Texto traduzido e enviado pelo leitor Pippo:
"09 de agosto de 2012 | 0900 GMT
Stratfor
Por Eugene Chausovsky
Desde 2010, a Ásia Central tornou-se cada vez mais volátil, e muitos atribuem a tendência ao aumento do islamismo militante. A militância tem de facto aumentado desde 2010, mas a noção de que os militantes islamitas são os principais responsáveis pela volatilidade da Ásia Central é um exemplo de miopía, porque ignora outras dinâmicas políticas e económicas em jogo na região.
Mas se essas dinâmicas, que não são produto dos jihadistas, inspiram grande parte da recente actividade militante da região, a iminente retirada dos EUA do Afeganistão em 2014 poderá colocar na Ásia Central em maior risco de islamismo militante no futuro. Combinado com mudanças de liderança em vários Estados da Ásia Central, a retirada pode complicar um já complexo cenário militante na região.
Militância Regional: final dos anos 1990 e início de 2000
A Ásia Central era uma região importante para a militância islâmica na década de 1990 e início de 2000. A região é predominantemente muçulmana, embora, como todas as práticas religiosas, o Islão fora reprimido durante a era soviética. Dada a secularização da região sob domínio soviético, muitos grupos e figuras religiosas, ou foram para a clandestinidade, ou praticaram a sua religião de forma mais ou menos aberta, na medida em que os soviéticos o permitiam. Estes grupos e indivíduos concentraram-se no Vale de Fergana, o núcleo demográfico da Ásia Central que abrange partes do Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão. Os islamistas eram particularmente prevalentes no Uzbequistão, que é sede de várias organizações religiosas e culturais importantes situadas em locais como Samarkanda e Bukhara.
Quando os países da Ásia Central conquistaram a sua independência na década de 1990, a religião começou a ser praticada de forma mais aberta, e os elementos islamitas que operavam à margem da sociedade usaram essa liberdade para se abrirem à sociedade. O ambiente islamista fortaleceu-se, da mesma forma que a capacidade dos novos regimes da Ásia Central para controlar e suprimir os movimentos islamistas enfraqueceu. Como resultado, alguns grupos islamitas começaram a apelar à criação de um califado regional regido pela Sharia.
Entre esses grupos estão o Movimento Islâmico do Uzbequistão e o Hizb al-Tahrir, os quais inspiraram-se nos Mujahideen afegãos que lutaram contra a União Soviética de 1979 até 1989. Apesar das suas semelhanças - ambos defendiam a expulsão do presidente uzbeque Islam Karimov - os dois grupos diferiram de maneira fundamental: considerando que o Movimento Islâmico do Uzbequistão usava a violência em prol da sua causa, o Hizb al-Tahrir não. Outros grupos, como o Akromiya, mais tarde adoptaram o uso da violência, tal como o Movimento Islâmico do Uzbequistão, ao mesmo tempo que defendiam a ideologia do Hizb al-Tahrir.
Karimov apertou o cerco contra esses grupos no início e meados da década de 1990, mas o Movimento Islâmico do Uzbequistão ganhou refúgio no Tadjiquistão, que foi devastado pela guerra civil de 1992 a 1997. Por causa do vácuo de poder resultante e a sua fronteira, muito porosa, com o Afeganistão, o Tadjiquistão tornou-se a principal base de operações para o Movimento Islâmico do Uzbequistão. No final dos anos 1990 e início de 2000, multiplicaram-se os ataques do grupo a partir do Tajiquistão, realizados no Vale Fergana e no sul do Quirguistão e Uzbequistão.
Em 2001, a invasão dos EUA no Afeganistão, um país cujo regime talibã ultra-conservador forneceu apoio ideológico e material a grupos islamitas na Ásia Central, reduziiu a actividade e ambições jihadista na Ásia Central. Com a ajuda do Exército dos EUA, incluindo as Forças de Operações Especiais norte-americanas, o Movimento Islâmico do Uzbequistão foi em grande parte expulso da Ásia Central, encontrando refúgio na zona da fronteira Afeganistão-Paquistão. Por sua parte, o Hizb al-Tahrir refugiou-se n a clandestinidade.
Os regimes da Ásia Central, especialmente o de Karimov, foram capazes de reprimir os militantes islamitas remanescentes. Os ataques islamitas tornaram-se mais raros ao longo da década seguinte, dado que os grupos militantes islamitas lutavam para sobreviver num Afeganistão ocupado pelas forças norte-americanas.
