sexta-feira, novembro 18, 2016

Quando a verdade deixa de ser revolucionária

"Lenine viveu, Lenine vive, Lenine viverá" (V.Maiakovskii)


Dizem os comunistas que “só a verdade é revolucionária”, mas apenas a verdade deles. Assim foi e assim será nas prometidas celebrações do centenário da chamada revolução de Outubro de 1917.
O Avante, órgão do Comité Central do Partido Comunista Português, prometeu, no penúltimo número, um amplo programa de celebrações do centenário do golpe de Estado que impôs uma ditadura comunista na Rússia em 1917, mas não esperem por novidades ou surpresas.
A não ser que o XX Congresso do PCP, marcado para o próximo mês de Dezembro, se transforme em algo semelhante ao mesmo congresso do Partido Comunista da União Soviética, que pôs fim ao culto da personalidade do ditador José Estaline e denunciou parte dos seus crimes. Tal coisa ninguém espera até porque, como repetem os dirigentes comunistas, não há comparação possível, pois no PCP não houve, nem há culto da personalidade e esse partido é um exemplo de virtudes, tanto mais agora quando renuncia à sua coerência para servir de muleta ao governo socialista.
Pelo contrário, espera-se que tudo continue na mesma, sem quaisquer desvios da linha ideológica do PCP. Neste caso, não espero novidades, embora a celebração de um centenário é sempre um bom momento para revelar algo de inédito.
Posso deixar aqui algumas ideias. Por exemplo, o jornal Avante promete editar “obras reunindo textos de Lénine e Álvaro Cunhal sobre a Revolução de Outubro e ainda reeditado o livro de John Reed Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Esperam-se as reedições do costume, como, por exemplo, “Que fazer?”, “Teses de Abril”, “Estado e Revolução” de Vladimir Lenine. Talvez não valha a pena reeditar obras como “Esquerdismo: doença infantil do comunismo” do mesmo autor ou “O Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista” de Álvaro Cunhal para não ofender o Bloco de Esquerda.
Mas não seria mau editar as centenas de textos de Lenine que estiveram proibidos durante o regime soviético (1917-1991) e que ainda não foram traduzidos para a língua portuguesa.  Sem dúvida que ajudariam a formar uma imagem mais fiel e real do dirigente comunista, mostrando mais concretamente que o estalinismo não é um desvio, mas uma continuação do marxismo-leninismo.
Por exemplo, um telegrama enviado por Lenine para Lev Trotski a 22 de Outubro de 1919: “Dar cabo de Iudenitch (precisamente dar cabo, exterminar) é para nós diabolicamente importante. Se a ofensiva começou, não se poderá mobilizar mais 20 mil operários de Petrogrado e mais 10 mil burgueses, instalar atrás deles metralhadoras, fuzilar várias centenas e conseguir um verdadeiro ataque massivo contra Iudenitch?”.  
Nikolai Iudenitch foi um dos principais generais que comandou tropas brancas, que reuniam os adversários dos comunistas durante a guerra civil entre 1917 e 1922, e que, segundo alguns cálculos, poderia ter causado de 8 a 13 milhões de vítimas mortais.
Noutro telegrama proibido de Lenine, datado de 28 de Fevereiro de 1920, ele ordena: “Precisamos muito de petróleo, escrevei um manifesto à população onde se diga que cortaremos em pedaços todos os que queimarem e estragarem o petróleo, os poços, e que, pelo contrário, ofereceremos a vida a todos se Maikop e principalmente Grozni nos forem entregues sem estragos”.
Seria também útil revelar que instruções dava Vladimir Lenine aos seus camaradas para enganar as delegações estrangeiras que queriam visitar a Rússia Soviética. Neste caso concreto, dirigentes sindicais ingleses.
A 6 de Abril de 1920, ele ordena: “Para receber os chefes dos Trade Unions é preciso:
1)              criar uma comissão constituída por Radek, Melnitchanski, Frainber mais dois que estiveram na Inglaterra e na América e mais Tchetcherin.
2)              Tarefas da comissão:
a)    organizar a impressão (pelo menos de 20 a 500 exemplares) de folhas volantes em inglês para os “hóspedes”.
b)   arranjar tradutores seguros que devem acompanhar permanentemente os “hóspedes”.
c)     organizar uma campanha na imprensa soviética (artigos curtos, de 5 a 10 linhas, que desmascarem completamente os hóspedes, enquanto social-traidores, mencheviques, participantes na pilhagem inglesa das colónias, etc.”
d)   fazer a mesma campanha nos comícios de trabalhadores sob a forma de convite para os hóspedes para ouvirem discursos e para que lhes sejam feitas “perguntas”. Chamamo-los para centenas de fábricas em São Petersburgo e Moscovo…
                
Resumindo: no fundo, organizar a calúnia e caluniar, mas sob formas extremamente bem-educadas”.
E talvez não fosse má ideia revelar os verdadeiros planos daquele dirigente comunista russo que disse querer construir o socialismo num país e renunciar à revolução mundial. A 23 de Julho, Lenine escreve a José Estaline, que lhe veio a suceder no reforço da ditadura comunista: “A situação na Internacional Comunista é fantástica. Zinoviev, Bukharin e eu pensamos que se deve incentivar a revolução imediatamente na Itália. A minha opinião pessoal é que para isso é preciso sovietizar a Hungria, talvez também a República Checa e a Roménia. É preciso pensar bem. Comunique-me a Sua conclusão pormenorizada…”.
Mas devo estar a sonhar, porque a verdade nem sempre é revolucionária.



Sem comentários: