sábado, agosto 13, 2011

Contributo para a História de Portugal (Salazar e o receio do comunismo na Europa) (Parte 2)

"SALAZAR disse exactamente o seguinte: “Eu tentei ardentemente convencer os ingleses a apoiar o gen. FRANCO e garantir assim a iniciativa e a influência decisiva no decorrer dos acontecimentos; infelizmente, eles não se decidiram a fazer isso e, por isso, o seu lugar foi ocupado por alemães e italianos, e isso, por sua vez, afastou os ingleses. Porém, agora, eles decidiram conservar a última palavra, mas, agora, é difícil dizer se o estender da situação não enfraquecerá as forças do general FRANCO”. Durante toda a conversa sentia-se as fortes simpatias de SALAZAR para com a Inglaterra. SALAZAR  afirma que, por enquanto, não há atritos entre a Alemanha e a Itália, por um lado, e a França, por outro. Segundo SALAZAR, a Inglaterra e a França tentam fazer que ambas as partes beligerantes sintam “fome de armas”, esperando dessa forma obrigá-las à reconciliação. FRANCO concordou com o controlo internacional, porque para ele era importante, antes de tudo, para fechar a fronteira franco-espanhola, que lhe provoca mais preocupação; mas esse controlo pode ser perigoso também para ele se a situação se prolongar.
Depois, passámos para as nossas relações com a Alemanha. Eu expliquei a SALAZAR as origens do pacto de não agressão e assinalei como ele influiu na pacificação da atmosfera, por exemplo, na questão do chamado “corredor”, que foi sempre apresentado como principal perigo de um conflito militar na Europa. Eu sublinhei que o nosso acordo com a Alemanha não afecta de forma alguma a nossa união militar com França. Desta parte da conversa, em que abordámos a Alemanha, tornou-se evidentemente claro que SALAZAR até ao presente fora informado unilateralmente pelos alemães no sentido de que o “corredor” divide o Estado germânico em duas partes, que não têm possibilidade de manter livremente ligação entre elas. Ele de nada sabia sobre as facilidades de trânsito e as convenções que praticamente dão aos alemães possibilidades de comunicação ilimitadas, não excluindo o transporte de tropas.
Depois passámos para o tema de França. Segundo SALAZAR, a França pagou caro pelo seu “flerte” com a União Soviética. Ele afirma que as reformas sociais poderiam ter sido realizadas a um preço mais baixo, e o pior é que os círculos comunistas não deixarão de utilizar o momento para convencer as massas de que elas devem o melhoramento subjectivo da sua situação (porque não há objectivo) não ao governo francês, mas à influência da URSS sobre França. SALAZAR constatou que Paris é o centro da Comintern, que realiza todo o trabalho na Europa Ocidental, e foco de infecção e de acções de diversão, realizadas a partir de Paris para outros Estados. Ele sublinhou que a propaganda comunista ganha dimensões cada vez mais assustadoras nas colónias, principalmente no Norte de África. É verdade que aí é difícil dividir a actividade provocatória dos órgãos de segurança e da administração, mas a situação, além disso, é bastante séria, porque até uma manobra polícia maravilhosamente pensada dá, por vezes, resultados inesperados. Os franceses têm esperança de que as suas massas não se deixarão muito levar pela propaganda comunista, visto que elas são fundamentalmente constituídas por pequenos proprietários. O primeiro-ministro expressou a ideia de que semelhante convicção pode ser falsa, quando se desenfreiam os institutos e quando o papel decisivo for desempenhado pelos contrastes. Além disso, ele é da opinião que, no caso de em França ocorrerem acontecimentos análogos aos que vemos em Espanha, então a Alemanha irá reagir activamente a isso sob a forma de envio das suas tropas para França, justificando as suas acções com o receio do alastramento da infecção comunista.
Para concluir, SALAZAR, por iniciativa própria, repetiu-me que ele utilizará com bom grado a ajuda da Polónia, enquanto Estado que tenta conservar a paz e a ordem em todo o mundo, na luta contra os agentes da Comintern no território de Portugal. Ele caracterizou brevemente a situação política no seu Estado e, vendo alguma analogia entre a Polónia e Portugal, constatou, com um sorriso, que, na base da experiência e do estudo, nós, não obstante a distância que nos separa e outras condições locais, chegamos a conclusões e métodos semelhantes de direcção do Estado.  O facto é que a ditadura em Portugal é caracterizada pela sua luta contra o comunismo, pela exclusão de partidos políticos como momento da vida estatal e pelo desejo de evitar métodos aceites em Estados com um “regime totalitário”, onde tudo está sujeito ao Estado, não excluindo a ética.
Como se vê das questões abordadas, a nossa conversa foi muito interessante do ponto de vista político e espero que permita realizar com  SALAZAR outras conversas de trabalho.
Karl Dubic-Penter, embaixador polaco.
Envia-se: MNE – P-P, P-P,
Estado-Maior, chefe da 2ª Secção.
Correcto:
Chefe da VII SECÇÃO da DIRECÇÂO PRINCIPAL DE SEGURANÇA DO ESTADO do COMISSARIADO DO POVO DA URSS, COMISSÁRIO da SEGURANÇA de ESTADO de 2º NIVEL
(Slutski)".

1 comentário:

Gonçalo Pereira disse...

Documento muito interessante, José Milhazes, mas beneficiaria mais se estivesse datado. A tradução é da sua autoria?

Muito obrigado. Cumprimentos.