Militância Desde 2010
O ataques de militantes na região tornaram-se mais frequentes em junho de 2010, quando ecolodiram confrontos entre quirguizes e uzbeques no sul do Quirguistão, nas províncias do Vale de Fergana de Osh e Jalal-Abad. Como resultado, as autoridades do Quirguistão conduziram operações de segurança através de bairros predominantemente uzbeques sob o pretexto de os extirpar de suspeitos de militantância islâmica.
Na realidade, essas operações foram provavelmente dirigidas contra a etnia uzbeque. Muitos quirguizes suspeitam de etnia uzbeque no Quirguistão, que constitui uma parte substancial da população de Osh e Jalal-Abad. Assim, estas operações com vista a securizar estas zonas e a resistência armada resultante não se encaixam necessariamente nas reivindicações do extremismo religioso. Pelo contrário, a actividade militante pode estar relacionada com as tensões internas e as políticas entre quirguizes e uzbeques. Na verdade, estas tensões surgiram periodicamente desde o colapso da União Soviética.
Uma dinâmica semelhante pode ser vista no Tadjiquistão. Após a guerra civil do país, militantes islamitas conciliáveis, tal como os do Partido do Renascimento Islâmico do Tadjiquistão, foram incorporados no governo e nas forças de segurança, enquanto o Movimento Islâmico do Uzbequistão e outros elementos jihadistas foram suprimidos. A violência atingiu um pico no início de 2000, após o que Tadjiquistão experimentou uma década de relativa calma. No entanto, uma badalada fuga da prisão em Dushanbe em Agosto de 2010 interrompeu essa calma. Durante a fuga, cerca de 24 prisioneiros tidos como sendo ex-membros do Movimento Islâmico do Uzbequistão fugirm para o vale de Rasht, no leste do Tadjiquistão. Esta ocorrência originou operações de segurança no Vale de Rasht, o que resultou em ataques a comboios militares no Tadjiquistão - ataques esses que o governo tadjique atribuiu a militantes islamitas.
Estes “militantes” eram, muito mais provavelmente, indivíduos associados aos elementos da oposição da guerra civil no país, ao invés de militantes jihadistas. (O facto de terem fugido para o Leste é revelador: os habitantes das províncias orientais do Garm e Gorno-Badakhshan opunham-se aos indivíduos que chegaram ao poder nas províncias ocidentais de Leninabad e Kulyab.) A fuga da prisão pode ter levado - ou sido meramente um sintoma de - ao resurgimento da luta de poder entre clãs tadjiques, luta essa que era comum durante os primeiros anos de independência do país. Em si, a fuga da prisão pode não significar um ressurgimento jihadista.
De igual modo, as operações militares em torno de Gorno-Badakhshan podem ser vistas a uma luz semelhante. As forças de segurança foram mobilizadas para a região após as forças leais ao senhor da guerra e ex-líder da oposição Tolib Ayombekov supostamente terem morto um oficial superior da segurança da região. Provavelmente, contudo, Ayombekov não terá morto o oficial sob quaisquer motivações religiosas. Pelo contrário, são as alegadas ligações de Ayombekov com as lucrativas redes de contrabando regionais, bem como sua resistência ao regime de Rakhmon Emomali, o que levou à realização das operações de segurança e, finalmente, à morte do referido oficial. Tal como a militância no Quirguistão, grande parte da militância do Tadjiquistão é provavelmente mais o resultado de rivalidades políticas e étnicas do que do extremismo religioso.
Da mesma forma, o Cazaquistão desafia a teoria de que está proliferando militância islâmica na região. Dada a sua separação geográfica do Vale de Fergana e uma sociedade comparativamente menos religiosa, o Cazaquistão não teve militância islâmica na década de 1990 e 2000. No entanto, em 2011, o Cazaquistão assistiu, pela primeira vez na sua História moderna, a ataques de militantes islamitas. Que os ataques tenham sido realizados usando táticas diferentes por todo o país, incluindo Almaty, Atyrau e Taraz, é algo particularmente anómalo.
