NOTAS DA CONVERSA DE MIKHAIL GORBATCHOV COM A.CUNHAL (tiradas por Anatoli Tchernaiev, assessor do dirigente soviético)
30 de Dezembro de 1987
30 de Dezembro de 1987
(Nota nossa: este encontro ocorreu um mês depois do encontro de Gorbatchov com Mário Soares)
p.1
M.Gorbatchov fala do Plenário de Janeiro do CC, convocado para reflectir sobre a perestroika: "Terminou a primeira etapa da perestroika, caracterizada por discussões, críticas, a etapa dos comícios. Tomámos as medidas necessárias, elaborámos métodos de trabalho".
Início da "etapa de levar a perestroika à prática": introdução do autofinanciamento e da autogestão na produção.
Críticas da esquerda e direita. Os conservadores dizem para "se ter cuidado a fim de não prejudicar o socialismo". A esquerda diz que as reformas andam devagar. Além disso, "apareceram elementos extremistas que tentam impôr os seus valores"
p.2
"Dizemos a todo o mundo: vamos seguir o nosso caminho. Precisamos de mais socialismo, mais democracia"
"O Ocidente quer impôr-nos outros valores: toda a política de Gorbatchov - dizem os ocidentais - é um engano do povo e de todo o mundo".
p.3
"Por vezes, ouvimos perguntas dos amigos: Não estarão os camaradas soviéticos a fazer avarias? Não abalará isto o socialismo? Parece-nos que vocês fazem perguntas semelhantes. Consideramos que as consequências da perestroika terão enorme significado para a causa do socialismo, para tornar o rosto do socialismo realmente atraente".
p.4
"A transição para novos métodos de gestão económica incentiva a iniciativa, a criatividade das massas, aumenta o papel dos colectivos laborais... Se superarmos as dificuldades - estou convencido de que conseguiremos - isso terá enorme importância. Consideramos que serão necessários dois-três anos, ou, talvez, mais".
p.5 Conferência de Julho de 1988
"Dedicamos grande atenção a uma distribuição mais exacta de deveres entre o partido enquanto vanguarda política, como considerava Lénine, e os organismos estatais". "É preciso libertar o partido de funções que não lhe são próprias". Ele deve concentrar-se "nas questões fundamentais da política interna e externa.
"As conseqùências da perestroika não terão menos importância do que o que foi feito após Outubro".
Política externa
"Podemos chamar a nós a iniciativa, de forma firme e durante muito tempo, na política externa e utilizá-la nos interesses do socialismo. Consideramos que podemos conseguir na arena internacional resultados reais e exercer influência nas disposições no mundo".
p.6
"É preciso respeitar a vontade dos povos. Vocês vivam no vosso sistema, nós vamos reforçar e desenvolver o socialismo. Ninguém deve ter ilusões a este respeito" - disse Gorbatchov a Strauss.
"O movimento comunista tem reservas. A direcção principal consiste em mostrar: o socialismo é a alternativa real ao capitalismo. Quanto mais atraente for o rosto do socialismo, mais argumentos terão os nossos amigos. As dificuldades, que enfrentam os países socialistas numa dada etapa, criaram problemas também para o movimento comunista".
p.7
"Sobre a visita de Soares à União Soviética. Ele quis, aqui, agradar-nos, deixar boa impressão. Via-se que ele precisa de reforçar as suas posições, superar o atraso de Portugal no desenvolvimento das relações com a URSS em comparação com outros países da Europa Ocidental. Soares sublinhou o interesse pela nossa perestroika, apoiou a nossa política de paz. Falou do apego de Portugal ao mundo ocidental, de que a sua segurança está ligada ao Ocidente. Parece que para que o não compreendessemos incorrectamente.
Falou-se da África. Ele disse que os portugueses a conhecem bem devido às tradições históricas. Deixou escapar a ideia de que a escolha de alguns países africanos a favor da orientação socialista não dá resultados. Nomeadamente, em Angola.
