É muito,
mas mesmo muito difícil acreditar que as eleições presidenciais na
Ucrânia se realizem a 25 de Maio e, se tal acontecer, não será no
território de todo o país. Moscovo esforçar-se-á para que o
escrutínio corra mal a fim de não continuar a reconhecer o actual
de Kiev e a incentivar o separatismo no Leste e no Sul do país.
Separatistas
e “homenzinhos verdes armados sem distintivos”, disfarçados de
defensores dos russos e russófonos, continuam a ocupar pela via da
força, as mais das vezes à mão armada, edifícios administrativos
e esquadras da polícia no Leste e Sul da Ucrânia e Moscovo, pela
voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov,
ameaça as autoridades ucranianas boicotar o encontro quadrilateral
sobre a Ucrânia, marcado para o dia 17 de Abril em Genebra, se elas
utilizarem a força para restabelecer a ordem. Ou seja, trata-se de
uma ingerência clara da Rússia nos assuntos internos do país
vizinho.
Escusado
será dizer que qualquer manifestação separatista ou autonomista na
Federação da Rússia tem um fim certo: ser afogada num banho de
sangue, mas, na casa do vizinho, vale tudo.
O Presidente
Vladimir Putin e o seu ministro dos NE, Serguei Lavrov, perderam toda
a autoridade moral, se é que alguma vez a tiveram, para acusar quem
quer que seja de “padrões duplos” na política externa.
Depois da
anexação da Crimeia, esta ingerência continuou a aumentar nas
condições impostas pela Rússia para que se possa encontrar uma
solução para a crise ucraniana na reunião do quarteto constituído
por Moscovo, Kiev, Bruxelas e Washington. O Kremlin quer, nem mais,
nem menos, que nas conversações de Genebra estejam presentes, além
de representantes do governo de Kiev, também representantes das
forças separatistas do Leste e do Sul da Ucrânia. Além disso, é
exigida da Ucrânia uma revisão constitucional com vista à sua
federalização e “finlandização”.
Hoje,
sábado, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov,
prometeu reiniciar o apoio eonómico à Ucrânia caso esta reconheça
a anexação da Crimeia. Pelo menos neste caso, Moscovo parece estar
a fazer passar a imagem de que essa península não foi anexada, mas
pode ser “adquirida”.
No fundo,
estamos a assistir ao renascimento da mais crua e dura “doutrina
Brejnev”, que deve o seu nome ao antigo secretário-geral da União
Soviética. Esta limitava a política externa e interna dos países
que faziam parte do antigo “campo socialista”. Quem ousasse
desafiar o poderio soviético, levava com uma invasão militar, como
aconteceu com a Checoslováquia em 1968.
O aumento
dos apetites do Kremlin está a ser provocado pelo facto de o governo
de Kiev ser incapaz de controlar a situação em todo o país e de os
EUA e a União Europeia não conseguirem encontrar formas de ajudar a travar a desintegração do poder central. Bastava que ajudassem com tanta força e vontade o actual governo ucraniano como ajudaram a oposição a derrubar Victor Ianukovitch. A UE parece ter desaparecido do mapa político.
Moscovo está cada vez mais tentado a copiar a sua política de ocupação na Crimeia noutras regiões do Leste e do Sul da Ucrânia e, se tudo correr como até agora, poderão surgir apetites ainda maiores.
Moscovo está cada vez mais tentado a copiar a sua política de ocupação na Crimeia noutras regiões do Leste e do Sul da Ucrânia e, se tudo correr como até agora, poderão surgir apetites ainda maiores.
Mas, no
mínimo, o Kremlin parece já ter conseguido fazer com que as
eleições presidenciais na Ucrânia não ocorram na data prevista.
Os seus apoiantes e agentes no Sul e Leste da Ucrânia estão a fazer
tudo para que o escrutínio não se realize aí e, desse modo, não
permitirão a legitimação do governo de Kiev em todo o país.
A campanha
eleitoral está irreversivelmente perdida e o escrutínio para lá
caminha a passos largos.
