(na imagem, um marinheiro russo retira a placa do antigo submarino “Zaporizhzhia” da Armada ucraniana)
Texto enviado pelo leitor Pippo:
"Em resposta à retomada e anexação da Crimeia por parte de Moscovo, a NATO reencontrou a sua “razão de ser” em “proteger a Europa da Rússia”.
Para além de suspenderem todas as formas de cooperação política e militar com Moscovo, num encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países da NATO foram discutidos planos para se aumentar as defesas dos países da Europa de Leste pertencentes à organização euro-atlântica (Polónia e países bálticos), fornecer ajuda militar a Kiev e ainda aumentar a cooperação militar com as antigas Repúblicas Soviéticas no flanco sul da Rússia (Moldávia, Azerbaijão e Arménia).
Segundo um comunicado da NATO, “Our goal of a Euro-Atlantic region whole, free and at peace has not changed but has been fundamentally challenged by Russia" (…) "Over the past 20 years, NATO has consistently worked for closer co-operation and trust with Russia. It has gravely breached the trust upon which our co-operation must be based.”
Não houve qualquer menção ao acordado com Mikhail Gorbatchev, no princípio dos anos 90, de não se expandir a NATO para Leste, nem às acções da NATO na Sérvia e no Kosovo que serviram de justificativo moral e legal para as recentes acções russas na Crimeia.
Contudo, a NATO encontra-se dividida. Enquanto a Polónia pretendia, nas palavras do seu MNE Radek Sikorski, o envio de duas Brigadas NATO para o seu território, Andreas Fogh Rasmussen desaconselhou atitudes precipitadas, preferindo dar voz à diplomacia com a Rússia e a Ucrânia, e Frank-Walter Steinmeier, o MNE alemão, veio já dizer que não há perspectivas de se acolher a Ucrânia ou qualquer outro país da ex-URSS na NATO.
Como seria de se esperar, são os países situados na “linha da frente” com a Rússia os que parecem estar mais alarmados com o aparente expansionismo deste país. Aliás, a sua habitual histeria (nomeadamente a da Polónia) face aos russos leva estes países a tentar constantemente bloquear, por todos os meios, quaisquer iniciativas que possam favorecer a Rússia, seja militar (o que seria normal), seja económica seja politicamente.
Mas é um facto que, com uma população dispersa por vários países, será tentador para a Rússia jogar a cartada étnica de forma a desestabilizar ou coagir alguns dos seus vizinhos, sejam eles os países bálticos (um dos quais, a Lituânia, com antigas ligações históricas à Polónia) ou a Moldávia, que tem intenções de assinar em Junho um acordo político e comercial com a União Europeia. Neste capítulo, uma acção militar russa na Transdnístria (com a qual, saliente-se, a Rússia não tem qualquer contiguidade geográfica) poderá alterar a situação regional.
Mas se na frente interna parece haver reticências, na frente externa a NATO contra-ataca a Rússia delineando planos para "promover a estabilidade na Europa Oriental dentro do actual contexto" ao reforçar a cooperação militar com a Arménia, o Azerbaijão e a Moldávia. Segundo um relatório confidencial publicado pelo Der Spiegel, irão ser propostos treinos e exercícios conjuntos entre a NATO e estes três países, melhorando a “interoperacionalidade” das respectivas FA com a NATO e a sua participação nas operações de “smart defence” (partilha de recursos por parte dos EM da NATO, vide Cimeira da Chicago da NATO de 2012) e especificamente (e com um certo impacto regional), promover formas de se assegurar a protecção e controlo, por parte do Azerbaijão, dos seus campos petrolíferos e gasíferos no Cáspio.
O impacto destas medidas externas poderá ser significativo. O alargamento da área de controlo e actuação da NATO permitiu-lhe estender a sua influência muito para lá da sua área de actuação natural e muito para além da sua missão nuclear de defesa da Europa Ocidental contra a URSS (e que, como se adivinha ao longo destes últimos anos, passou a visar essencialmente a Rússia). Ao criar alianças com países extra-Organização mas situados no flanco exposto e energeticamente rico da Rússia, a NATO está, efectivamente, a contra-atacar, ameaçando o seu inimigo de sempre, retirando-lhe espaço de manobra, elaborando assim um verdadeiro “cordão sanitário” como o intentado no início do séc. XX.
Com tanta cooperação, talvez a NATO venha em socorro da Arménia quando esta for atacada pelo também aliado Azerbaijão por causa do Nagorno-Karabakh. Ou talvez, quem sabe, tenha de ser a Rússia a servir de fiel da balança no Cáucaso, que é para si, e ao contrário do que é para a NATO, o seu verdadeiro “quintal da traseiras”."
7 comentários:
"Como seria de se esperar, são os países situados na “linha da frente” com a Rússia os que parecem estar mais alarmados com o aparente expansionismo deste país. Aliás, a sua habitual histeria (nomeadamente a da Polónia) face aos russos..."
Habitual histeria da Polónia e países bálticos?
Hoops! Conhece a História, não conhece?
Claro que conheço!
No séc. XVIII a Polónia foi repartida entre os Impérios russo e austríaco e a Prússia, mas os polacos só têm histerias face a Moscovo.
Em 1918-19 os Freikorpen tentaram contestar parte da Polónia e conquistar o Báltico, só sendo detidos pela união das tropas da Estónia, da Letónia e da Lituânia.