Não falou de problemas políticos internos de Portugal. Limitou-se a dizer que Portugal reduziu a sua dívida externa. Não notei nada de agressivo nas suas palavras. Soares convidou-me a visitar Portugal. Disse-lhe que já conheci Portugal quando estive no X Congresso do PCP".
p.8
"Ao falar das nossas relações com a América, gostaria de assinalar que não se pode manter conversações com Reagan: ele não está em condições de se concentrar na discussão dos problemas mais de 10-15 minutos, perde o fio à meada nas conversas. Schulz pediu que, quando for necessário dizer algo à administração, isso seja feito através dele, bem como de Carlucci, Power".
p.10
Cunhal: "O camarada Gorbatchov disse que 1987 foi um ano importante para a URSS. Ano de dois importantes acontecimentos que se completam: no interior da URSS - a perestroika; no plano externa - a política de paz da URSS.
No que respeita à perestroika, o PCP considera os processos de perestroika na URSS como a continuação da causa revolucionária de Outubro. Trata-se de uma luta - e a luta, como é sabido, é acompanhada de dificuldades de carácter objectivo e subjectivo. Conhecemos os documentos do PCUS, apoiamos totalmente a política do XXVII Congresso do PCUS. Queremos que ela seja realizada.
Em Portugal, a perestroika é vista de forma diferente, contraditória. As forças de direita declaram que a perestroika é o fracasso do socialismo. (na margem: Que socialismo? Nota de Anatoli Tchernaiev). Esta fase não pode deixar de influir na opinião pública".
Gorbatchov: É o Ocidente que transmite isso através de todos os canais.
Cunhal: Eles realizam essa linha de forma selectiva, põem de parte todo o positivo e expõem os processos na URSS num plano negativo. Faz-se afinco no que está mal, no que não foi emendado.
Segundo a direcção do nosso partido, há insuficiências nos órgãos de informação soviéticos. Isto diz respeito às publicações soviéticas em línguas estrangeiras, nomeadamente as difundidas em Portugal. O nosso inimigo utiliza estes materiais contra os comunistas portugueses, o que nos cria dificuldades.
Algumas publicações não explicam a perestroika, mas deturpam-na. Não somos contra a abordagem das páginas brancas que existiam na História da URSS. Mas quando se difundem noutros países essas publicações, isso cria uma ieia deformada do socialismo. É desejável que se escolha com mais cuidado as publicações para difusão em Portugal, mostrar tudo o que de positivo se faz na URSS. Isso irá ajudar a Vós (? – sinal de interrogação colocado por Tchernaiev) e a Nós.
Isto também diz respeito a materiais sobre a situação noutros países socialistas. Como exemplo, posso citar um artigo recentemente publicado no "Pravda" sobre a situação na Hungria, sobre as medidas tomadas nesse país para sanear a economia. No jornal, assinalava-se que, em 1988, na Hungria serão aumentados os preços em 15%. A direita em Portugal agarrou-se a estes números e declarou imediatamente que o aumento de preços leva à diminuição do salário real dos trabalhadores. Os adversários dizem-nos: Que querem? A Hungria, Roménia, Jugoslávia e Polónia passam por sérias dificuldades económicas e financeiras. Têm uma enorme dívida externa. E vocês falam das vantagens do socialismo. Isto exerce influência negativa em Portugal, dá argumentos ao governo de direita na luta contra os comunistas.
Os inimigos do socialismo e do comunismo exploram estas dificuldades, parasitam nelas a fim de mostrar a incapacidade do socialismo de resolver os seus problemas. Incutem nas massas a ideia de que o socialismo não é a perspectiva para onde avançar.
Explicamos às massas a importância da perestroika, dizemos que estes processos se desenvolvem com base nos êxitos da URSS, conseguidos em diferentes etapas do socialismo, mostramos o seu significado histórico, a superioridade do socialismo em relação ao capitalismo. Difundimos a verdade sobre a URSS. Nalgumas publicações difundidas em Portugal, escreve-se o que houve de mau na história do socialismo, na economia, na esfera das finanças e da ideologia. É indispensável mostrar os aspectos positivos da perestroika, as suas perspectivas, mostrar o que feito antes, falar muito dos êxitos do socialismo.
Frequentemente, noutros países socialistas, surge a tendência para a transposição mecânica do que se faz noutro país. Copiar o que se passa na URSS produz resultados contrários.
p.13
Gorbatchov: Sei do que fala, camarada Cunhal.