Deixo aqui
um aviso aos adversários cegos do imperialismo norte-americano: a
política externa russa não é uma política que visa alcançar a
paz, mas de expansão a zonas da antiga União Soviética. Por muitas
justificações que se tente encontrar para afirmar que a chacina da
Chechénia ou a anexação da Crimeia são coisas diferentes da
invasão da Líbia, elas só poderão convencer pessoas desatentas ou
mal intencionadas.
Aos
russófonos e russófilos, entre os quais me incluo, apenas quero
reafirmar: esta política externa do Kremlin não correspondente aos
interesses dos povos da Rússia, mas de uma elite corrupta que levará
o seu país à desgraça.
8 comentários:
É lá, isto aqui é propaganda pura!
Quem é que escreveu o artigo, o José Milhazes ou o “jornalista” tropical Jest?
JM, você está a ver as coisas de forma meio enviesada. Vejamos:
1 - Mistura o retrato de V. Putin com o de Leonid Bezhnev, coisa típica se um "jornaleiro" que eu cá sei.
2 - Mistura a situação interna ucraniana (relacionada com as autonomias) e a situação interna russa (o que é que uma coisa tem a ver com a outra?)
3 - Diz que a anexação da Crimeia foi uma ingerência nos assuntos internos ucranianos (Ou seja, essa anexação deve ter sido feita à revelia dos desejos da população da Crimeia, não foi?)
4 - Incrivelmente, espanta-se que Moscovo exija a presença de “representantes das forças separatistas do Leste e do Sul da Ucrânia”, MAS NÃO SE ESPANTA COM A PRESENÇA DO GOVERNO ILEGÍTIMO DE KIEV!!!
5 - Acha que Putin e Lavrov “perderam toda a autoridade moral para acusar quem quer que seja de “padrões duplos” na política externa”, como se eles tivessem de actuar moralmente ao contrário do resto do Universo (lá voltamos à mesma história de sempre)
6 – Advoga que os EUA e a União Europeia deveriam encontrar formas de ajudar a travar a desintegração do poder central (ILEGÍTIMO! Mas o JM acha que é legítimo só porque é contra os "amigos" do Putin) e que deveriam ajudar este governo ILEGÍTIMO com a mesma força e vontade com que ajudaram a oposição a derrubar Victor Ianukovitch. Vá lá, ao menos, finalmente, parece que o JM ADMITE que a UE e os EUA se INGERIRAM nos assuntos internos da Ucrânia, e ANTES da Rússia o fazer. Mas será que houve reportagens a condenar tal ingerência? É o "houves"!
7 – “esta política externa do Kremlin não correspondente aos interesses dos povos da Rússia, mas de uma elite corrupta que levará o seu país à desgraça. “ Tem toda a razão! As anteriores políticas de recuo, humilhação e submissão, prosseguidas nos anos 90, trouxeram muito mais resultados!
Não é preciso homenzinhos verdes meu caro.
Um governo deposto e uma junta que começa a fazer leis, incluindo a abolição da língua russa, foi o mesmo que estender o tapete vermelho para o que está a acontecer.
Aquela junta deveria ter ficado pelas as eleições de modo a se esclarecer a situação política no país.
Mas não, fizeram aprovar leis, despediram polícias, e toda uma série de disparates que se tem visto pelas televisões.
Estava à espera que quem votou no presidente e depois de ver tudo isto a acontecer, ficaria sentado a ver o comboio a passar?
A bola de neve começou a rolar.
O Presidente Vladimir Putin e o seu ministro dos NE, Serguei Lavrov, perderam toda a autoridade moral, se é que alguma vez a tiveram, para acusar quem quer que seja de “padrões duplos” na política externa.
E desde quando é que "autoridade moral" alguma vez se conjugou com políticas externas? Só a brincar.
Quem ousasse desafiar o poderio soviético, levava com uma invasão militar, como aconteceu com a Checoslováquia em 1968.
Isto parece-lhe uma invasão? de facto alguns bem que tentam vender essa teoria, mas hoje em dia com a facilidade de acesso à informação, só cai quem quer.
...Bastava que ajudassem com tanta força e vontade o actual governo ucraniano como ajudaram a oposição a derrubar Victor Ianukovitch...
Esta teve piada meu caro.
É que agora, o que é preciso não é força, nem vontade meu caro. É preciso DINHEIRO e MUITO.
E como já tinha dito aqui anteriormente, os EUA e UE, tem democracia para dar e vender, agora no que toca a dinheiro...
