texto traduzido e enviado pela leitora Cristina Mestre: |
"Os especialistas em marketing político de Vladimir Putin merecem palmas. Enganar a oposição de forma tão elegante, criar factos informativos para discussão de maneira tão eficaz, levar de forma tão bonita os melhores jornalistas do país a um beco sem saída – parabéns, bravo, Filip Denisovich Bobkov, criador e ideólogo do famoso “quinteto” do KGB, a contraespionagem ideológica, devo-lhes dar a nota máxima.
Ninguém daria atenção à resolução № 1902-р, assinada pessoalmente por Vladimir Putin sobre a atribuição do prémio do Governo de 2011 na área da comunicação social, se na lista de laureados pelo poder executivo não estivessem jornalistas para os quais a presidência de Putin se tornou uma luta constante pelo direito de cumprir o seu dever profissional.
Serguei Parkhomenko, logo depois de Putin ter chegado ao Kremlin, ficou sem a sua obra, a revista Itogui, que lhe foi simplesmente retirada. Irina Petrovskaia foi obrigada a sair de um jornal federal porque os seus artigos eram censurados: agora escreve para a Novaia Gazeta e vai compondo a sua própria lista de jornalistas mortos. Entre estes estão Iuri Chekochikhin, assassinado devido à investigação do negócio do FSB “Tri Kita”; Anna Politkovskaia, devido às reportagens e investigações das tragédias de Beslan, Dubrovka e Chechénia; Igor Domnikov, devido a artigos sobre o mundo do crime; Natalia Estemirova, sobre o horror da Chechénia; o advogado Stanislav Markelov e a jornalista Anastasia Baburova, sobre os
degenerados fascistas.
Todos eles foram assassinados não nos “selvagens anos 90” mas nos anos 2000, década da qual o chefe do Governo, Putin, tanto se orgulha.
Mikhail Beketov, director do Pravda de Khimki é outro dos laureados da resolução № 1902-р. Também o tentaram assassinar, tornaram-no deficiente a mando ou pelas mãos dos bandidos governamentais de Khimki, tal como não conseguiram matar, também em Khimki, o activista dos direitos civis Konstantin Fetissov: a Procuradoria da região de Moscovo em 2010 limitou-se a iniciar um inquérito à actividade do presidente da Câmara Municipal da cidade, Vladimir Strelchenko – e tudo terminou aí.
No que respeita à tentativa de assassinato quer de Mikhail Beketov, quer de Konstantin Fetissov nunca ninguém chegou a ser encontrado, nem acusado nem julgado, tal como diversas vezes a Novaia Gazeta escreveu. Com este milhão de rublos que Mikhail Beketov receberá pelo prémio, poderá tratar-se no estrangeiro durante um mês, dois meses ou, quem sabe, anos.
Os especialistas em marketing de Putin criaram no “tabuleiro político” uma tal situação de impasse em que qualquer lance, qualquer movimento dos seus oponentes, leva a um beco sem saída.
O que devem fazer os jornalistas “escolhidos” pelos “especialistas em iniciativas políticas”?
Deverão eles receber o prémio das mãos do sr. Volodin, no passado um dos líderes da Rússia Unida, actualmente um dos inspiradores da Frente Nacional e chefe do Gabinete do governo, que irá, a julgar pelos precedentes, a 13 de Janeiro, Dia da Imprensa, apertar a mão aos jornalistas colocados habitualmente na categoria de “oposicionistas”?
Será que estes devem receber o prémio e entrar na história, tal como cinco anos antes entraram os conhecidos dirigentes da comunicação social Viktor Lochak (Ogoniok) e Vitali Ignatenko (ITAR-TASS), galardoados “pelas significativas realizações profissionais” precisamente no mesmo ano (2006) em que mataram Ana Politkovskaia?
Aí é que os degenerados da Internet vão exultar: “parece que cada independência tem o seu preço – para uns basta uns cêntimos, para outros, um milhão…”
Recusar o prémio? Haverá colegas que não vão entender: “deste poder, qual ovelha inútil e ruim, fica-se com o que se pode”, outros dirão: “O poder faz propaganda dos seus próprios coveiros, para quê impedi-lo de o fazer?
Precedentes
Na nossa conturbada história já houve estas situações. Anna Andreeva Akhmatova, tentando salvar o filho da prisão, escreveu umas estrofes das quais depois se envergonhou:
“Viemos dizer que onde está Estaline, está a liberdade”. Ela tinha que tirar o filho do campo de concentração e não há limite de preço para salvar um filho.
