domingo, fevereiro 02, 2014

Na Ucrânia, fascistas, oligarcas e a expansão ocidental estão no centro da crise



Texto traduzido e enviado pelo leitor Pippo
Seumas Milne, The Guardian, 29Jan 2014


Já aqui estivemos. Estes últimos dois meses de protestos de rua na Ucrânia têm sido retransmitidos através dos meios de comunicação ocidentais de acordo com um roteiro bem planeado . Os activistas pro -democracia estão a lutar contra um governo autoritário . Os manifestantes estão a exigir o direito de fazer parte da União Europeia. Mas o presidente da Rússia , Vladimir Putin, vetou a sua hipótese de alcançarem a liberdade e a prosperidade.

É uma história que já ouvimos, de uma forma ou de outra, uma e outra vez - pelo menos relativamente à Revolução Laranja da Ucrânia apoiada pelo Ocidente , há uma década. Mas a presente situação tem apenas uma relação muito estreita com a realidade. A adesão à União Europeia nunca  foi uma possibilidade que estivesse - e muito provavelmente nunca estará – sobre a mesa relativamente à Ucrânia. Como no Egipto no ano passado , o presidente cujos manifestantes querem forçar a saída foi eleito numa votação considerada justa por observadores internacionais. E muitos dos que estão nas ruas não estão de todo muito interessados em democracia.

Vocês nunca saberiam por via da maiorra das reportagens que os nacionalistas e fascistas de extrema direita têm estado no centro dos protestos e ataques a prédios do governo. Um dos três principais partidos de oposição que dirigem a campanha é o partido de extrema- direita e anti-semita Svoboda , cujo líder, Oleh Tyahnybok, afirma que uma "máfia judaico-moscovita " controla a Ucrânia. Mas o senador dos EUA John McCain estava feliz em compartilhar um palco com ele em Kiev no mês passado. O partido, agora a governar a cidade de Lviv, liderou, no início deste mês, uma marcha de 15.000 pessoas com tochas em memória do líder fascista ucraniano Stepan Bandera, cujas forças lutaram com os nazis na Segunda Guerra Mundial e participou em massacres de judeus .

Eis então que, na semana em que a libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho está a ser comemorada como o Dia Memorial do Holocausto, os defensores daqueles que ajudaram a levar a cabo o genocídio são saudados pelos políticos ocidentais nas ruas da Ucrânia. Mas o Svoboda foi agora ultrapassado nos protestos por grupos ainda mais extremistas tais como o "Pravy Sektor " , que exigem uma "revolução nacional" e ameaçam iniciar uma "guerra de guerrilha prolongada " .

Não é que lhes reste muito tempo para resistir aos avanços da UE , que tem pressionado a Ucrânia a assinar um acordo de associação e que oferece empréstimos para combater a austeridade, como parte de uma iniciativa liderada pela Alemanha para abrir a Ucrânia às empresas ocidentais. Foi o abandono da opção da UE por parte de Viktor Yanukovych - depois de Putin lhe ter oferecido 15 bilhões de dólares de resgate - que desencadeou os protestos.

Mas os ucranianos estão profundamente divididos quer sobre a integração europeia, quer sobre os protestos – divisão essa feita, em grande parte, ao longo de um eixo que tem a língua russa em grande parte do leste e sul da Ucrânia (onde o Partido Comunista ainda tem um apoio significativo ), e o oeste tradicionalmente nacionalista. A indústria, que se localiza no leste e é dependente de mercados da Rússia, seria esmagado pela concorrência da UE.

É esta fractura histórica no coração da Ucrânia que o Ocidente tem vindo a tentar explorar para reverter a influência russa desde a década de 1990, incluindo uma tentativa concertada para incluir a Ucrânia na NATO . Os líderes da Revolução Laranja foram incentivados a enviar tropas ucranianas para o Iraque e o Afeganistão como “adoçante”.

A expansão da NATO para o leste foi interrompido pela guerra russo-georgiana de 2008 e a posterior eleição de Yanukovych numa plataforma de não-alinhamento . Mas qualquer dúvida de que os esforços da UE para atrair a Ucrânia estão intimamente ligados à estratégia militar ocidental foi dissipada hoje pelo secretário-geral da NATO , Anders Fogh Rasmussen , que declarou que o pacto ora abortado com a Ucrânia teria sido "um grande impulso para a segurança euro-atlântica".

O que ajuda a explicar porque é que políticos como John Kerry e William Hague tenham tão feroz a condenar a violência policial ucraniana - que já deixou vários mortos - enquanto mantém uma judiciosa contenção face ao assassinato de milhares de manifestantes no Egito, desde o golpe militar do ano passado.

Não é que Yanukovych possa ser tido por progressista. Ele foi fortemente apoiado pelos multimilionários oligarcas que tomaram o controle dos recursos e das empresas privatizadas após o colapso da União Soviética - e financiam simultâneamente os políticos da oposição e os manifestantes. De facto, uma interpretação dos problemas do presidente ucraniano é que os oligarcas estabelecidos estão fartos dos favores concedidos a um grupo em ascenção conhecido como "a família".