Cunhal: Não cito países ( Na margem, escrito à mão: Bulgária). Num dos países socialistas, foi anunciada a autogestão em todas as esferas. Compreendemos que estas medidas têm carácter precipitado.
Gorbatchov: Nós também. Encontrámo-nos com os camaradas, falámos abertamente com eles sobre isso. Embora, claro está, isso não seja simples.
Mas nós não podemos comandar. A propósito, nas relações com os países socialistas, é necessário conservar o espírito de camaradagem, responsabilidade, não ingerência. Que cada partido responda perante o seu povo.
Cunhal: Isso é a única decisão correcta, a única atitude correcta.
p.15
Cunhal: As mudanças que ocorrem na arena internacional estão, antes de tudo, ligadas à linha do PCUS e do Estado Soviético...
Ao falar da política externa, deve assinalar-se que há diferenças na forma de realização da política do partido e do Estado. A política do Estado e a política do partido coincidem em muitos aspectos, quando o partido se encontra no poder. Mas a linguagem diplomática nem sempre é suficientemente exigente do ponto de vista da ideologia. Nas relações entre estados, os interlocutores encontram-se em diferentes posições ideológicas, mas a linguagem diplomática nem sempre corresponde às exigências ideológicas.
Gorbatchov: Há a política de estado e há a concepção ideológica. A política do partido e a política do estado coincidem no fundamental. É precisamente na base da política do partido que se elabora a linha nas relações entre estados.
Cunhal: É difícil a questão dos compromissos na solução dos problemas
regionais. Numa situação concreta, quando da abordagem de problemas globais, surge sempre a questão: para uma dada região, para um dado país, essas soluções globais entram em contradição com os interesses dos países dessa região. É muito difícil encontrar uma coincidência de interesses de um país com os interesses de um grupo de países ou da região em geral. (Cunhal não entende. Ele continua a considerar que nós realizamos uma política de conjuntura para enganar o inimigo).
Gorbatchov defende o princípio do equilíbrio de interesses
Cunhal: Continuando a minha ideia sobre os compromissos, quero dizer que é muito complicado definir fronteiras que garantam a segurança de um ou outro país. Por exemplo, o problema da normalização da situação na Nicarágua. Ao analisar a possibilidade de solução política nessa região, coloca-se o problema: os compromissos entre os sandinistas e os seus adversários não conduzirão à perda das conquistas alcançadas durante a luta árdua? Claro que são necessárias cedências mútuas. Mas onde passa a linha a segurança para a Nicarágua? (Está ultrapassado)
Gorbatchov: Nós falamos claramente sobre isso: não imponham as vossas decisões à Nicarágua. Eu disse a Reagan: há o Processo de Contador, há os acordos de Guatemala. Que procurem soluções nessas vias. Que isso seja feito pelas partes interessadas. Para quê impôr uma solução a partir de fora?
Ajudamos de todas as formas o Afeganistão, mas não há garantias de que tudo decorrerá como queremos. O que aconteceu no Afeganistão foi um golpe palaciano. Aí tentaram empurrar o país da sociedade primitiva para o socialismo.
p.19
Cunhal aborda a situação em Angola e Moçambique: "Os camaradas nesses países fizeram uma opção a favor da orientação socialista. São regimes progressistas. Mas o nível de desenvolvimento económico e social neles é inferior ao de muitos estados africanos".
Gorbatchov:a responsabilidade é toda do apartheid. Por exemplo, Moçambique tem 40% da economia ligada à economia da República Sul-Africana. Se esta fechar os canais, isso significará a falência económica.
Machel e, agora, Chissano, tentam estabelecer contactos com o Ocidente. Dizem-nos: não prestem atenção a isso, são medidas a que somos obrigados. Mas os acontecimentos poderão decorrer de forma a que não seja possível defender esses regimes. O povo é a favor desses regimes. Mas os regimes não podem organizar uma vida normal, condições de vida indispensáveis para as pessoas.
Se os EUA, por exemplo, suspenderem a importação de petróleo de Angola, será o fim. Ajudamos a defender esses países. Isso é importante. Mas não se conseguiu progressos especiais na economia. Resolvem-se mal as questões de organização da vida económica nesses países. Fornecemos armas à Etiópia, Angola e Moçambique, aí estão tropas cubanas. Mas, nesses países, há disposições críticas e até anti-soviéticas.
