Não
se pode chamar sanções ao que os países membros da União Europeia
aprovaram hoje. Os líderes europeus decidiram suspender as
negociações com a Rússia sobre o acordo de facilitação de
emissão de vistos. Ficam também suspensas as negociações mais
globais, com vista à assinatura de um novo acordo de cooperação
entre as duas partes. Nesta primeira fase, o Conselho Europeu deu
também o seu apoio aos membros do G8 que decidiram suspender os
preparativos para a participação na próxima cimeira, marcada para
Junho, na cidade russa de Sochi.
É
difícil acreditar que isto faça recuar o Kremlin na sua intenção
de anexar a Crimeia. Vladimir Putin não vai responder ao apelo do
Soviete Supremo (Parlamento) da Rússia de adesão da península
ucraniana até ao resultado do referendo antecipado para 16 de março.
Depois, sentir-se-á “legitimado” pelo apoio da maioria da
população da Crimeia.
Porém,
poderá responder com sanções contra a União Europeia, que,
segundo Moscovo, serão “assimétricas”.
Para
nós portugueses, interessa a questão dos vistos, pois, como já é
sabido, o turismo russo já tem peso na nossa economia. Segundo as
estatísticas, mais de 100 mil cidadãos russos visitam anualmente o
nosso país e a queda brusca deste número não deixará de
prejudicar sensivelmente a nossa indústria turística.
Mas
não é só o carácter económico que faz olhar com cepticismo para
a utilidade dessa ameaça de sanção da UE. Esta questão é
importante do ponto de vista moral. Os cidadãos russos não devem os
primeiros a serem prejudicados por sanções, porque, caso contrário,
isso atiçará o anti-ocidentalismo pelo Kremlin na sociedade russa.
Pelas
notícias que me chegam de Moscovo, os consulados dos países da UE,
nomeadamente de Portugal, continuam a passar vistos aos cidadãos
russos na maior das normalidades.
Pessoalmente,
considero que estas ameaças de sanções da UE são um sinal de que
no seu seio não há unanimidade no que fazer para que a Rússia
recue na sua intenção de anexar a Crimeia e, por isso, Bruxelas
aprovam meias-medidas que não aquecem, nem arrefecem.
Se
a União Europeia quiser entrar na via das “sanções a sério”,
terá de tomar sanções muito fortes e duradouras contra a Rússia.
Por exemplo, deixar de comprar combustíveis à Rússia, não
exportar para esse país produtos agrícolas e outros (Moscovo
importa cerca de 50% do que come), bem como congelar as contas
bancárias e bens de dirigentes e oligarcas russos.
Isso
só poderia acontecer se os europeus tivessem vontade de fazer
sacrifícios enormes em nome da defesa da integridade territorial da
Ucrânia, pois as respostas russas poderão ser também dolorosas:
fechar o seu mercado aos produtos europeus, vender títulos da dívida
europeia, etc.
Além
disso, a escalada das sanções será obrigatoriamente acompanhada
por uma desenfreada corrida aos armamentos, que poderá ser muito
nefasta para ambas as partes.
Nesta
situação, é muito difícil prever como é que o chamado Ocidente
vai travar o desejo expansionista da Rússia depois desta anexar a
Crimeia. Porque é isso que irá acontecer. Tanto mais que o novo
governo da Ucrânia não consegue estabilizar as regiões que
controla e não se sabe se conseguirá juntar forças militares e
policiais capazes de travar o avanço de Putin.
Por
enquanto, tanto os dirigentes russos, como ucranianos têm feito
todos os esforços para evitar confrontos armadas e vítimas, mas é
difícil acreditar que assim continue se Moscovo continuar a
trabalhar no sentido da desintegração da Ucrânia.
A
situação na Ucrânia tornou evidente que é necessário um novo
sistema de relações internacionais na Europa, que só poderá sair
do consenso dos grandes jogadores: UE, EUA e Rússia. Se esse
consenso passar pela definição de zonas de influência, a Ucrânia
deixará de existir como estado único ou ligado por uma ténue
confederação; outros estados do antigo espaço soviético poderão
ver a sua integração territorial ameaçada.
16 comentários:
A Rússia pode ainda importar muito do que come. Mas, não só começou já a trabalhar no sentido de se tornar auto-suficiente em termos de comida, como, assim que terminar, dentro em breve, este processo, continuará a ser uma líder na exportação de cereais - que constituem a base da alimentação humana - e tenciona também tornar-se o maior exportador de comida do Mundo.
http://rt.com/business/russia-food-leader-goal-978/
Por isso, o Ocidente que se atreva a travar a troca de produtos alimentares com a Rússia...
