segunda-feira, fevereiro 03, 2014

O Futuro da Ucrânia (também) é o Futuro da Europa


Texto enviado por Joãoo Gil Freitas: 

A partir de Portugal, a vários milhares de quilómetros de Kiev, o problema ucraniano parece pequeno, longínquo, reduzido a uma sucessão de imagens que comodamente recebemos todas as noites pelo Telejornal. Mais uma entre as múltiplas tormentas que por estes dias aflige tantos seres humanos, vítimas da pobreza, da guerra e das convulsões políticas e sociais dos seus países. À hora do Telejornal, Kiev podia ser outra cidade qualquer, de outro país qualquer, de um dos muitos onde o povo clama por respeito e luta pelas liberdades mais básicas.
Como portugueses, mas sobretudo como europeus, devíamos olhar o problema ucraniano com um pouco mais de detença. Abrir os olhos para o mundo, percebê-lo, abordar criticamente um fenómeno social desta envergadura é importante para perceber o actual quadro europeu, as suas prioridades e o que permanece por melhorar no projecto europeu. Adianto aqui uma hipótese relativamente simples: a postura da UE face ao momento político ucraniano é reveladora das mais básicas incongruências e insuficiências da actual UE, que muitos europeus facilmente identificariam noutras áreas, porventura mais mediáticas.
A luta nas ruas de Kiev não são lutas de Telejornal. É uma luta pelo futuro do povo ucraniano e uma luta pelo futuro de uma Europa que, em determinado momento da sua História, soube estar à altura dos acontecimentos e construir um projecto político solidário, duradouro e inclusivo. Hoje, em 2014, a grande luta pelo futuro deste projecto não está nos corredores de Bruxelas, nem em nenhuma chancelaria de um qualquer dos seus Estados-membros. Está a travada, todos os dias, a sangue suor e lágrimas, nas ruas de uma distante capital, do outro lado do continente, fora da zona de conforto da UE. No meio da famigerada crise em que a Europa mergulhou, seria dificilmente imaginável que uma luta popular evocadora da Europa e das suas liberdades teria lugar em pleno continente. Porém, essa é a improvável realidade.
Kiev é, neste momento, o único farol de esperança de um projecto político moribundo, torpe, mas ainda cheio de potencial. Para espanto de muitos, há ainda quem acalente o sonho de integrar esta União, ainda há quem queira para o seu país um destino europeu, há ainda quem olhe para a UE como uma zona de liberdade e prosperidade sem paralelo. No ano em que se celebram vinte e cinco anos da queda do muro de Berlim, é difícil não estabelecer uma ligação umbilical entre 1989 e 2014. Se 1989 marcou o início do fim da ordem mundial do pós-guerra, 2014 vem relembrar-nos que as ondas de choque resultantes dessa ruptura geopolítica ainda hoje se fazem sentir. A luta travada pelos manifestantes da praça (Euro)Maidan é nada menos que uma luta contra os resquícios da herança soviética, contra um sistema político opaco, centralizador, dirigista e oligarca, que as novas gerações identificam como o principal entrave ao desenvolvimento do país. O primitivo estádio de desenvolvimento da Ucrânia não permite outro tipo de acção ao seu povo, que vem sistematicamente assistindo ao gorar das mais elementares e legítimas expectativas. Os canais democráticos parecem esgotados.
A multi-vectorialidade da política externa ucraniana, religiosamente seguida desde a independência, está mais pensada para a sobrevivência do país do que para a prossecução de objectivos claros e inequívocos, e para a adaptação às diferentes realidades internacionais. Daqui resulta uma desadequação congénita entre a política externa do país e eventuais benefícios, que de uma forma mais ou menos implícita se vão afigurando como escolhas lógicas.
Num país com uma democracia incipiente mas inevitavelmente exposto ao modelo social e de desenvolvimento europeu, a Ucrânia sofre o peso interno da contestação e do cansaço da sociedade civil. Esta, a par com importantes sectores políticos e económicos do país, consciencializou-se por fim de que apenas uma ruptura com o perfil da típica liderança pós-soviética pode assegurar as condições mínimas para o desenvolvimento harmonioso futuro do país. Yanukovich teve a sua oportunidade como Presidente legítimo mas desaproveitou-a. É agora identificado como o rosto do passado e, por consequência, do descontentamento. O nível de contestação não oferece dúvidas, atingindo níveis surpreendentes, mesmo em pontos do país tradicionalmente alinhados com lideranças pró-russas. Desde que o Presidente gorou as expectativas dos seus concidadãos ao recuar na assinatura do Acordo de Associação com a UE, que a Ucrânia é um país em ebulição e em stand-by político. O povo sabe que o que está em causa não é a mera assinatura de um documento: é antes uma escolha colectiva consciente que deveria independer da vontade e dos interesses imediatos da cúpula reinante do país.
Atendendo à violência dos protestos e à sequência quase ininterrupta dos mesmos, e apesar da ligação umbilical que ainda prevalece, Ucrânia e Rússia são diferentes, e a dimensão dos protestos provam-no. Os maus indicadores económicos e a corrupção endémica são factos indesmentíveis, mas os ucranianos têm gozado de um aceitável nível de liberdade de expressão e de um acesso relativamente livre a uma pluralidade de pontos de vista. Isto permite-lhes hoje encarar a luta contra a actual liderança política com força e unidade suficientes para fazer abalar não só os seus alicerces, mas os da própria organização do estado.
Esta força, que mostrou ser indomável e imprevisível, traz consigo os ventos da História recente do continente europeu. Para estupefação do mundo, há vinte e cinco anos, os velhos sistemas comunistas ruíam sem sobreaviso. A queda do comunismo deu origem a uma onda de democratização que reconciliaria a Europa consigo mesma, mas deixou resquícios que falta ultrapassar. Hoje, é travada a luta contra um dos mais difíceis. Sabendo de antemão que o desfecho do problema ucraniano influenciará de sobremaneira a correlação futura de poderes no continente, torna-se urgente evocar a memória recente e estar à altura dos acontecimentos.

