quarta-feira, março 23, 2016

Moscovo e a política de padrões duplos



Sou daqueles que defendem que o problema do terrorismo jihadista não pode ser resolvido sem a participação da Rússia neste combate. Porém, não se pode fazer acordos com políticos que, criticando a política de padrões duplos do Ocidente, actuam a seu bel prazer, reivindicando para si um papel exclusivo e que não pode ser alvo de qualquer crítica.
O último exemplo. Quantas vezes o Presidente Vladimir Putin repetiu que o seu país não tinha nem tencionava ter tropas terrestres no território da Síria? E a sua corte que mais não faz do que repetir as palavras do dono e senhor como “mantras”? Talvez dezenas de vezes.
Mas, afinal, estavam a mentir, pois o general Alexandre Dvornikov, chefe do destacamento militar russo na Síria, reconheceu hoje que há destacamentos especiais russos que actuam em território sírio.
“Não vou esconder que no território da Síria actuam também destacamentos das nossas forças de operações especiais. Eles realizam reconhecimento de alvos para os ataques da aviação russa, orientam os aviões para os alvos nas regiões, realizam outras operações especiais”, precisou ele, acrescentando que existem também “conselheiros militares”.
Claro que, do ponto de vista militar, isso até se justifica, mas para quê enganar a opinião pública quando já todo o mundo sabia que para a Síria tinham sido enviados não só pilotos militares?
Porque Putin e os seus conselheiros funcionam segundo o princípio de que uma mentira mil vezes repetida acaba por ser aceite por verdade. Só que se esqueceram que isso, na maior parte dos casos, tem o mesmo efeito da propaganda soviética. A determinada altura, quando os dirigentes comunistas afirmavam uma coisa, as pessoas compreendiam-na de forma completamente contrária. Por exemplo, se os mídias oficiais diziam que o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética estava de “boa saúde”, isso significava que estava a ser preparado mais um funeral.
Esta tradição passou para a época de Boris Ieltsin. Quando todo o mundo já sabia que o Presidente russo estava gravemente doente, o seu porta-voz veio afirmar que ele tinha “um apertar de mão forte”. Passado uns dias, teve de ser operado com urgência ao coração.
Aquando da invasão da Crimeia, Putin usou e abusou deste tipo de propaganda. Quando já era evidente que parte do território ucraniano estava inundado de “homenzinhos verdes” e “homenzinhos bem-educados”, o dirigente russo jurava que não tinha enviado para lá tropas especiais. Claro que depois se veio gabar deste seu “grande feito estratégico”.
O seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, emita o chefe, mas de forma menos diplomática. Ainda hoje afirmou que a Rússia não tem tropas na Ucrânia! Isto até pode ser verdade se retirarmos as que lá estão sob a capa de “voluntários” (como se ainda estivéssemos na época da Guerra Civil em Espanha) ou de “militares que tiraram férias para ir em ajuda dos russófonos”. A levar isto a sério, concluímos que os terroristas do DAESH podem ser também “militantes jihadistas que decidem ir passar férias à Síria ou ao Iraque par ajudar os seus irmãos”.
Neste sentido, também é difícil acreditar na justiça do tribunal russo que condenou a piloto ucraniana Nadejda Savtchenko a 22 anos de prisão alegadamente por ter participado no assassinato de dois jornalistas russos e de ter ilegalmente atravessado a fronteira russo-ucraniana. Ela, por sua vez, alega que não participou nessa operação e que foi raptada em território ucraniano.
Numerosas ONG’s e governos estrangeiros apelaram a Putin para libertar a piloto, mas este responde que não se ingere na justiça russa. Assim como não se “ingere” quando livra da prisão corruptos como o antigo ministro da Defesa da Rússia e os recoloca em novos cargos importantes. À beira disto, a entrada de Lula para o governo de Dilma Roussef no Brasil é uma brincadeira de crianças.
Depois disto, acreditem que a política externa russa se distingue da ocidental pelo facto de “não ter padrões duplos”.
Quando do atentado em Bruxelas, Moscovo parece que estava mesmo à espera que isso acontecesse para gritar em uníssono: “isso aconteceu porque os europeus não se querem juntar à Rússia na luta contra o terrorismo”. Que foi precisamente o que ocorreu. Recordo que Moscovo só reconheceu que a queda do avião comercial russo na Península do Sinai foi um acto terrorista depois da “matança de Paris”.
Considerando que a Rússia é fundamental no combate ao terrorismo internacional, não nos devemos esquecer que o Kremlin é habitado por políticos que seguem “numerosos padrões” e diversos objectivos, estando entre eles o enfraquecimento e divisão da União Europeia, o reconhecimento por esta de “coutadas russas” no antigo espaço soviético e no Médio Oriente. Depois, se tiverem algum êxito, os apetites irão aumentar.
Mas é preciso também ter em conta nas relações com Putin que este tem mais olhos do que barriga.

Infelizmente, a União Europeia continua à deriva, o que nada promete de bom. 

1 comentário:

Anónimo disse...

"Numerosas ONG’s e governos estrangeiros apelaram a Putin para libertar a piloto, mas este responde que não se ingere na justiça russa."

o cancro do sec. 21 ... ONG's.