas. Essa era a lógica de todo o sistema produtivo soviético, escreve na sua página do Facebook o jornalista ucraniano Yuriy Lukanov.
Yegor Gaidar, “A Morte do Império: Lições para Rússia Contemporânea”, Moscovo, 2006, edição Enciclopédia Política Russa (ROSPEN), 448 páginas, descarregar gratuitamente (em russo)."

25 comentários:

Gilberto disse...

Ponha isso na conta do capitalismo e do desmanche da economia planificada.


Sabemos que o Socialismo ruiu na URSS com a Perestroika. Nos últimos anos da URSS o que restada do Estado Operário Degenerado era somente o "Degenerado", pois de estado operário não tinha nada.

Havia mais de 80 mil empresas e grupos privados no país.

Foi o desmanche brusco e as apropriações predatórias dos setores da economia que causaram situações bizarras como essas - que são verdadeiras - descritas nesse tópico.


Como disse: Ponha na conta do capitalismo.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Gilberto, as senhas de racionamento existiram durante toda a era soviética, por isso deve ser metido na conta do socialismo planificado. Acabaram com a União Soviética.

Gilberto disse...

Sim, existiam os cartões.

Mas no nível dessa panúria aí descrita, só se via no pós-guerra, após o país ter sido destruído, e após a restauração capitalista(Perestroika).

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Gilberto, tem razão em relação a algumas cidades e regiões, mas, noutras, a penúria foi sempre forte, mesmo antes da perestroika. Os habitantes de cidades como Riazan vinham a Moscovo comprar mortadela, pois até isso faltava nessa e noutras cidades da parte europeia da URSS.

Anónimo disse...

Excelente artigo. Uma pequena nota, penso que 'trigo sarraceno' é mais correcto que 'trigo mouro'.

HAVOC disse...

Isso é culpa de Mikheil Gorbachov, que vendeu a URSS para a CIA!

Anónimo disse...

Era uma vida de muita escassez. Vale lembrar que não aconteceu apenas na fase final do Comunismo. Na Rússia, China, Camboja houve verdadeiras multidões de pessoas passando fome e uma boa parte delas morreu. Fico pasmo com infantilidade de alguns aqui em buscar "fatores externos" para as causas desse problema. É uma raciocínio(?) muito barato! Vamos nos apegar a eplicações históricas, por favor. Sem falseamentos e desonstidade intelectual. Havia desabastecimento em toda a história de países comunistas e períodos agudos de crise de fome. Isso foi culpa de quem? Da Cia tb? Acho triste essas explicações fáceis, na verdade não são nem dignas de comentários.

Jest nas Wielu disse...

2 Gilberto Mucio 09:06
O socialismo ruiu na URSS (se que alguma vez existiu) muito antes da Perestroika, a Perestroika apenas ajudou a sepultar o “fantasma que vageava pela Europa”.

Não apenas Riazan, mas uma grande parte da Rússia ia se abastecer em Moscovo, pois a mortadela que na Ucrânia chamavamos de “alegria de cão”, custava 1,60 rublos o kg e era comprada geralmente para alimentar os cães e gatos era o produto raríssimo na Rússia já na década 1970-1980. Pelo contrário, o tal malfalado capitalismo encheu as prateleiras das lojas em 2-3 anos (já agora, em Moçambique também).

Estimado anónimo, 'trigo sarraceno' e 'trigo mouro' são sinónimos, buckwheat em inglês.

Jest nas Wielu disse...

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O realizador ucraniano – brasileiro Guto Pasko acaba de produzir o seu novo filme: “Iván – De Volta Para o Passado”. Em 1942 Iván Boiko foi arrancado pelos nazis da Ucrânia para os trabalhos forçados na Alemanha. Em 1948 ele imigrou para o Brasil, onde manteve às tradições culturais do seu país através da musica. Ver o trecho no YouTube (3'44''):
http://www.youtube.com/watch?v=
Y0GNZGS9msE

José Manuel disse...

Sim. O capitalismo resolveu o problema do defice de abastecimento, não através das senhas de racionamento (que apesar de tudo permitia quem todos tivessem acesso aos bens, mesmo que em quantidades reduzidas), através do racionamento monetário. Assim o dinheiro é distribuído de forma desigual (muito para alguns e pouco para quase todos). Como o dinheiro não chega para as compras da maioria, os produtos amontoam-se nas montras, dando a ilusão duma abundância que é só para alguns. É realmente uma forma mais sofisticada de ...racionamento.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

José Manuel, a existência de senhas de racionamento não garantiu, nem garante o mínimo, pois era preciso que existissem produtos para as garantir, o que não acontecia muitas vezes. Eu ainda guardo algumas senhas de racionamento.

Zuruspa disse...

Sabem entäo qual a diferença entre a URSS dos anos 1980 e os EUA dos anos 2010?