Cunhal: A queda dos regimes em Angola e Moçambique significaria um duro golpe no movimento de libertação em África, a vitória do imperialismo.
Gorbatchov: Continuaremos a ajudar a Etiópia, Angola e Moçambique.
Sobre eleições parlamentares de Julho de 1987
Cunhal: O PCP sofreu perdas consideráveis nas eleições parlamentares. A sua representação diminuiu em 7 deputados. E embora expliquemos as perdas fundamentalmente com causas conjunturais, é evidente a redução política da base do partido.
Ofensiva da direita na revisão constitucional
Cunhal: A divisão das forças democráticas teve influência negativa nos resultados das eleições. Mas uma das principais causas do fracasso do partido foram as dúvidas de que se o partido seria ou não capaz de apresentar alternativa à política da classe dirigente, de participar no governo.
Temos desejo de lutar. Temos força e vontade. Mas é diffícil dar garantias.
Sobre a iniciativa de Cunhal de reunir os dirigentes dos partidos comunistas espanhol, francês, grego, português e italiano
Cunhal: os dirigentes de quatro partidos: Marchais, Florakis, Iglésias e eu acordamos realizar semelhante encontro. Só Natta tem algumas dúvidas a este respeito. Ainda não se manifestou sobre essa ideia. Natta parece ser a favor do encontro, mas diz que os seus camaradas não apoiam o encontro.
Um encontro para discutir os problemas do movimento comunista, as causas do seu actual estado.
Gorbatchov: os italinos têm um complexo qualquer face aos encontros dos partidos comunistas.
p.1
M.Gorbatchov fala do Plenário de Janeiro do CC, convocado para reflectir sobre a perestroika: "Terminou a primeira etapa da perestroika, caracterizada por discussões, críticas, a etapa dos comícios. Tomámos as medidas necessárias, elaborámos métodos de trabalho".
Início da "etapa de levar a perestroika à prática": introdução do autofinanciamento e da autogestão na produção.
Críticas da esquerda e direita. Os conservadores dizem para "se ter cuidado a fim de não prejudicar o socialismo". A esquerda diz que as reformas andam devagar. Além disso, "apareceram elementos extremistas que tentam impôr os seus valores"
p.2
"Dizemos a todo o mundo: vamos seguir o nosso caminho. Precisamos de mais socialismo, mais democracia"
"O Ocidente quer impôr-nos outros valores: toda a política de Gorbatchov - dizem os ocidentais - é um engano do povo e de todo o mundo".
p.3
"Por vezes, ouvimos perguntas dos amigos: Não estarão os camaradas soviéticos a fazer avarias? Não abalará isto o socialismo? Parece-nos que vocês fazem perguntas semelhantes. Consideramos que as consequências da perestroika terão enorme significado para a causa do socialismo, para tornar o rosto do socialismo realmente atraente".
p.4
"A transição para novos métodos de gestão económica incentiva a iniciativa, a criatividade das massas, aumenta o papel dos colectivos laborais... Se superarmos as dificuldades - estou convencido de que conseguiremos - isso terá enorme importância. Consideramos que serão necessários dois-três anos, ou, talvez, mais".
p.5 Conferência de Julho de 1988
"Dedicamos grande atenção a uma distribuição mais exacta de deveres entre o partido enquanto vanguarda política, como considerava Lénine, e os organismos estatais". "É preciso libertar o partido de funções que não lhe são próprias". Ele deve concentrar-se "nas questões fundamentais da política interna e externa.
"As conseqùências da perestroika não terão menos importância do que o que foi feito após Outubro".
Política externa
"Podemos chamar a nós a iniciativa, de forma firme e durante muito tempo, na política externa e utilizá-la nos interesses do socialismo. Consideramos que podemos conseguir na arena internacional resultados reais e exercer influência nas disposições no mundo".
p.6
"É preciso respeitar a vontade dos povos. Vocês vivam no vosso sistema, nós vamos reforçar e desenvolver o socialismo. Ninguém deve ter ilusões a este respeito" - disse Gorbatchov a Strauss.