O governo cazaque culpou militantes islamitas e grupos de propaganda religiosa que alegadamente circulam por todo o País. No entanto, o timing desses ataques é curioso, porque eles ocorreram a meio a uma batalha política crescente acerca da sucessão a longo prazo do presidente do país, Nursultan Nazarbayev. Conclui-se que esses ataques poderiam ter sido menos inspirado pelo radicalismo islamita, o que tem sido pouco evidente no Cazaquistão durante os últimos 20 anos, e mais pela luta de poder entre diversos actores que buscam posicionar-se para a sucessão de Nazarbayev.
Notavelmente, um grupo jihadista chamado “Os Soldados do Califado” assumiu a responsabilidade por alguns dos ataques, incluindo os atentados de Outubro de 2011 em Atyrau. As reivindicações sugerem que há uma genuína ameaça de militantes islamitas no Cazaquistão. No entanto, o grupo era desconhecido até 2011, e há pouca informação sobre os seus membros e de liderança.
Mais recentemente, o Uzbequistão e o Turcomenistão têm assistido a menos ataques e a registos de actividade militante. Isto sugere que as respectivas situações internas são relativamente estáveis e que os seus governos já estão seguros o suficiente para não terem que usar o radicalismo islamita para justificar a repressão de segurança.
Enquanto isso é provavelmente verdade para o Turquemenistão, a situação é menos clara no que diz respeito ao Uzbequistão, que tem sido mais estável do que seus vizinhos do Vale de Fergana. No entanto, o Uzbequistão testemunhou uma explosão numa linha férrea, perto da fronteira tadjik em Novembro de 2011. O governo classificou o incidente um ataque terrorista. Dado que a explosão ocorreu numa área remota com pouco significado estratégico, muitos especularam que o foi o Governo uzbeque quem realizou esse ataque para impedir o tráfego de mercadorias de e para o Tadjiquistão, com o qual Tashkent ja teve várias disputas.
Enquanto isso, o Uzbequistão está passando por uma luta de sucessão, o que poderá resultar em instabilidade política. Com efeito, recentemente tem havido relatos de protestos no Vale de Fergana, na província de Andijan, o local de uma operação de segurança em 2005 que matou centenas de pessoas. Neste caso, mais uma vez, o governo culpou o Movimento Islâmico do Uzbequistão e militantes islamitas. No entanto, assim como no Quirguistão e Tadjiquistão, iste foi, mais provavelmente, o resultado de lutas de poder dentro do país.
Ressurgimento potencial
Como a dinâmica e as circunstâncias nos países da Ásia Central sugerem, muitas vezes, é do interesse do governo referir-se a qualquer actividade militante como sendo islamita. Se o fizer, tal sugere que essa é uma actividade política transnacional, ao invés de se limitar a elementos indígenas, havendo assim uma desculpa para se acabar com esses elementos.
Claro, grupos e elementos jihadistas existem na Ásia Central, mas há indícios de que uma parte substancial dos elementos jihadistas mais importantes foram em grande parte eliminados, marginalizados ou empurrados para dentro do teatro Afeganistão-Paquistão. No entanto, a retirada dos EUA do Afeganistão poderá provocar um ressurgimento jihadista na região. O vácuo de segurança criado pela saída do pessoal dos EUA e da Força Internacional de Assistência também poderá desestabilizar o Afeganistão, ao mesmo tempo que várias forças internas competem para preencher o vazio.
Devido à proximidade da Ásia Central com o Afeganistão e com a fronteira porosa e mal vigiada entre o Afeganistão e o Tadjiquistão, há certamente potencial para a violência e instabilidade transbordarem. Particularmente preocupante para os regimes da Ásia Central são os militantes islamitas na zona da fronteira Afeganistão-Paquistão que, sobrevivendo à guerra, tornaram-se endurecidos veteranos da guerra contra as forças ocidentais. No entanto, há relatos de que Abu Usman Adil, o líder do Movimento Islâmico do Uzbequistão, foi morto a 4 de Agosto por aviões remotamente tripulados no Paquistão, sugerindo que o grupo pode estar lutando pela sobrevivência, mesmo na área entre o Afeganistão eo Paquistão.
O grau em que elementos e militantes islamitas poderão tornar-se activos na Ásia Central dependerá da retirada dos EUA e do estado em que se encontrar o Movimento Islâmico do Uzbequistão. Até então, todos os desenvolvimentos na frente militante na região precisam ser analisados no contexto das dinâmicas internas de poder e as lutas políticas de cada país, para além do ângulo islamita. É somente nesse contexto que as motivações subjacentes aos ataques e aos actores militantes da Ásia Central podem realmente ser determinadas e previstas.
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