quarta-feira, abril 10, 2019

História: O que une Portugal à Estónia?


Vista de Talin

Texto publicado pela primeira vez a 17 de Setembro de 2006: 

Reza a lenda que foi graças às pressões da católica Berengária que o seu marido decidiu, em 1210, lançar uma cruzada contra os últimos povos pagãos do Báltico Pela primeira vez na sua História, Portugal inaugurou uma representação diplomática em Talin, capital da Estónia, tarefa realizada por uma mulher: a embaixadora Ana Paula Zacarias. Era necessário dar esse passo, pois os dois países fazem parte do mesmo espaço económico e político: a União Europeia. 
Porém, os primeiros contactos entre os dois povos ocorreram na Idade Média e o mar era o principal corredor de ligação entre eles. E, talvez coincidência ou sinal do destino, os primeiros contactos entre portugueses e estónios estão ligados a outra mulher: Berengária de Portugal (1194-1221), filha do Rei D. Sancho I e de Dulce de Barcelona e Aragão. 
A princesa portuguesa casou-se em segundas núpcias com Valdemar II, o rei da Dinamarca cognominado de "Conquistador" e "Vitorioso". Reza a lenda que foi graças às pressões da católica Berengária que o seu marido decidiu, em 1210, lançar uma cruzada contra os últimos povos pagãos do Báltico, entre os quais se encontravam os "eestis", a fim de os converter ao cristianismo. 
Uma outra lenda conta que a 15 de Junho de 1219, durante a batalha de Lyndanisse (local onde actualmente se situa Talin), do céu caiu milagrosamente nas mãos de Valdemar II um pedaço de tecido vermelho com uma cruz branca estampada no meio, que se veio a transformar na bandeira da Dinamarca. Segundo uma das versões existentes, a própria cidade de Talin deve o seu nome a esse Rei: Taani-linna (a cidade dos dinamarqueses). 
Desde os primórdios da nacionalidade portuguesa que existiam contactos directos entre Portugal e a Estónia, principalmente de cariz comercial. Talin, depois de conquistada pelos cruzados teutónicos, transformou-se num dos importantes portos marítimos hanseáticos onde chegavam o sal, as frutas secas e o vinho portugueses, que, em seguida, eram encaminhados para locais tão longínquos como a Rus (Rússia). Em troca, eram exportados para os portos portugueses produtos como peles, cânhamo, linho, madeiras, etc. 
No início do séc. XVIII, ao abrir "a janela para a Europa", o czar russo Pedro I anexa as terras estónias ao seu império, continuando os portos de Talin e Pärnu a manter o seu carácter estratégico. Entre 1721 e 1755, por exemplo, só a Reval (como então se chamava Talin) aportaram 70 navios de várias nacionalidades provenientes de portos portugueses. Por isso, o senhor das Rússias envia um dos seus mais fiéis colaboradores: António Vieira, judeu de origem portuguesa que chegou a ocupar o cargo de chefe da polícia de São Petersburgo, para reconstruir o porto de Talin.
A aldeia de Vääna, a algumas dezenas de quilómetros da capital estónia, viu nascer Otto-Magnus von Stackelberg, barão de origem alemã que desempenhou um papel relevante no estabelecimento das relações diplomáticas entre as cortes de Lisboa e São Petersburgo. Representante diplomático da Rússia em Madrid entre 1767 e 1711, segue com atenção a situação política em Portugal. 
Numa das suas cartas enviadas à imperatriz Catarina II, Stackelberg caracteriza da seguinte forma o Marquês de Pombal: "O seu génio penetra todos os ramos do Estado, ao mesmo tempo que dá ao comércio toda a prosperidade possível no contexto da situação pouco vantajosa que existe no comércio entre Portugal e a Inglaterra... Homem raro que conseguiu abalar parcialmente o jugo que Portugal sofria devido aos tratados com Carlos II de Inglaterra."
É precisamente no reinado da czarina Catarina II que a Rússia passa a ter interesses importantes no Mediterrâneo, vendo-se obrigada a enviar para lá armadas militares. Estas passam a ter em Lisboa um seguro porto de apoio para reabastecimento dos navios russos.
Situada nas costas do mar Báltico, a Estónia é também terra de grandes navegantes. Aí nasceu e faleceu Johann Kruzenstern (1770-1846), que empreendeu a primeira viagem russa de circum-navegação (1803-1806), durante a qual visitou o Brasil e Macau. 
Na Estónia teve igualmente o seu berço o poeta Guilherme Kiukhelberg (1797-1846), homem ligado à cultura portuguesa. Conhecido pela sua participação activa no Movimento Dezembrista na Rússia, que tentou derrubar o czar Nicolau I em 1825, Kiukhelberg, tal como outros dezembristas, foi beber as ideias liberais que nortearam o movimento às revoluções liberais em Espanha e Portugal. Kiukhelberg figura entre os intelectuais russos que sabiam falar português e espanhol, tendo visitado a Península Ibérica. "Agora, nas horas livres, releio os meus livros espanhóis e portugueses e dedico maior atenção, entre outros, a Camões e ao criador de "D. Quixote"" - escreve ele da cidade de Cádis em 1819. 