Para além disso, o Ocidente tem vindo a sofrer as consequências do embargo petrolífero ao Irão. (Preços elevados dos combustíveis, falta de abastecimento nas bombas - pelo menos, na minha zona...) E, ainda que este mesmo embargo tenha sido, recentemente, um pouco aliviado, com o petróleo e seus derivados, no Mundo, a tornarem-se cada vez mais escassos... Quero também ver se o Ocidente se atreve a fazer um embargo de compra de energia à Rússia...
Não gosto de fazer comparações mas a uma coisa que tem algum paralelo de comparação, a expansão da Alemanha Nazi com o projecto de expansão da Rússia utilizam quase o mesmo pretexto a defesa dos seus com patriotas que vivem noutros paises vizinhos, o que mais me preocupa e agora saber qual é o pais que a Russia irá anexar com a mesma desculpa.
A UE, não tem lideres a altura para desafios deste, temos o nivel muito baixo como se viu na crise do Euro, mais uma vez vou fazer uma comparação os lideres europeus parecem o 1º Ministro Inglês na decada de 1930.
A questão das sanções parece-me pueril uma vez que, se elas são impostas a Moscovo então, por maior ordem de grandeza, terão de ser impostas aos EUA, Reino Unido, Espanha e Portugal, por estes quatro países terem pactuado numa brutal violação do Direito Internacional aquando da invasão do Iraque, violação essa baseada em escandalosas mentiras (as mesmas que John Kerry não referiu quando chamou mentiroso a Putin!).
Também boa parte dos países europeus, EUA, etc, teriam de ser alvo de sanções por causa do escândalo do Kosovo.
Ocorreram estas sanções? Não? Pois bem, então, por uma questão de moralidade, a UE deveria era baixar os olhos e ser humilde, muito humilde, em relação à Rússia. Pelo menos, na Crimeia não houve mortos. Já no Iraque e na Sérvia, estamos conversados.
Em termos de futuro, como aliás já bem sendo defendido aqui pelo Portuguese Man, o mais lógico será a divisão da Ucrânia entre Ucrânia Ocidental e Ucrânia Oriental, preferencialmente (na minha óptica) em regime federalista, com leis de nacionalidade comuns, nomeadamente face às minorias étnicas ("ucranianos" no Leste, "russos" no Oeste). Num regime federal, cada região poderia, quem sabe, seguir políticas próprias em termos de relacionamento com os seus vizinhos e, quem sabe, o conjunto poderia até vir realmente a beneficiar do melhor dos dois mundos, ou seja, boas relações com a UE (sem, contudo, pertencer à UE) e boas relações com a Rússia (sem, contudo, ser incorporado na Rússia).
Será possível? Talvez não, mas pode ser imaginado.
A Rússia ainda pode ser chamada de país Europeu? Depois desse acontecimento na Ucrânia a Rússia, definitivamente, se afastou da Europa. Engraçado que meus amigos russos não gostam de se chamados de "europeus". E não qualificam a própria Rússia como um país Europeu. Acho que sem a Ucrânia a condição européia da Rússia fica cada vez mais difícil. Talvez no futuro seja precisa que definir o mapa político da Europa oficialmente. Digo que em termos didáticos. Os livros de geografia considerariam como Europa da Islândia a fronteira da Ucrania, Belarus e países Bálticos com Rússia. Sendo a Rússia, isoladamente, considerada como "Ásia". O princípio fundador do Eurasianismo parte justamente da premissa de que a Rússia não é européia. Sim, Dugin e Putin estão chegando lá. Conseguiram! Se o que queriam era uma "asiatificação" total da Rússia, estão muito prestes a conseguir isso. A única forma de conseguir manter seu status de "européia" é a Rússia seguir o mesmo caminho dos outros países da Europa do Leste após o fim do muro de Berlim. Caso contrário... haverá uma fusao cultural Rússia-China. O que parece ser o objetivo dos que hoje governam a Rússia.
"Para que servem as quase sanções anunciadas pela UE contra a Rússia?"
Para se poder internamente às hostes que já se tomaram medidas :)
Obrigado pelo blog. É um verdadeiro serviço público! Bem haja José Milhazes!
Boa tarde,
Venho perguntar uma coisa que vi hj na televisão é que estão a chegar a Crimeia servios-prós russo e já estão a controlar pelo uma estrada na Crimeia, a chegada desses para-militares servios irá tonar as coisas mais explosivas do que estão?