Iuri Liubimov, salvando o seu teatro e a si próprio como encenador, emigrou com a bênção do general Bobkov. Os poetas Andrei Vosnessenski e Evgueni Evtuchenko, líderes dos intelectuais dos anos 60, criticavam o sistema mas também acabavam por escrever odes “aos trabalhadores das centrais hidroeléctricas”. Depois, tinham grossos livros editados e os cínicos diziam: “Têm que fazer pela vida”. Evtuchenko, pelo menos era sincero: “Eu sou tic-tac como os relógios, tanto toco para uns, como para outros”.
Mas também houve outros exemplos.
A dissidente religiosa Zoia Krakhmalnikova, autora das colectâneas “Esperança”, Valeria Novodvorskaia, líder da proibida União Democrática, juntamente com outros dissidentes, recusaram-se a escrever um pedido de clemência ao secretário-geral do Comité Central do PCUS: o preço eram meses de prisão e de desterro.
Um dos editores da revista dissidente clandestina “Poiski”, Valeri Abramkin, não “confessou” no tribunal, deram-lhe seis anos de prisão, ficou tuberculoso e toda a vida lamenta a doença do filho. O seu colega editor confessou e a pena foi menor - o desterro.
Em 1998, Aleksandr Soljenitsin recusou de forma veemente a ordem de Santo André com a qual o presidente Ieltsin o queria condecorar. Recusou com as seguintes palavras: “Não posso aceitar uma distinção de um poder que levou a Rússia a esta situação ruinosa”. Muitos criticaram-no, até mesmo o santo Dmitri Likhachov. Mesmo assim, Likhachov referiu que Soljenitsin “agiu de acordo com a sua consciência”.
Qual será hoje o “preço da consciência”? Parece que não é nenhum. Que preço paga Iuri Chevchug por ter feito aquela pergunta desagradável a Putin e por escrever “Estive ontem nos copos com um general do FSB”? Limitam-se a não o convidar para a televisão nem para festas ligadas ao Governo. O que aconteceu a Dmitri Bykov ou a Mikhail Efremov que não tiveram tempo de ir ao encontro com Putin? O que aconteceu ao blogger Rustem Adagamov, que considerou que não é adepto da Rússia Unida e, por isso, recusou o convite do seu líder, Dmitri Medvedev?
Fazer uma tal escolha é uma opção pessoal e quem a faz não precisa de conselheiros.
Este poder é estranho.
Objectivos
Mas para que precisam Putin e os seus marketólogos políticos de organizar este prémio? Entre as respostas óbvias está a acima referida “tecnologia” de Filip Bobkov. Ao organizar tournées pelo estrangeiro e ao ajudar a editar livros, ele dava discretamente a entender àqueles que continuavam a opor-se, àqueles que escolhiam entre a greve de fome e a morte, como fez Anatoli Marchenko, ou a emigração forçada, como tiveram que fazer Vladimir Bukovski, Aleksander Ginzburg e Aleksandr Soljenitsin, que existe um caminho mais “confortável”.
Entre as várias características descritas nas investigações sobre os regimes autoritários há uma que diz o seguinte: a principal diferença do sistema corporativo de governo, no qual todas as decisões são tomadas por um grupo limitado de pessoas, consiste na sua tendência maníaca de tentar incorporar em si todos os que são capazes de pensar de forma independente.
E se não incorporar, então mostrar aos dissidentes que, tarde ou cedo, todos estão prontos a colaborar na infâmia. O resto é simples, basta escolher a abordagem certa, os argumentos certos, permitir de alguma forma que mantenham a face. Quem pode aceitar isso acaba por se “integrar”, quem não pode – “não há morangos maiores e mais doces do que os que crescem nos cemitérios “- escreveu Marina Tsvetaeva.
O poder autoritário raramente é eficaz. Só numa coisa é eficaz: quando se trata de comprar a lealdade. A lealdade do povo compra-se com reformas, a dos funcionários – com acções em empresas, a dos polícias – dando-lhes o direito de ficar com a propriedade alheia.
Este poder tem uma certeza absoluta: que o homem é fraco e, no fundo, não se engana muito.
Original em russo publicado no jornal The New Times, a 07-11-2011
Autor: Evguenia Albats
2 comentários:
N.T
"A lealdade do povo compra-se com reformas" - a ideia é a seguinte:
"A lealdade do povo compra-se com aumentos de reformas"
Escrever Iuri em vez de Yuri ainda posso compreender, mas Chevchug em vez de Shevchuk já é demais…
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