O rosto da batota internacional
A apresentação pela Bulgária de uma nova candidata ao cargo
de Secretário-Geral das Nações Unidas traz à memória um dos mais famosos
aforismos de Victor Tchernomirdin, antigo-primeiro ministro russo: “Queremos
fazer da melhor forma, mas o resultado é sempre o mesmo”.
Tinham-nos prometido que, desta vez, a eleição do
Secretário-Geral da ONU seria aberta e transparente, com debates e provas orais
dos candidatos, mas, pelos vistos, isso não passou de mais uma promessa falsa.
Embora o nome da nova candidata seja Kristalina, a sua eleição, a acontecer,
será mais uma nódoa negra numa organização que já não goza de muito boa fama.
As autoridades búlgaras consideraram por bem substituir Irina
Bokova por Kristalina Gueorguieva a meio da corrida. É como se uma selecção
pudesse mudar uma atleta que está a fazer mau desempenho a meio de uma corrida
de maratona por uma melhor preparada. “Devemos agradecer à nossa candidata
(Bokova), mas é necessário uma abordagem e tomada de posição responsáveis,
garantir o apoio do governo búlgaro a Kristalina Gueorguieva”, declarou Daniel
Mitov, chefe da diplomacia búlgara.
É de salientar que nem na Bulgária essa decisão foi consensual
e fortemente criticada pelas forças da oposição. O Partido Socialista Búlgaro
considerou-a “uma traição dos interesses da Bulgária e uma submissão a
interesses alheios”. A “Alternativa do Renascimento Búlgaro” manifestou
desilusão: “Outra candidata não terá possibilidades, o que foi já sublinhado
por vários peritos; neste caso, parece que estamos a prestar um serviço a uma
terceira candidatura que quer afastar uma forte oponente [Bokova] da corrida”.
Se assim for, o objectivo poderá ser eleger, enquanto figura
de compromisso, Miroslav Lajcvak, actual primeiro-ministro da Eslováquia, e um
dos mais votados durante as provas já realizadas.
Mas a ser verdade que a ideia da candidatura de Kristalina
Gueorguieva tem o apoio de Angela Merkel e de alguns dirigentes da União
Europeia e que a chanceler alemã tentou recorrer aos serviços de Vladimir Putin
para que a Rússia, membro do Conselho de Segurança da ONU e, por conseguinte,
com direito a veto, na segunda búlgara, seria bom que, nas próximas provas, se
colocasse a Gueorguieva a seguinte pergunta: “Qual a sua posição face à
anexação da Crimeia pela Rússia”. Bokova, quando confrontada com a mesma
pergunta, não respondeu. Entre 2004 e 2007, Gueorguieva foi dirigiu o
Departamento do Banco Mundial para a Rússia.
Ou talvez não seja necessário fazer isso, porque, segundo as
minhas fontes, Moscovo tem-se recusado até agora a apoiar Gueorguieva.
Merkel, ao lançar esta candidatura, pois a Bulgária não é
mais de que uma correia de transmissão, imaginou que a Alemanha tem o mesmo
poder no mundo que possui na Europa e, uma vez mais, poderá enganar-se
amargamente. Até se “esqueceu” que o seu país não faz parte do quinteto com
direito a veto no CS da ONU.
Independentemente de António Guterres ser português, o facto
é que as manobras que estão a ser feitas para impedir a sua eleição mostram
cada vez mais claramente que a União Europeia se assemelha à linha do
horizonte: afasta-se quando nos tentamos aproximar dela. Continua a não ter qualquer sentido falar de
política externa comum. As intrigas e os interesses mesquinhos prevalecem.
Gostaria de ver António Guterres no cargo de Secretário-Geral
da ONU, mas estou muito pessimista, tendo em conta o peso pequeno que a nossa
diplomacia tem neste processo em comparação com potências de “outro
campeonato”.
Porém, pode-se desde já dizer que o processo de eleição do
próximo Secretário-Geral da ONU já foi manchado pelas intrigas e guerras de
bastidores, o que não promete nada de bom à maior organização internacional que
cada vez tem menos prestígio e crédito. Talvez fosse melhor reconhecer que há
muito se trata da Organização das Nações Desunidas. No lugar de concentrar
forças na sua reforma profunda, a ONU para seguir o mesmo destino da Sociedade
das Nações.
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