E entre 1939 e 1945 os alemães mataram cinco milhões - repito, cinco milhões! - de polacos, mas não vejo estes muito histéricos relativamente a isso. Ah, mas se falarmos de Katyn, até mudam de cor...
A Polónia tem realmente andado muito activa nos últimos anos e tudo tem feito para piorar as relações com a Rússia.
Esta situação agora, faz lembrar uma outra semelhante que ocorreu há uns anos atrás.
Agora a Polónia quer mais protecção da NATO (como se a Rússia se fosse meter com um país pertencente à NATO...), devido à situação da Ucrânia.
Há uns anos atrás ocorreu o mesmo com a situação da Geórgia. Nessa altura era para se colocar o sistema anti-míssil na Polónia, para se proteger dos maus dos iranianos. Claro que a Polónia queria lá um sistema destes por causa dos iranianos...
Na altura até o JM fez a seguinte afirmação:
...Mas será essa discussão necessária e útil num momento em que se discutem problemas bem mais importantes: a instalação ou não do sistema de defesa antimíssil norte-americano na República Checa e na Polónia? Ou, para ser mais exacto, o sistema vai ser instalado, resta saber se com a participação da Rússia ou não.
http://darussia.blogspot.pt/2009/02/europa-central-ou-do-leste.html
Estávamos em 2009, bem próxima da "enorme" agressão russa à Geórgia, numa altura em que se falava das graves consequências para a Rússia de tal acto cometido.
Resultado? OS EUA recuaram nesse mesmo ano, e os polacos ficaram danados com a coisa. Afinal têm bem a noção do que ofereceram aos EUA, para enfrentar a Rússia...
Também com o Nord Stream, os Polacos ficaram atónitos com a facada que os alemães lhes deram, que negociaram um acordo com a Rússia, sabendo o que isso significará para a Polónia, a possibilidade da Rússia cortar o fornecimento de energia à Polónia, sem afectar a Alemanha. Tudo fizeram para cancelar o projecto, mas claro, não o conseguiram.
Agora, a sua participação no desenvolvimento da situação da Ucrânia, também não passa despercebido.
A Polónia não parece perceber, que a estrutura da NATO protege os seus, mas também tem regras, os países aliados não se vão meter com a Rússia, algo que parece que ainda não foi absorvido pela Polónia.
A Polónia está na NATO e não viu o sistema ABM colocado no seu território por causa da Rússia.
A Polónia está na UE e a Alemanha preferiu comprometer-se energéticamente com a Rússia, mesmo sabendo o que isso significa para a Polónia. A Polónia não percebe o recado alemão, só serás prejudicada, se tratares a Rússia como um inimigo a combater.
E quando a Alemanha, ou os EUA tiverem que optar entre a Rússia ou a Polónia... eu se fosse a Polónia, faria melhor em não tentar descobrir.
PM, era mais ou menos essa a resposta que eu queria dar, mas ou os seus "arquivos" ou a sua memória são francamente melhores que os meus! :)
Caro Pippo,
A brincar a brincar, já participo no blogue do JM há uns 5 anos.
Gosto muito de confrontar a mim próprio com o que venho escrevendo por aqui, poder recuar 5 anos nas nossas afirmações que estão aqui registadas é óptimo.
Umas das mais valias do seu blogue caro JM.
Uma pena não poder não fazer o mesmo, com o que escrevi no Expresso desde salvoerro 2003.
O que disse durante anos sobre a Geórgia.
Na altura falei muita da Geórgia e Azerbaijão, devido à construção do pipeline BTC, a origem de todos os problemas nesta zona.
Penso que estivemos a um passo de ver a NATO no Mar Cáspio...
A razão dos medos da Polónia face aos russos tem toda a razão de ser. E não é só Katyn (ainda por cima a queda do aviaõ presidencial nas proximidades não ajudou nada). Mais de quarenta anos sob a ameaça soviética, com receio de ver os tanques entrar em Varsóvia, depois de uma passagem do Exército Vermelho em direcção a Berlim que não só destruiu o que ainda estava de pé como ainda permitiu que revolta do ghetto de Varsóvia fosse esmagada sem que os soviéticos mexessem uma palha. E com a retórica belicista actual e Kalininegrado/Konigsberg ali ao lado, como poderiam os polacos não temer e detestar os russos? Têm todas as razões do mundo para o fazer. A Alemanha só tomaria o partido da Rússia num cenário de fim da UE.
João Pedro, vou recordar-lhe:
Séc. XVIII, retalhamento da Polónia entre os russos, austríacos alemães;
1918-19, tentativa alemã de contestar parte da Polónia e conquistar o Báltico;
1939-1945: os alemães mataram cinco milhões (!)de polacos e esmagaram as (duas) revoltas de Varsóvia e arrasaram a cidade (ah, mas os soviéticos é que teriam de evitar isso, claro!).
Não vejo os polacos muito preocupados ou ressentidos face à Alemanha. Curioso, não acha? Pelos vistos, o que são CINCO MILHÕES de mortos em SEIS ANOS face a "quarenta anos sob a ameaça soviética"?
Nem os vejo preocupados face ao genocídio dos polacos na Ucrânia às mãos dos ucranianos do Oeste.
Mas, como referi, se falarmos de Katyn, os polacos até mudam de cor...
PS - Quanto à Alemanha "só tomar o partido da Rússia num cenário de fim da UE"... lamento mas já tomou! Nord Stream, diz-lhe alguma coisa? Os polacos até uivaram, e os alemães a rirem-se!
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