É raiva face a esta corrupção grotesca e à desigualdade, a estagnação económica da Ucrânia e a pobreza, que tem levado muitos ucranianos comuns a se juntar aos protestos, bem como indignação face à brutalidade policial. Como a Rússia, a Ucrânia foi empobrecida pela terapia de choque neoliberal e pelas privatizações em massa dos anos pós-soviéticos. Em cinco anos o país perdeu mais de metade dos seus rendimentos e ainda tem muito por recuperar.

Mas nem os principais líderes da oposição e de protesto oferecem qualquer tipo de alternativa genuína , como não apresentam qualquer tipo de desafio para a oligarquia que tem a Ucrânia nas suas garras . Yanukovych já fez amplas concessões aos manifestantes : demitir o primeiro-ministro , convidar os líderes da oposição para participar do governo e abolição das leis anti- protesto aprovadas no início deste mês .

Se isso acalma ou alimenta a inquietação é algo que ficará claro em breve. Mas o risco de o conflito se espalhar – as principais figuras políticas têm advertido para a possibilidade de uma guerra civil - é sério. Há outros passos que podem ajudar a resolver a crise : a criação de uma ampla coligação de governo , um referendo sobre as relações da UE , a passagem de um sistema presidencial para um sistema parlamentar e uma maior autonomia regional.

A cisão da Ucrânia não é um assunto puramente ucraniano. Juntamente com o emergente desafio chinês à dominação do Leste da Ásia por parte dos EUA, a linha de fractura ucraniana tem o potencial de atrair poderes externos e levar a um confronto estratégico. Somente os ucranianos poderão superar esta crise. A continuação da interferência externa é tão provocante quanto perigosa.


6 comentários:

Fernando Negro disse...

Mais de uma semana depois do canal de notícias mais visto no YouTube ter denunciado a componente fascista destas manifestações, lá vem o britânico The Guardian, para não "perder a face", denunciar o que as pessoas que consultam os média alternativos já sabem...

Falta denunciar que estes manifestantes são financiados pela rede "Open Society Institute" do norte-americano George Soros, que anda a desestabilizar tudo o que são regimes não alinhados com o Ocidente - e também que estes manifestantes colaboram de perto com ONG financiadas pela União Europeia.

Falta denunciar que estes manifestantes, mais do que ocupar, andam aos tiros dentro dos ministérios ucranianos e que reivindicam até assassinatos de polícias.

E, tudo com a conivência do mui "democrático" Ocidente, que não deixa de apoiar tais manifestantes por causa disto e que apenas se queixa da violência policial.

Ora, porque razão não denuncia o britânico The Guardian também isto?

Será que é porque está às ordens do tipo de pessoas que frequentam as mesmas reuniões secretas que o Sr. George Soros?

Anónimo disse...

Obrigado por apresentar esse ponto que a maioria dos meios de mídia do meu país fizeram questão de ignorar.

Fernando Negro disse...

E, reparem na hipocrisia dos líderes ocidentais, quando se queixam da violência policial...

Mas, alguma vez, num país do Ocidente, é permitido às pessoas andar a ocupar ministérios, montar barricadas na principal praça de uma capital (de onde, repetidamente, se vai atacando a polícia, com bulldozers, catapultas e fisgas gigantes) e é permitido às pessoas andar a lançar tantos cocktails molotov* às ditas forças de segurança?

Como reage, e reagiria, a polícia, nos EUA e nos vários países da UE, a tanta violência por parte de manifestantes? Com apenas uma fracção da ucraniana?

(E, não me venham dizer que os actos de repressão no Ocidente - e em reposta a coisas muito menores - não causam também ocasionalmente mortes...)

---
* (http://www.youtube.com/watch?v=wEKviJYIlJ4, http://www.youtube.com/watch?v=CUSrvnNLMlg)

Fernando Negro disse...

Mas, oh... Vejam a RTP e afins, para saberem no que realmente se devem concentrar, relativamente a tudo isto...

Não seria tão bom, para os imigrantes ucranianos, que o seu país aderisse à UE - e que, graças à maior facilidade de circulação, se pudessem aproximar mais as suas famílias?

Pippo disse...

Pois, a adesão da Ucrânia à UE visa, precisamente, permitir aos imigrantes ucranianos aproximarem-se mais das suas famílias!

Não visa, como é óbvio, abrir as portas da Ucrânia às transmissões intracomunitárias provenientes da Alemanha, nem a destruição do tecido industrial ucraniano (concentrado - curioso! - no Leste), nem tornar a Ucrânia num vasto Lebensraum para os nossos amigos berlinenes, que continuam a encher os bolsos no meio desta crise toda (Quem diria! Até parece que são os únicos que ficaram com as indústrias intactas, ao contrário de certos países que eu cá sei...).

Fernando Negro disse...

É isso mesmo, quanto ao seu tecido industrial...

Caso consigam os líderes europeus, através dos seus grupos-fantohe na Ucrânia, fazer com que este país adira à UE, o verdadeiro objectivo será fazer à economia da Ucrânia o mesmo que está já a ser feito a grande parte das economias europeias - que é destruir a mesma.

Mais do que isto, a Ucrânia, devido à sua imensa proximidade e grande fronteira comum com a Rússia, é um óptimo sítio onde colocar tropas da OTAN, prontas para atacar a Rússia, quando a altura mais conveniente chegar.