Sou daqueles que defendem que o problema do terrorismo jihadista
não pode ser resolvido sem a participação da Rússia neste combate. Porém, não
se pode fazer acordos com políticos que, criticando a política de padrões
duplos do Ocidente, actuam a seu bel prazer, reivindicando para si um papel
exclusivo e que não pode ser alvo de qualquer crítica.
O último exemplo. Quantas vezes o Presidente Vladimir Putin
repetiu que o seu país não tinha nem tencionava ter tropas terrestres no
território da Síria? E a sua corte que mais não faz do que repetir as palavras
do dono e senhor como “mantras”? Talvez dezenas de vezes.
Mas, afinal, estavam a mentir, pois o general Alexandre
Dvornikov, chefe do destacamento militar russo na Síria, reconheceu hoje que há
destacamentos especiais russos que actuam em território sírio.
“Não vou esconder que no território da Síria actuam também
destacamentos das nossas forças de operações especiais. Eles realizam
reconhecimento de alvos para os ataques da aviação russa, orientam os aviões
para os alvos nas regiões, realizam outras operações especiais”, precisou ele,
acrescentando que existem também “conselheiros militares”.
Claro que, do ponto de vista militar, isso até se justifica,
mas para quê enganar a opinião pública quando já todo o mundo sabia que para a
Síria tinham sido enviados não só pilotos militares?
Porque Putin e os seus conselheiros funcionam segundo o
princípio de que uma mentira mil vezes repetida acaba por ser aceite por
verdade. Só que se esqueceram que isso, na maior parte dos casos, tem o mesmo
efeito da propaganda soviética. A determinada altura, quando os dirigentes
comunistas afirmavam uma coisa, as pessoas compreendiam-na de forma completamente
contrária. Por exemplo, se os mídias oficiais diziam que o secretário-geral do
Partido Comunista da União Soviética estava de “boa saúde”, isso significava
que estava a ser preparado mais um funeral.
Esta tradição passou para a época de Boris Ieltsin. Quando
todo o mundo já sabia que o Presidente russo estava gravemente doente, o seu
porta-voz veio afirmar que ele tinha “um apertar de mão forte”. Passado uns
dias, teve de ser operado com urgência ao coração.
Aquando da invasão da Crimeia, Putin usou e abusou deste tipo
de propaganda. Quando já era evidente que parte do território ucraniano estava
inundado de “homenzinhos verdes” e “homenzinhos bem-educados”, o dirigente
russo jurava que não tinha enviado para lá tropas especiais. Claro que depois
se veio gabar deste seu “grande feito estratégico”.
O seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov,
emita o chefe, mas de forma menos diplomática. Ainda hoje afirmou que a Rússia
não tem tropas na Ucrânia! Isto até pode ser verdade se retirarmos as que lá
estão sob a capa de “voluntários” (como se ainda estivéssemos na época da
Guerra Civil em Espanha) ou de “militares que tiraram férias para ir em ajuda
dos russófonos”. A levar isto a sério, concluímos que os terroristas do DAESH
podem ser também “militantes jihadistas que decidem ir passar férias à Síria ou
ao Iraque par ajudar os seus irmãos”.
Neste sentido, também é difícil acreditar na justiça do
tribunal russo que condenou a piloto ucraniana Nadejda Savtchenko a 22 anos de
prisão alegadamente por ter participado no assassinato de dois jornalistas
russos e de ter ilegalmente atravessado a fronteira russo-ucraniana. Ela, por
sua vez, alega que não participou nessa operação e que foi raptada em
território ucraniano.
Numerosas ONG’s e governos estrangeiros apelaram a Putin para
libertar a piloto, mas este responde que não se ingere na justiça russa. Assim
como não se “ingere” quando livra da prisão corruptos como o antigo ministro da
Defesa da Rússia e os recoloca em novos cargos importantes. À
beira disto, a entrada de Lula para o governo de Dilma Roussef no Brasil é uma
brincadeira de crianças.
Depois disto, acreditem que a política externa russa se
distingue da ocidental pelo facto de “não ter padrões duplos”.
Quando do atentado em Bruxelas, Moscovo parece que estava
mesmo à espera que isso acontecesse para gritar em uníssono: “isso aconteceu porque
os europeus não se querem juntar à Rússia na luta contra o terrorismo”. Que foi
precisamente o que ocorreu. Recordo que Moscovo só reconheceu que a queda do
avião comercial russo na Península do Sinai foi um acto terrorista depois da “matança
de Paris”.
Considerando que a Rússia é fundamental no combate ao
terrorismo internacional, não nos devemos esquecer que o Kremlin é habitado por
políticos que seguem “numerosos padrões” e diversos objectivos, estando entre eles
o enfraquecimento e divisão da União Europeia, o reconhecimento por esta de “coutadas
russas” no antigo espaço soviético e no Médio Oriente. Depois, se tiverem algum
êxito, os apetites irão aumentar.
Mas é preciso também ter em conta nas relações com Putin que
este tem mais olhos do que barriga.
Infelizmente, a União Europeia continua à deriva, o que nada
promete de bom.
1 comentário:
"Numerosas ONG’s e governos estrangeiros apelaram a Putin para libertar a piloto, mas este responde que não se ingere na justiça russa."
o cancro do sec. 21 ... ONG's.
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