Em meados do século XIX, Ivan Velho, neto de José Celestino Velho - mercador portuense e primeiro cônsul luso em São Petersburgo que passou a servir os czares russos e recebeu o título de barão -, foi governador da cidade estónia de Narva. Ainda hoje, no centro da urbe, se encontra um edifício conhecido por "Palácio do Velho", onde residiu o neto do negociante portuense. 
O século XX foi talvez um dos mais atribulados da história da Estónia. Por um lado, foi o tempo que viu nascer o primeiro Estado estónio independente, reconhecido pelo Governo da República Portuguesa de facto em 1918 e, "de jure", a 6 de Fevereiro de 1921. Por outro lado, essa independência foi sol de pouca dura devido, entre outros factores, à traição das democracias da Europa Ocidental, que assistiram imóveis à divisão da Europa do Leste entre Hitler e Estaline em 1939. 
Entre as duas guerras mundiais, Portugal manteve relações diplomáticas com a Estónia, mas sem ter qualquer representante seu neste país. Em Lisboa, os interesses estónios eram defendidos por um consulado-geral honorário em Lisboa, na pessoa de M. K. Andersen, bem como por dois vice-cônsules residentes em Ponta Delgada (Açores) e no Porto. 
A Estónia foi, entre 1918 e 1939, um refúgio para todos aqueles que procuravam escapar da ditadura comunista. Entre aqueles a quem os estónios deram guarida está o jornalista e escritor Piotr Piilski (1875-1941), descendente, por linha materna, de António Vieira.
Depois da catástrofe que foi a Segunda Guerra Mundial, a Estónia foi anexada pela União Soviética, acto que o Estado Novo e os governos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 não reconheceram como legítimo. É verdade que, em 1987, uma delegação parlamentar portuguesa visitou a União Soviética e, quando se preparava para embarcar no avião em Moscovo rumo a Talin, as autoridades de Lisboa lembraram-se de que isso significaria o reconhecimento de facto da anexação soviética e suspenderam a viagem. 
Portugal esteve entre os primeiros países que reconheceram o restabelecimento da República da Estónia a 27 de Agosto de 1991, mas está entre os últimos países europeus a abrir uma representação diplomática em Talin. Por seu lado, os estónios foram bem mais céleres e inauguraram a sua embaixada em Lisboa em 1998. 
Gradualmente, as trocas comerciais e os fluxos humanos aumentam, embora não tão rapidamente como ambas as partes pretendem. Mas há sinais positivos. Neste ano, por exemplo, cerca de cinco mil cidadãos da Estónia visitaram Portugal, número significativo para um país que tem apenas um milhão de habitantes. 
Porém, no campo cultural, o intercâmbio poderia ser mais intenso. Os portugueses conhecem apenas o escritor estónio Jaan Kross, autor do romance "O Louco do Czar", enquanto os estónios, por seu turno, têm apenas acesso a algumas obras de Eça de Queirós e Fernando Pessoa. Depois da adesão da Estónia à União Europeia cresce substancialmente o interesse pela língua lusa, a que o Instituto Camões correspondeu com o envio de dois leitores de português para as universidades de Talin e Tartu. 
No campo político, Portugal e Estónia são dois países pequenos no seio da União Europeia, o que os leva a uma cooperação mais estreita, a fim de defender os seus interesses face aos Estados mais poderosos. As autoridades estónias revelam grande interesse pela experiência de Portugal na adesão à União Europeia e ao euro, tentando, assim, evitar os erros cometidos pelos portugueses. 
Para os portugueses poderia ser interessante a experiência estónia no campo da sua reestruturação económica. Quando da desintegração da União Soviética, em 1991, algumas vozes em Moscovo profetizaram a falência económica e social da Estónia independente, mas o facto é que este país foi, entre as antigas repúblicas soviéticas, o que teve mais êxito na transição do "socialismo para o capitalismo", revelando uma taxa de crescimento económico anual invejável: 9,8 por cento. Os estónios apostaram em domínios promissores, como o turismo e as altas tecnologias. A Estónia não deixa, contudo, de enfrentar problemas complicados, como sejam o futuro da sua agricultura no seio da União Europeia ou as dificuldades da integração na sociedade estónia da numerosa comunidade russófona.

1 comentário:

Pedro disse...

Eu não sei se isto é rigorosamente assim, mas li uma vez que as tribos Suevas que se estabeleceram no norte do país e tiveram Braga (Bracara) como capital vinham também da região dos Bálticos (também já li que a origem seria um pouco mais a sul)