“Não
há fome que não traga fartura”. Parece-me que este provérbio
português define a actual situação existente na Ucrânia. Num país
abalado e quase despedaçado pela instabilidade política, 46
cidadãos pretendiam candidatar-se ao cargo de Presidente da Ucrânia.
As
presidenciais realizam-se a 25 de Maio.
A
Comissão Eleitoral Central decidiu aceitar 16 candidatos (em prol da
verdade, deve ser dito que nas eleições presidenciais de 2010
participaram 18), mas ainda pode afastar da corrida alguns até ao
dia 4 de Abril.
Porém,
aqueles com reais capacidades de virem a ser eleitos são dois: a
nossa já conhecida Iúlia Timochenko, que dispensa apresentações e
cuja cura rápida apenas pode alegrar todos os corações; e o
deputado do Parlamento da Ucrânia, Piotr Porochenko, conhecido por
ser o “oligarca doce” devido aos negócios ligados à produção
de chocolates e caramelos.
Oleg
Tzariov irá candidatar-se pelo Partido das Regiões, força política
que se demarcou de Victor Ianukovitch, Presidente da Ucrânia ainda
para alguns, para tentar sobreviver politicamente, e Piotr Simonenko,
o eterno candidato comunista com a popularidade em baixo devido às
suas posições pró-russas.
Quanto
aos tão temidos pela Rússia fascistas e neonazis, eles estarão
representados por Oleg Tiagnibok e Dmitri Iaroch, mas, segundo as
sondagens, sem qualquer possibilidade de eleição.
Mas
para que fique tudo mais claro, publico aqui os resultados de duas
sondagens. Na primeira, realizada em Março pelo jornal Segodnia,
cito apenas os resultados dos candidatos aceites pela Comissão
Eleitoral Central: Piotr Porochenko aparece em primeiro lugar com
19%; Serguei Tigipko, antigo vice-primeiro ministro consegue 16%;
Timochenko surge em 6º lugar com 7%; Anatoli Gritzenko, antigo
ministro da Defesa, em 8º com 5%; Dmitri Iaroch em 9º com 4% e Oleg
Tiagnibok em 14ª com 1%.
Segundo
outra sondagem, realizada por quatro conhecidas empresas e institutos
e publicada a 26 de Março, os resultados são os seguintes:
1
– Porochenko com 24,9%; 3 – Timochenko com 9,4%, 4 – Tiguipko
com 7,3%, 6 – Simonenko com 3,6%, 8 – Gritzenko com 3,2%, 9 –
Tiagnibok com 1,7% e Iaroch com 0,9%.
É
de assinalar que Vitali Klitchkov, um dos mais populares potenciais
candidatos, desistiu da corrida a favor de Porochenko e apelou
Timochenko a fazer o mesmo.
Pelos
vistos, parece que vamos voltar a ter uma luta entre oligarcas. Como
alerta o conhecido analista político ucraniano Vitali Portnikov,
“Não se tratará de uma luta entre Timochenko e Porochenko. Será
um “duelo de invisíveis”: a luta do Akhmetov colectivo contra o
Firtach colectivo”. Rinat Akhmetov e Dmitri Fritach são dois dos
maiores oligarcas ucranianos que sempre souberam aproveitar-se da
corrupção nas elites políticas ao longo de todos estes anos.
Por
conseguinte, se esse círculo vicioso não for rompido, iremos voltar
ao mesmo.
Entretanto,
continua uma intensa actividade diplomática a fim de desanuviar a
tensão em torno da Ucrânia e parece que os dirigentes russos
começam a descer à realidade. Primeiro, anunciaram a retirada de
parte das suas tropas de perto da fronteira com o país vizinho e,
segundo, estão dispostos (em conformidade com declarações do MNE
da Rússia) a reconhecer a legitimidade das presidenciais e a
restabelecer o diálogo entre Moscovo e Kiev “se forem observadas
determinadas condições”.
Quanto
à proposta de federalização do país, defendida por Moscovo, ela
foi muito mal recebida em Kiev, pois as autoridades locais vêm nisso
uma armadilha russa para desintegrar o país.
Volto
a citar Vitali Portnikov: A “federalização” de qualquer antiga
república soviética segundo o modelo soviético é o caminho
directo não apenas para a pressão sobre ela, mas o controlo total
da as política e posterior desmembramento”.
4 comentários:
"se esse círculo vicioso não for rompido, iremos voltar ao mesmo."
A sério??? Quem diria! E acha MESMO que irá interrompido? Claro que não! E portanto, continuarão a governar, nos bastidores, os mesmos que têm governado a Ucrânia desde a sua independência e, diria mesmo, sobretudo desde a sua "Revolução Laranja".
Quanto à "caída na realidade" da Rússia, já penso que se calhar se assiste a uma retirada porque a Rússia tem a percepção de que o novo poder kievita não tem força para se impor nas regiões russas da Ucrânia? Se não tem força, não conseguirá enviar tropas, e se o fizer, rapidamente os russos ucranianos mobilizarão as suas milícias e as tropas do outro lado da fronteira poderão actuar.
Receio, JM, que as sondagens - por terem sido realizadas antes do Congresso do Partido das Regiões (PdR) - não levem em conta as decisões aí tomadas, ou seja: Mikhail Dobkin será o representante do partido na corrida eleitoral.
Como é sabido quatro militantes do PdR concorrem às eleições presidenciais ucranianas (o que reflecte as diferentes visões para o futuro da Ucrânia). Mikhail Dobkin é o único a defender a organização federal do país, aquilo que os russófonos defendem, a única forma de manter a unidade do país.
Já hoje se viu como Tigipko e Dobkin têm pontos de vistas diferentes, na apresentação dos respectivos programas, pois se o primeiro (defendendo a implementação da língua russa como segunda língua oficial) advoga um governo de tecnocratas e uma aproximação ao Ocidente, Dobkin defende uma aproximação à União Aduaneira da Rússia-Bielorússia-Cazaquistão. Sem esta proliferação de candidaturas talvez o PdR estivesse em condições de disputar a segundar volta com Porochenko. Assim, muito provavelmente a Julinha Malvada vai ter a sua oportunidade de lutar contra o «Rei do Chocolate». Mas até 25 ainda muita água vai correr por baixo das pontes...
Acho intrigante o facto de os comunistas não terem perdido o seu amor pela Rússia mesmo depois desta ter deixado de ser comunista. Às vezes, parece-me que pararam no tempo. Seria interessante conhecer a posição do PCP em relação aos acontecimentos na Ucrânia. Não me lembro de que tenham proferido qualquer opinião ainda.
Pedro Leite Ribeiro, leia o Avante. A Federação da Rússia luta contra o imperialismo.
Enviar um comentário