Passadas as guerras napoleónicas, a Rússia volta novamente às viagens de circum- navegação. Entre 1819 e 1821, Fabian Gottlieb Thaddeus von Bellingshausen comanda uma expedição que, entre outros objectivos, descobre a Antártida.
Bellingshausen deixou-nos um diário de bordo com algumas notas sobre a vida no Rio de Janeiro: «A cidade está situada de forma bastante correcta, mas as ruas, na sua maioria, são estreitas; há algumas praças boas e casas de dois andares; no andar de baixo estão lojas ou oficinas, tais como: merceneiros, sapateiros, alfaiates, polidores de pedras, ourives de prata e ouro, etc. Nos andares estão as habitações. O lixo e todas as porcarias são atirados directamente para as ruas; ao fim da tarde, quando escurece, é impossível andar perto das casas sem correr o risco de ser molhado do andar de cima; na cidade, em geral, é evidente uma sujidade horrível»21.
O oficial russo fica impressionado com o peso da religião na vida do Rio de Janeiro: «Todas as colinas estão ocupadas por mosteiros, que enfeitam o aspecto externo da cidade. Pode dizer-se que só quase os monges gozam aqui de ar saudável e das agradáveis vistas das alturas. Durante a nossa permanência, quase diariamente víamos nas ruas e templos procissões; a julgar por isso, um estrangeiro desprevenido concluiria do gosto dos habitantes locais para festas».
O tráfico de escravos não passou despercebido ao oficial russo: «Aqui encontram-se várias tendas onde se vendem negros: homens, mulheres e crianças. Quando se entra nessas tendas asquerosas, vê-se várias filas de negros sentados, cobertos de tanga, os pequenos à frente e os grandes atrás. Em cada tenda encontra-se permanentemente um dos portugueses ou dos negros anteriormente trazidos; é dever desse guarda tentar apresentar esses infelizes da melhor e mais alegre forma quando chegam os compradores. Ele tem na mão um chicote ou uma vara; quando faz um sinal, eles levantam-se, depois saltam entoando canções de dança; se algum deles, segundo o vendedor, olha, salta ou canta de forma insuficientemente alegre, ele incute-lhe vivacidade com a vara. O com- prador, depois de escolher o seu escravo, tira-o da fila, vê-lhe a boca, apalpa-lhe todo o corpo, bate-lhe com as mãos em diferentes partes e, depois desses exames, ficando convencido da resistência e saúde do negro, compra-o. Na nossa presença foi vendido um por 200 taleres espanhóis. Na tenda feminina está tudo disposto da mesma ordem, mas com a diferença de que as negras estão cobertas à frente por um pequeno pedaço de tecido azul e algumas têm também os peitos cobertos. Na tenda entraram connosco uma velha e uma jovem menina; eram portuguesas. Depois de combinarem o preço de uma jovem negra, viram-lhe a boca, levantaram-lhe as mãos e afastaram o pedaço de tecido do peito; finalmente, a velha apalpou a barriga com ambas as mãos; parece que o preço pedido pelo dono era demasiadamente grande e elas não compraram essa negra e foram para outra tenda. A revista, a venda, a sujidade, o cheiro nauseabundo exalado pelos numerosos escravos e, finalmente, a vigilância bárbara com chicote ou vara, tudo isso provoca nojo em relação ao dono desumano da tenda»22.
Os comandantes dos navios russos, que chegaram a 2 de Novembro de 1921, foram recebidos pelo rei D. João VI a 9 do mesmo mês: «o rei honrou-me com algumas per- guntas sobre o Rio de Janeiro, sobre o porto, sobre o objectivo da nossa viagem, e, depois das saudações normais, fez uma vénia e nós curvámo-nos até à cintura e recuámos sem... (continua)
21 Беллинсгáузен, Фаддéй Фаддéевич «Двукратные изыскания в Южном Ледовитом океанеи плавание вокруг света в продолжение 1819, 1820 и 1821 годов», M., 1949, c. 52-59 (BELLINGSHAUSEN, F. F. – Duas buscas no Oceano Glaciar Antárctico e viagem de circum-navegação durante 1829, 20 e 21, realizadas nos navios «Vostok» e «Mirni» sob o comando do capitão Bellingshausen, comandante do navio «Vostok»... Moscovo, 1949, p. 52-59).
22 Ibidem.
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