E lá aviaram o Ianukovich, o que dá muito jeito para que ele não diga nunca quem lhe deu ordens para fazer o que fez. Isto com o KGB do Kremlin é limpinho!
Nuno Rolo, isso chama-se atirar ainda mais lenha para a fogueira.
o que mais me preocupa e agora saber qual é o pais que a Russia irá anexar com a mesma desculpa...
Pode ir já pensando. O próximo foco de tensão será a Bielorrússia. Quando? talvez esta década, talvez na próxima.
Será possível? Talvez não, mas pode ser imaginado.
Caro Pippo,
Tem que ser.
Tem que ser algo do género, resta saber se a bem ou a mal.
A Ucrânia como existe hoje não é viável. Tem duas forças opositores que fazem pressão. E uma delas é mais forte a cada ano que passa.
Que se dividam e que o façam pacificamente e que sejam felizes.
E sempre tendo em atenção que mesmo com uma divisão pacífica, a parte da UE, terá que pagar gás com valores de mercado, o que significa muito sofrimento nos próximos anos, mas é melhor pensarem que é melhor este sofrimento que o sofrimento de uma guerra.
Pois, mas a Russia e as autoriedades da Crimeia deveriam atuar e não deixar que isso aconteça, se não as negociações serão inoteis entre a UE,EUA e a Russia, para uma resolução pacifica da crise da Ucrânia.
Já algumas movimentações por parte da NATO, a deslocação de F-16 para a Polonia, um navio de guerra para a zona do Mar Negro do EUA, isto começa a ficar cada vez mais complicado.
Isso são movimentações, para não se dizer que não se faz nada.
Os russos estão no terreno.
Os americanos não vão entrar.
Caso fossem os americanos os russos fariam o mesmo.
São forças que não podem entrar em contacto, terá que ser por meio de outros.
A Crimeia é um caso arrumado, todos o sabemos. Bem se esforçam as diplomacias dos EUA, do Reino Unido e da Alemanha para rapidamente convencer a Rússia a recuar as suas pretensões, provavelmente a troca de algumas cedências, tais como maiores garantias para os russófonos. Mas Putin, mesmo que o desejasse, já não pode recuar. Os ganhos de popularidade que conseguiu "em casa" rapidamente se esfumariam. Mas por agora a cecessão parece limitada à Crimeia (e acredito piamente assim deverá ficar). Mas em breve (dia 15 Março) teremos o Congresso do Partido das Regiões em Donetsk, e este partido russófonos unir-se-á em torno de uma ideia: Foram os partidos que fizeram o "putsch" os responsáveis pela perda da Crimeia, com a sua intransigência. Há que avançar rapidamente para a descentralização da Ucrânia, para evitar o pior e unir finalmente o país. Acreditem: nascerá em breve a Federação Ucraniana, sob o beneplácito do Ocidente e da Rússia.
Mais uma fábrica na Rússia no sector automóvel:
Bosch investe na Rússia com 50 milhões de euros em nova fábrica
...A fornecedora de tecnologia e serviços informa em comunicado que as novas instalações, que vão empregar 500 pessoas, têm uma área total de 200 mil m2 (cerca de 29 campos de futebol)...
...Até agora, as divisões de Sistemas de Chassis, Motores de Arranque & Geradores e Sistemas Diesel já se encontravam a operar na região de Samara. Com a construção da nova unidade, a Bosch quer "fomentar o fabrico de tecnologias automóveis para os clientes locais...
http://www.oje.pt/noticias/negocios/bosch-investe-na-russia-com-50-milhoes-de-euros-em-nova-fabrica
Quantos milhares de postos de trabalho foram criados só no sector automóvel nos últimos, devido ás políticas governamentais? quantos milhares?
Ora cá está uma notícia interessante:
http://www.theguardian.com/business/2014/mar/07/eu-leaders-gas-russia-ukraine
Os "EU-ropeus" planeiam entregar o seu próprio gás à Ucrânia para minorar eventuais cortes. Ou seja, os "EU-ropeus" estarão a pagar esse gás do seu próprio bolso. E tudo, claro, decidido em democracia.
Os EUA planeiam exportar gás produzido no seu país, para contrabalançar o poderia russo. Ou seja, avizinha-se uma guerra comercial bem acesa.
Deverá ser este o mote para a Rússia investir fortemente na sua indústria e serviços, em lugar de se basear apenas na extracção?
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