Nos EUA dos 2010s näo häo senhas de racionamento!

Jest nas Wielu disse...

2 Gilberto Mucio 09:06
Ontem me escapou essa frase sua: “Havia mais de 80 mil empresas e grupos privados no país”. Sobre que país estamos a falar? Decerto não sobre a URSS, pois garanto que na URSS antes de 1988 (segundo ano da “maldita” Perestroica), não havia “grupos privados”.

2 José Manuel 22:33
No capitalismo imperfeito de Portugal, os imigrantes ucranianos trabalham e sustentam as suas famílias, agora, se aos alguns Sres Dres Engenheiros “o dinheiro não chega para as compras”, isso não é o problema daqueles que trabalham.

2 Zuruspa 08:45
Os ucranianos (portugueses, irlandeses, polacos) nos EUA dos 2010s não necessitam das senhas de racionamento, eles trabalham e com o seu labor sustentam aqueles que necessitam...

Zuruspa disse...

ó Jest, dos ucranianos da URSS dos 1980s também se escrevia que "não necessitam das senhas de racionamento, eles trabalham e com o seu labor sustentam aqueles que necessitam". Até nisso säo iguais.

Com papas e bolos...

Jest nas Wielu disse...

2 Zuruspa 15:46
Suponho que isso se escrevia no jornal “Avante” e as publicações afins...

Eu falo daquilo que sei pela minha experiência própria, à título de exemplo, a Associação dos Ucranianos de Portugal (www.spilka.pt) mantêm em 2011 em Portugal continental cerca de 17 (!) escolas sabáticas ucranianas sem receber os apoios do Estado português. Acho que não faria nenhum mal V. Excia., conhecer melhor a vida dos emigrantes que trabalham para si e para os seus...

Jest nas Wielu disse...

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Apresento o filme ucraniano "Fire Crosser" (2011). A vida do piloto ucraniano Ivan Datsenko que se tornou o chefe dos índios canadenses: http://www.youtube.com/watch?v=
ntgA480x2A4&feature=share

Anónimo disse...

Não tinha comida pq não tinha industrias variadas: têxtil, alimentícia e etc... A indutria soviética era toda voltada para a produção de armamentos. Havia produção em massa de lança-mísseis mas não a havia de lata de salsicha.

Jest nas Wielu disse...

2 Anónimo 00:09
A explicação real também não é assim tão simplista, desde a sua criação a URSS estava apostar em fazer de tudo para ... prejudicar o mundo Ocidental, daí gastos astronómicos em ajuda aos regimes e partidos “progressistas” e de facto, a prioridade para os gastos em defesa e cósmos e não para a produção dos ítens da dita “economia popular”.

Fotos do Afeganistão antes do país sofrer a “ajuda internacionalista” da URSS:
http://xictopia.ucoz.ru/news/fotografii
_liberalnogo_afganistana_1950_1960_kh_godov

Jest nas Wielu disse...

link correcto:
http://xictopia.ucoz.ru/news/
fotografii_liberalnogo_afganistana
_1950_1960_kh_godov/2011-08-18-67

Jest nas Wielu disse...

aqui as fotos afegas dos anos 1967-68, na sua maior parte Kabul do Dr. Bill Podlich:
http://www.pbase.com/qleap/afghan_1&page=6

HAVOC disse...

Zuruspa e Anonimo são a mesma pessoa!

Jest nas Wielu disse...

2 Zhirinovsky / Oblonsky / Hunter / Flanker, etc "The Bear" 13:38
Obrigado pela informação, mas V. Excia que opera sob meia duzia dos nick, será que deve apontar o dedo aos outros?

Jest nas Wielu disse...

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Blogueiro ucraniano Volodymyr “Lumpen” Petrov sobre o estatuto da língua russa na Ucrânia (“Lumpen” é de origem russa e como diz na peça não lê, nem consegue escrever correctamente em ucraniano), “A língua russa tem o seu próprio país, se chama Rússia!”:
http://www.youtube.com/watch?v=
RL-YljCST4I&feature=related

Zuruspa disse...

Näo, näo säo, "O Urso". Estás muito confuso mesmo!

Ó Jest, se tens assim tanta pena, manda para lá o teu dinheiro. A mim ninguém me pediu para abrir essas escolas. Os privados que abrem escolas que arranjem maneira de as financiar!

Jest nas Wielu disse...

2 Zuruspa 23:22
Mas será que alguém pediu o seu dinheiro para alguma coisa que seja? Será que aqui há alguma dificuldade de compreender o português e haja necessidade de aulas para os “alternativamente dotados”? Dei o exemplo dos ucranianos que trabalham, abrem as suas escolas, não vós pedem dinheiro e não reclamam por causa da crise, só e apenas isso.