quarta-feira, setembro 04, 2013

Livro de José Milhazes refere falta de autonomia de Cunhal face a Moscovo



Texto de Pedro Sousa Pereira publicado na Lusa: 
 
"O livro do historiador José Milhazes “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril” publica documentos sobre a “falta de autonomia” do PCP face a Moscovo, os financiamentos e a forma como a URSS “impediu” a revolução portuguesa.
“Estamos na época do Acordo de Helsínquia, assinado em agosto de 1975, e a União Soviética não queria que Portugal fosse um motivo para que falhasse a reunião de Helsínquia e que fosse posta em causa a política de desarmamento e de desanuviamento que então tinha lugar”, disse à Lusa José Milhazes, que apresenta, no próximo dia 13, o livro “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril”.
O livro inclui documentação soviética, depoimentos de protagonistas e testemunhos sobre as relações entre o PCP e Moscovo e o papel da URSS durante o processo revolucionário português.
“Os soviéticos compreendiam que, se os comunistas tentassem tomar o poder em Portugal, a NATO e os Estados Unidos iriam reagir e Portugal iria mergulhar numa guerra civil bastante sangrenta”, acrescenta Milhazes, sublinhando que o então secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal (1913-2005), não dispunha de independência política em relação ao Kremlin, o que “impediu” qualquer ação dos comunistas portugueses no 25 de Novembro de 1975.
“Eu penso que publico elementos suficientes para provar que Álvaro Cunhal não era um político autónomo. Antes de tomar uma decisão importante, Cunhal ‘aconselhava-se’. Ou seja, pedia autorização aos soviéticos. Há uma declaração de um ex-agente do KGB que falou com Cunhal depois de 1975 em que Cunhal reconhece essa ideia - de que o PCP não era autónomo”, explica o correspondente da Lusa em Moscovo.
"Há efetivamente documentos que permitem ver que o 25 de Novembro terminou como terminou, o PCP não recorre às armas porque foi terminantemente proibido pela União Soviética", explica, sublinhando a dependência política do então secretário-geral do partido em relação ao Kremlin.
“Cunhal nunca criticou Moscovo. Não existe uma crítica em relação à política do Partido Comunista da União Soviética. Seja na questão da Checoslováquia, seja na questão da Polónia. Além disso, e no livro isso também fica claro, o PCP recebia grandes financiamentos dos soviéticos, que investiam dinheiro em preparação de quadros, em fornecimento de tecnologia de segurança e espionagem ao PCP. Eram formas de Moscovo pagar pela fidelidade do PCP”, afirma Milhazes.
De acordo com depoimentos e documentos publicados pelo historiador, o PCP recebeu dinheiro da União Soviética para vários fins, como por exemplo, organizar na Península Ibéria campanhas contra a energia nuclear.
“Mandavam dinheiro e os comunistas portugueses organizavam manifestações de protesto”, refere Milhazes, que sublinha que o PCP não era a única organização política que recebia fundos de Moscovo após o 25 de Abril.
“O Movimento Democrático Português (MDP-CDE) também estava entre os beneficiários. Pelo menos uma vez, em março de 1978, o movimento dirigido então por José Tengarrinha recebeu 25 mil dólares, e também por intermédio de Octávio Pato”, escreve Milhazes no livro (página 117), referindo-se ao papel do antigo candidato presidencial do PCP, e membro do Comité Central, como o dirigente “que recebia as doações soviéticas” em Lisboa.
Os comunistas portugueses continuaram a receber dinheiro soviético mesmo quando "já não escondiam" as críticas ao último secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, que assinou a ordem de dissolução do PCUS em 1991.
“Nesse ano, o PCP recebeu 700 mil dólares em três tranches. A primeira prestação, datada de 19 de janeiro, foi no valor de 350 mil dólares”, refere o livro “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril” (página 116), que cita igualmente documentação do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) sobre o financiamento de Moscovo aos partidos comunistas em vários países.
“A política soviética em relação ao PCP neste campo correspondia perfeitamente ao provérbio russo: ‘Quem paga encomenda a música’”, escreve o historiador e jornalista português residente em Moscovo desde os anos 1970.
Além da questão do financiamento, o autor do livro pretende também apresentar provas de que parte do arquivo da PIDE-DGS foi levado para Moscovo, "numa operação conjunta" dos serviços secretos soviéticos e do Partido Comunista Português.
“Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril – Como a União Soviética não quis a revolução socialista em Portugal”, de José Milhazes (Editora D. Quixote, 205 páginas) é apresentado na Póvoa de Varzim no dia 13 e no dia 24 em Lisboa".

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