8 comentários:

Pippo disse...

Este texto padece de algumas falácias que é necessário esclarecer.

1 - Nunca a Europa, em qualquer momento da sua História, construiu um "projecto político solidário, duradouro e inclusivo". A Europa sempre foi palco de rivalidades, de projectos de união por via dinástica ou por vi da força, E o único momnto em que poderemos dizer que parte - repito, parte - da Europa manifestou construir um projecto "solidário, duradouro e inclusivo" foi com a criação da CECA (para permitir a reconstrução da Europa Ocidental devastada pela guerra e para gerar empregos e dar comida às populações afectadas) e, acto contínuo, com a CEE e a UE. Mas UE não é a Europa, e isso deve ficar muito bem esclarecido.

2 - Os distúrbios na Ucrânia afectam sobretudo a metade ocidental do país, com focos esporádicos um pouco mais a leste mas ausentes, por exemplo, na Crimeia. Logo, não é líquido que se trate de uma luta "do povo ucraniano" mas sim da luta de uma parcela do povo ucraniano, nomeadamente daquela que não fala russo e que alimenta uma certa, quando não mesmo compoleta russofobia. E quais são os elementos mais activos desses manifestantes? Como já é sabido, tratam-se de elementos extremistas, nacionalistas (no mau sentido do termo), quando não mesmo anti-semitas e neo-nazis. Isso já aqui foi divulgado.
Será que é nesta gente que reside "o único farol de esperança de um projecto político moribundo"?

