terça-feira, março 26, 2019

Delírio sobre a família



(Relato de um pesadelo)

Numa sociedade pequena e fechada como a portuguesa, onde reinam as capelinhas, corporações, etc., é difícil que familiares não se cruzem em empregos ou cargos no Governo ou noutras instituições. A endogamia é uma característica das sociedades pequenas, que visam proteger os seus membros.
Os que defendem que a família é a célula básica da sociedade deveriam estar calados quanto à presença de muitos familiares num governo ou num partido político, pois a família deve estar à frente de tudo. Ou será que não é assim? 
Isto é um sinal de que o Partido Socialista se converteu aos valores mais conservadores.
O mesmo gostaria de poder pensar a direita em relação ao “fenómeno familiar” no Bloco de Esquerda e penso que é para ter esperança nisso, pois esse partido de extrema-esquerda é mais “português” do que “marxista”, doutrina cujos fundadores afirmam que a família não passa de uma invenção da sociedade de classes. 
Karl Marx escrevia: "Sobre quais fundamentos se assenta a família actual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o proveito privado. Em sua forma completamente desenvolvida, a família tradicional é uma instituição burguesa e existe somente na burguesia”, e acrescenta que seria relativamente fácil abolir a família depois da abolição da propriedade da burguesia. 
"A família burguesa será naturalmente eliminada com o eliminar deste seu complemento, e ambos desaparecerão com o desaparecimento do capital", escreveu um dos mestres da extrema-esquerda.
Por isso, pensarão talvez os dirigentes do BE, enquanto não se consegue derrubar a burguesia e abolir a família, o melhor é proteger esta última.  
Não ficarei espantado se nos outros partidos tradicionais (de esquerda e de direita) a “protecção da família” for semelhante. Um dos sinais de que assim pode ser é o conflito laborar entre o Partido Comunista Português e um dos membros da dinastia comunista dos Casanova.
E se é proibido e feio discriminar pelo sexo, religião, opção política, etc., porque é que a família tem de ser motivo para se discriminar os familiares? Afinal são parentes, não são estranhos nenhuns... 
E também existe outro forte argumento. Se há empresas familiares privadas, porque é que não pode haver públicas? Se estas últimas forem bem geridas, isso apenas contribuirá para o bem comum. Imaginem que o governo fosse uma grande família e nós vivêssemos felizes e contentes. Alguém viria para as ruas protestar ou fazer greve? Por enquanto ainda há protestos e indignação porque a família ainda é pequena, mas, por este andar, a felicidade está ao cruzar da esquina...
Por isso, fixei perplexo, para não dizer indignado, quando o dirigente do PSD veio tentar difamar uma das mais bonitas festas em família: a consoada. Afirma ele: “omal é achar normal que o Governo, e depois tudo o que anda à volta do Governo, ande à volta, também, de laços familiares. Um primo aqui, um irmão e a mulher acolá. Mesmo o Conselho de Ministros parece uma ceia de Natal”. Não compreendo como é que ousou criticar a ceia de Natal, ofendendo não só as famílias portuguesas, mas também o bacalhau com batatas, as rabanadas à poveira, etc.
E se continuarem os investigadores a cavar e a chegar ao nível das autarquias, receio que não haja salas, nem mesas tão grandes para acolher as ceias de Natal de que Rui Rio fala, ou melhor, as reuniões de câmara, etc. 
Por isso, pode-se concluir que este ataque contra o governo socialista não passa de mais uma vil campanha contra a família tradicional. E o que leva o Bloco de Esquerda a não lutar contra esta instituição obsoleta no seu interior? A resposta foi acima dada por Marx e, nesse partido ainda se conservam pais e filhos, irmãos e irmãs, primos e primas.
E quem não põe a família em primeiro lugar que atire a primeira pedra!
Afinal, nem tudo está perdido, direi eu aos defensores de um dos fundamentos tradicionais da sociedade portuguesa: a FAMÍLIA. Nem sequer o Bloco de Esquerda com todo o seu vanguardismo bolorento. 
E isto diz muito respeito também aos monárquicos, pois sem pais e filhos, ou seja, sem família e boas relações familiares, não há herdeiros da coroa. Por isso, devem elogiar o actual governo

P.S. Esta reflexão foi fruto de um pesadelo, não a levem muito a sério. Qual semelhança com o real é apenas fruto da má disposição do autor. 

1 comentário:

Manuel Galvão disse...

Os partidos da direita rasgam as vestes furiosos porque os partidos no Poder colocam familiares em cargos por si controlados. Virgens impolutas! quando foram eles a mandar, nunca usaram tais práticas! por decoro! por pudor!

Pois eu, que tive 3 empregos durante a minha vida ativa, um como funcionário público num ministério (12 anos), outro numa empresa pública (4 anos) e outro numa empresa privada (20 anos), em todos esses sítios constatei haver familiares deste ou daquele colaboradores.

As pessoas que já estão empregadas e sabem que é necessário recrutar mais gente, é natural que influenciem o Departamento de Pessoal a admitir amigos, ou conhecidos, ou familiares que sabem poder atuar como seus aliados dentro das organizações. Isto não tem nada de mal. Os próprios patrões facilitam este tipo de recrutamento, pois ele conduz a cadeias de responsabilidade que se auto-regulam nas funções que desempenham.

Não tem nada a ver com “tachos”. Esse assunto é noutro capítulo.

Se o meu primo a quem eu arranjei emprego na empresa em que trabalho se portar mal, sou eu o primeiro a chamar a atenção para que corrija o comportamento (relações inter pessoais, assiduidade, produtividade, etc.).