quarta-feira, junho 07, 2006

Contributos para a Historia - 1


Depois de uma passagem pela China, o Presidente de Angola passa por Moscovo e tem a seguinte conversa com Mikhail Gorbatchov, Presidente da URSS.
Documento do Arquivo de Mikhail Gorbatchov. Fundo 1-3

Nota da conversa de M.S.G. com o Presidente do MPLA- Partido do Trabalho e de Angola, José Eduardo dos Santos
28 de Outubro de
José Eduardo dos Santos. Os dirigentes chineses sublinharam, a todos os níveis, o desejo de normalizar as relações com a União Soviética. Nós sentimos bem isso. Os chineses sabiam que nós vínhamos para a URSS, que somos amigos da União Soviética. Eles pediram-nos para vos transmitir algo.

Mikhail Gorbatchov (M.S.G.). Eles são interlocutores espertos, como todas as pessoas no Oriente.

José Eduardo dos Santos (J.E.S.). Nós encontrámo-nos não só com Den Xiao Ping e o Primeiro-ministro Li Peng, mas também com Zhao Ziyang, secretário-geral do Comité Central Partido Comunista Chinês. O Primeiro-ministro foi o iniciador da conversa sobre como a China está interessada na normalização das relações com a URSS, afirmou que, agora, "desapareceram os três obstáculos...

M.S.G. Temos a sensação intuitiva de que os EUA irão travar os processos positivos em torno de Angola e da Namíbia com a ajuda da UNITA. Por intermédio da UNITA, eles querem conservar alguma influência em Angola. Serve-lhes a "variante afegã" de reconciliação. Por isso, vós deveis actuar de forma muito flexível. Mas também não se afastar das posições de princípio. De outro modo, Angola pode perder tudo. Mas você tem possibilidade de levar as coisas até ao fim em conformidade com os vossos interesses. Chegou a hora de agir, o importante é não deixar escapar o momento. E é preciso agir flexivelmente.

J.E.S. Você sabe porque é que eu vou a Marrocos? Entre mim e o rei deverá ter lugar uma conversa sobre a UNITA.

M.S.G. Como surgiu a ideia? Os EUA não participam nisso? Que papel quer desempenhar Marrocos?

J.E.S. Em 1984, quando eu propus a Houpbouët-Boigny, Presidente da Costa do Marfim, afastar Savimbi sob qualquer bom pretexto: férias, descanso, etc. Afastá-lo da arena política para abordar o problema da integração da UNITA. Houpbouët-Boigny recusou-se, argumentando que a UNITA representa uma força significativa que não foi derrotada. Nós continuámos a trabalhar com ele, convencíamo-lo que temos mais força, que a UNITA jamais tomará o poder em Angola. Os acontecimentos do ano passado, quando o exército da República da África do Sul foi derrotado, provaram a nossa verdade.
Agora, a este propósito, estamos em contacto permanente com o Congo, o Gabão e, agora, com Marrocos. Em Março deste ano, em Marrocos esteve um representante nosso: nós tentámos exercer pressão nos EUA para que eles deixassem de prestar ajuda à UNITA. Ao mesmo tempo, nós colocámos a questão da extradição de Savimbi. O rei Hassan II não recusou o nosso plano. E, agora, propôs que lhe fosse enviado um alto representante oficial angolano, na presença do qual ele tenciona propor a Savimbi que abandone o palco político.

M.S.G. Como é que o rei tem essa influência em Savimbi?

J.E.S. Durante muito tempo, os marroquinos prepararam para a UNITA quadros militares, forneceram armas até à recente normalização das relações angolano-marroquinas. O próprio Savimbi viveu muito tempo em Marrocos.
O rei Hassan II comunicou que entrou em contacto com Savimbi e este respondeu que está disposto a afastar-se se isso contribuir para a solução positiva do problema. Paralelamente, pedimos ao Congo e Gabão ajuda na popularização deste plano noutros países africanos.
Quando os EUA souberam desse plano, eles empreenderam uma manobra apoiando-se em Houpbouët-Boigny. Os americanos tentaram criar o comité africano para a reconciliação nacional em Angola.
Assim, há duas linhas nesta questão. Uma é a dos EUA e África do Sul. Outra é a nossa, que foi apoiada pela maioria dos países de África.

M.S.G. Significa que Savimbi se deve afastar e a sua corte deve integrar-se no processo político e no sistema estatal?

J.E.S. Sim. Não como militantes da UNITA, mas como particulares. Alguns farão parte do governo.

M.S.G. Penso que, se uma ou duas pessoas fizerem parte do governo, não constituirão uma ameaça. E, depois, o tempo colocará tudo no seu lugar.

J.E.S. Temos a mesma opinião na direcção. Mas será preciso explicar isso bem no interior do país.

M.S.G. Isso é muito semelhante à situação no Cambodja com os "khmeres vermelhos" e Pol Pot. Os "khmeres vermelhos" são uma realidade.

J.E.S. Sim, é isso. Há outro aspecto da questão. Quando formos assinar o acordo trilateral entre a África do Sul, Angola e Cuba e quando começar a reorganização da UNITA, iremos ter aguda necessidade de meios. Na ordem do dia estará a tarefa da reconstrução do país. E há já rascunhos: um "mini-plano Marshall" para Angola. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal está particularmente activo nesta questão. Propomos aos portugueses que preparem esse plano com a nossa participação. Gostaríamos que também a União Soviética nos apoie ao nível de organizações internacionais e na ONU. Tencionamos aumentar os esforços neste sentido se, claro está, for assinado o acordo trilateral.

M.S.G. É correcto que pensem já na etapa seguinte...
A perspectiva que se abre com a transição de Angola do estado de guerra para condições de paz, é uma coisa séria. Aqui é preciso pensarmos muito em conjunto. Ficamos assim: visto que se trata da forma como passar os vossos planos para o plano da política prática, é preciso realizar consultas pela linha do Comité Central e do Governo.
Porque se pode colocar a questão da retirada das tropas cubanas de Angola. Isto também é uma questão! Levaram-nas para lá e como retirá-las agora? Isto não é simples. Vamos pensar juntos.
Daremos orientações ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, à Secção Internacional do Comité Central, às instituições para ponderar toda a situação tendo em conta a entrada numa nova etapa do desenvolvimento de Angola. Esta questão merece uma discussão atenta.
O Ocidente, se não conseguir atingir os seus objectivos por via militar, tentará utilizar alavancas económicas. E isto não é menos perigoso. A Polónia afundou-se em dívidas com os ocidentais e não consegue sair. O FMI dá ordens à Hungria de como resolver as coisas. Nós também temos experiência, mas será difícil atrair-nos para uma ratoeira. Será preciso uma ratoeira demasiadamente grande! (Risos).
Concordamos em dar orientações e discutir estas questões. É preciso fazer isso rapidamente, não adiar.

J.E.S.Estou completamente de acordo consigo, é preciso fazer isso rapidamente.

M.S.G. Analisámos o vosso pedido de adiamento do pagamento das dívidas. A nossa situação não é simples. Mas nós compreendemos o que é Angola. Por isso fomos ao encontro. Os pagamentos são transferidos para 1996.

J.E.S. Isso é para nós uma notícia muito importante.

2 comentários:

Salucombo_Jr. disse...

Gostei do diálogo, não há muito a comentar porque os intervenientes da conversa disseram tudo.
Tirei a minha conclusão.

Kelly Cristina disse...

prezado milhazes, sabes qual o ano do diálogo? kelly.