3 - Poderá ser má interpretação minha mas outra falácia que parece estar subentendida nestas linhas é que as manifestações são pela "liberdade" (consubstanciada numa aproximação à UE) e contra os "resquícios do comunismo", o tal sistema político "opaco, centralizador, dirigista e oligarca". Contudo, não há qualquer ligação entre estas realidades: estes manifestantes, para além dos neo-nazis e afins, são os mesmos que apoiaram Yulia Timoschenko e Viktor Yanukovych os quais são um fraco exemplo de dirigentes democratas e competentes (para ser simpático); e não é por se pertencer à UE que que adquirem mais liberdades, aliás, países que não pertencem à UE ou cuja adesão é relativamente recente (caso dos países escandinavos ou da Islândia) têm um registo democrático de fazer inveja a outros com um historial comunitário mais antigo (por exemplo, o nosso, que é "opaco, centralizador, ultra-liberal e oligarca".

Por fim, resta dizer que interessa mais à UE o acesso aos mercados da Ucrânia do que a esta aderir à UE. É que não só a moribunda UE precisa de se expandir territorialmente para justificar a sua existência como, em termos económicos, a entrada de um novo país pronto a ser explorado é de toda a conveniência para os grandes produtores da União.

Fernando Negro disse...

Perante um texto tão vazio de conteúdo, a única coisa que tenho mesmo a dizer é que, acho que devo chamar a atenção de todos para isto:

http://rt.com/news/eu-trolls-election-monitoring-348/

Pippo disse...

Gostei, Fernando.

De facto, o texto insere-se bem nessa estratégia. Mas é capaz de ser uma mera coincidência...

Fernando Negro disse...

:))))))))

João Gil Freitas disse...

Caro Pippo,

1-Em nenhuma parte do meu texto se confunde Europa com UE.

2-Tem toda a razão, a parte ocidental do país é sem dúvida a mais revoltosa, mas há focos de revolta e insatisfação em todo o país, a um nível para lá do esperado. E veja o que tem acontecido ao partido do Presidente. Diga o que disser, a dimensão desta luta está a ganhar contornos nacionais. De resto, é natural que a mobilização seja encabeçada por partidos políticos organizados, mas a espontaneidade da reacção vai para além dos partidos. Quem ler o que o Pippo escreve sem a devida informação, pensa que todos aqueles milhares de pessoas em Kiev durante estes dois meses são todos perigosos extremistas. Pelo seu raciocínio, daquilo que a Ucrânia mais precisa não é de desenvolvimento nem de liberdades, é de prisões.

3-É claramente má interpretação sua. O mundo não é um mar de rosas, nem a escolha europeia da Ucrânia o é. A política é a arte do possível. E quanto à exploração económica, obviamente que nunca passaria pela cabeça do Kremlin fazer semelhante.

Pippo disse...

Caro João:

1 - Se em nenhuma parte do seu texto se confunde Europa com UE, explique-me então, por favor, frases e expressões tais como "projecto europeu" (qual?), "uma Europa que, em determinado momento da sua História, soube estar à altura dos acontecimentos e construir um projecto político solidário, duradouro e inclusivo" (qual? Quando?). Explique-me também, já que "não confunde Europa com UE", porque é que logo a seguir refere que "Hoje, em 2014, a grande luta pelo futuro deste projecto [europeu, recordo-lhe] não está nos corredores de Bruxelas, nem em nenhuma chancelaria de um qualquer dos seus Estados-membros".
Não conhecendo eu quaisquer "Estados-membros" da "Europa" (mas conhecendo eu uma porção de "Estados-membros" da "UE"), gostaria então que me clarificasse onde é que "em nenhuma parte do seu texto se confunde Europa com UE".

2 - Qual era o nível "para lá do esperado" dos "focos" de instabilidade a Leste? E em que lugar disse eu que todos os manifestantes são perigosos extremistas? O que eu disse, e recomendo que releia o que eu escrevi com mais atenção, é que "os elementos mais activos desses manifestantes [são] elementos extremistas, nacionalistas (no mau sentido do termo), quando não mesmo anti-semitas e neo-nazis". A não ser que tenha dados que desmintam esta minha afirmação (e ambos sabemos que não os tem, pois isto é a verdade!), a questão fica esclarecida. Contudo, parece-me, pelas suas palavras, que a solução nunca poderá passar por prender estes extremistas mas sim dar-lhes o poder e já agora, porque não, trazer uma Ucrânia nacionalista e russófoba para o seio da "Europa", perdão, UE.