Diga-me, já chegou algum dinheirinho à Ucrânia? se calhar não... Pois é que ninguém vai DAR dinheiro à UCrânia... e se fôr um empréstimo... bom, quem assina o emprestimo? uma junta não eleita?
Pois é...
Como já tenho dito, democracia não enche barrigas.
...se tudo correr como até agora, poderão surgir apetites ainda maiores...
Ora mas como pode isso ser, então a Rússia não vai colapsar economicamente?
Algo não bate certo.
a política externa russa não é uma política que visa alcançar a paz
Meu caro, você já deveria ter aprendido, mas vou dar-lhe uma dica:
AS POLITICAS EXTERNAS DOS PAÍSES, NÃO SÃO POLÍTICAS DE PAZ MAS SIM DE INTERESSES PRÓPRIOS E DA SUA SEGURANÇA.
A Ucrânia meu caro, é o choque de políticas externas de alguns países.
Mais, as políticas externas de países fortes, impedem que se confrontem directamente, portanto o combate terá que ser por formas indirectas.
A Ucrânia é o novo palco dessas políticas externas. E com um pouco de sorte, talvez se consiga fazer isto sem derramamento de sangue.
...elas só poderão convencer pessoas desatentas ou mal intencionadas...
Como você não é desatento e está apanhar uns amargos de boca sobre esta situação, espero que naõ esteja a ser mal intencionado quando escreveu isto.
Tiros dos spetsnaz russos em Kramatorsk, Donetsk: https://www.youtube.com/watch?v=dgL0S0NiddE
Caro Milhazes,
Obrigado pelos "posts" corajosos. Vivo na Rússia, você está coberto de razão. Só gostaria de discordar em um detalhe: você diz que os povos da Rússia não endossam essa política do Kremlim, mas desgraçadamente tenho que discordar. Está difícil encontrar quem consiga emitir uma opinião equilibrada. A questão da Criméia é um exemplo, é assustador a ausência de argumentos contrários à anexação. O país está como um cemitério, um silêncio mesmo entre aqueles que tradicionalmente discordam dos métodos de Putin. Milhazes: desgraçadamente, a população da Rússia apóia Putin em seus intentos imperialistas e belicistas. Infelizmente você não está certo quando diz que é a elite corrupta da Rússia que está levando o país a essa desgraça. Infelizmente o próprio povo russo está satisfeito com o encaminhamento que o Kremlin está dando ao assunto. É claro que, após prolongadas sessões diárias de lavagem cerebral via TVs oficiais da Rússia, é difícil ao cidadão comum não capitular à esses argumentos do Kremlin, mas desgraçadamente até pessoas politizadas, pessoas que foram às praças para protestar contra eleições sujas, até essas pessoas estão consentindo toda essa política do Kremlin.
Mais um detalhe: não se esqueça que a Rússia, como membro do Conselho de Segurança da ONU, deu seu aval ao bombardeio da Líbia.
"...e de os EUA e a União Europeia não conseguirem encontrar formas de ajudar a travar a desintegração do poder central."
Nada de estranho nesta firmação, portanto.
Cumpts
Manuel Santos
Caro anónimo, eu não escrevi que a maioria da população russa não apoia Putin, pois sei bem a euforia ultrapattriótica que vai no país. O que eu tenho afirmado é que a ressaca poderá ser pesada e dolorosa.
"a Rússia, como membro do Conselho de Segurança da ONU, deu seu aval ao bombardeio da Líbia."
Correcção, a Rússia deu o seu aval à imposição de uma zona de exclusão aérea. A França e os seus "amigos" é que se esticou gravemente, bombardeando as forças do regime. O resultado està a vista: a Líbia é ultra-democrática e ultra-liberal (até os judeus líbios estão a voltar para lá com a benção da população, como sabe...) e nos países a Sul da Líbia, tudo está bem e recomenda-se, sem haver qualquer sombra de "spillover" do conflito líbio.
Isso foi tudo graças às fantásticas "democracias" ocidentais.
Isto não é ingerência. Ingerência seria se fosse o KGB...
http://www.foreignpolicy.com/articles/2014/04/14/just_stopping_by
Cumpts
Manuel Santos
Enviar um comentário