3 - Fico esclarecido quanto à minha má interpretação. É que, à primeira vista, até parece que o João acha que a Ucrânia tem de lutar pela sua "liberdade", passando esta luta pelo acesso óbvio à "Europa", perdão, UE. E até acrescentaria que essa "luta pela liberdade" contra os "resquícios do comunismo" afecta de tal modo a Europa (ou será a UE?) que todos temos de estar focados para ver onde temos de "melhorar" o tal "projecto europeu" (que afinal é da UE).
E concluindo, não sei se a Moscovo passa pela cabeça explorar economicamente a Ucrânia. O que eu sei é que a Bruxelas (salvo seja) passou pela cabeça explorar uma série de países europeus...

João Gil Freitas disse...

Caro Pippo,

1-É comum a referência como “projecto europeu” ao projecto político da organização política de carácter supra e inter governamental que é a União Europeia. Pode encontrar este tipo de referência em numerosíssimas fontes. De resto, não vou discutir aqui os méritos da UE nem a sua história. Em relação à luta que referi, mantenho o que disse: na minha perspectiva (pessoal naturalmente), neste momento a luta política na Ucrânia demonstra que ainda há quem olhe para o actual projecto europeu como algo de positivo. Não digo que morram de amores por ele, nem que sejam europeístas convictos, nem mais papistas que o Papa. Mas certamente que a UE funciona como um dos catalisadores dessa esperança. As pessoas precisam de algo por que lutar, alguma referência. A UE é modelo, um quadro de referência valorativo, entende? No caso da Ucrânia, essa não será por certo referência única, mas a democracia, a liberdade, o desenvolvimento económico, um Estado mais aberto e menos nepotista e corrupto, com uma mais justa distribuição dos recursos. A UE pode vir a ser um meio para tal (possivelmente um entre vários até), não um fim em si mesmo.

2-Não faço futurologia, Pippo. Não sei qual poderá se o resultado das próximas eleições na Ucrânia. Sei que há episódios de violência e de protestos excessivos na Ucrânia, que creio que é de lamentar. Mas que saiba nem o Batkivshchyna nem o UDAR são partidos radicais (quer dizer, talvez o sejam pelos seus padrões). Haverá extremistas de direita lá no meio com certeza, há inclusivamente um partido radical, mas faço votos para que o poder não caia neles. Em situações de protesto deste nível é natural haver aproveitamentos por parte dessas forças, não há nada de anormal aqui, há muitos países com facções de natureza semelhante, com propensão para a violência.

3-Coisa que não falta a esta UE é por onde melhorar. Eu próprio não classifiquei com superlativos positivos a UE naquilo que escrevi, acho que isso ficou claro.

Anónimo disse...

Senhor João Gil Freitas.

Tamanha preocupação com aquilo que se passa em Kiev?

Aos Turcos já é legitimo serem brutalmente escorraçados das praças de Istambul e de outras cidades?

Será que a brutalidade com que os manifestantes Espanhois foram desalojados das ruas de Madrid não merecem ser criticadas?

A forma selvatica como foram tratados os okupas em Nova Iorque não deviam também merecer o mesmo repudio por parte daqueles que se solidarizam com os manifestantes Ucranianos?


É muito estranha a sua comoção para com as manifestações violentas dos Ucranianos, sabendo-se que todos aqueles que mencionei participavam em protestos pacificos.


Senhor João Gil não precisa mostrar de onde vem e para onde pretende ir.


Sabemos muito bem que só geograficamente é Português, a sua mente está noutro lado, o seu cérebro já foi colonizado e responde total e absolutamente aos interesses da mais fundamentalista, perigosa e letal das nações.

Não é necessário mencionar o nome?