"O movimento comunista tem reservas. A direcção principal consiste em mostrar: o socialismo é a alternativa real ao capitalismo. Quanto mais atraente for o rosto do socialismo, mais argumentos terão os nossos amigos. As dificuldades, que enfrentam os países socialistas numa dada etapa, criaram problemas também para o movimento comunista".
p.7
"Sobre a visita de Soares à União Soviética. Ele quis, aqui, agradar-nos, deixar boa impressão. Via-se que ele precisa de reforçar as suas posições, superar o atraso de Portugal no desenvolvimento das relações com a URSS em comparação com outros países da Europa Ocidental. Soares sublinhou o interesse pela nossa perestroika, apoiou a nossa política de paz. Falou do apego de Portugal ao mundo ocidental, de que a sua segurança está ligada ao Ocidente. Parece que para que o não compreendessemos incorrectamente.
Falou-se da África. Ele disse que os portugueses a conhecem bem devido às tradições históricas. Deixou escapar a ideia de que a escolha de alguns países africanos a favor da orientação socialista não dá resultados. Nomeadamente, em Angola.
Não falou de problemas políticos internos de Portugal. Limitou-se a dizer que Portugal reduziu a sua dívida externa. Não notei nada de agressivo nas suas palavras. Soares convidou-me a visitar Portugal. Disse-lhe que já conheci Portugal quando estive no X Congresso do PCP".
p.8
"Ao falar das nossas relações com a América, gostaria de assinalar que não se pode manter conversações com Reagan: ele não está em condições de se concentrar na discussão dos problemas mais de 10-15 minutos, perde o fio à meada nas conversas. Schulz pediu que, quando for necessário dizer algo à administração, isso seja feito através dele, bem como de Carlucci, Power".
p.10
Cunhal: "O camarada Gorbatchov disse que 1987 foi um ano importante para a URSS. Ano de dois importantes acontecimentos que se completam: no interior da URSS - a perestroika; no plano externa - a política de paz da URSS.
No que respeita à perestroika, o PCP considera os processos de perestroika na URSS como a continuação da causa revolucionária de Outubro. Trata-se de uma luta - e a luta, como é sabido, é acompanhada de dificuldades de carácter objectivo e subjectivo. Conhecemos os documentos do PCUS, apoiamos totalmente a política do XXVII Congresso do PCUS. Queremos que ela seja realizada.
Em Portugal, a perestroika é vista de forma diferente, contraditória. As forças de direita declaram que a perestroika é o fracasso do socialismo. (na margem: Que socialismo? Nota de Anatoli Tchernaiev). Esta fase não pode deixar de influir na opinião pública".
Gorbatchov: É o Ocidente que transmite isso através de todos os canais.
Cunhal: Eles realizam essa linha de forma selectiva, põem de parte todo o positivo e expõem os processos na URSS num plano negativo. Faz-se afinco no que está mal, no que não foi emendado.
Segundo a direcção do nosso partido, há insuficiências nos órgãos de informação soviéticos. Isto diz respeito às publicações soviéticas em línguas estrangeiras, nomeadamente as difundidas em Portugal. O nosso inimigo utiliza estes materiais contra os comunistas portugueses, o que nos cria dificuldades.
Algumas publicações não explicam a perestroika, mas deturpam-na. Não somos contra a abordagem das páginas brancas que existiam na História da URSS. Mas quando se difundem noutros países essas publicações, isso cria uma ieia deformada do socialismo. É desejável que se escolha com mais cuidado as publicações para difusão em Portugal, mostrar tudo o que de positivo se faz na URSS. Isso irá ajudar a Vós (? – sinal de interrogação colocado por Tchernaiev) e a Nós.
Isto também diz respeito a materiais sobre a situação noutros países socialistas. Como exemplo, posso citar um artigo recentemente publicado no "Pravda" sobre a situação na Hungria, sobre as medidas tomadas nesse país para sanear a economia. No jornal, assinalava-se que, em 1988, na Hungria serão aumentados os preços em 15%. A direita em Portugal agarrou-se a estes números e declarou imediatamente que o aumento de preços leva à diminuição do salário real dos trabalhadores. Os adversários dizem-nos: Que querem? A Hungria, Roménia, Jugoslávia e Polónia passam por sérias dificuldades económicas e financeiras. Têm uma enorme dívida externa. E vocês falam das vantagens do socialismo. Isto exerce influência negativa em Portugal, dá argumentos ao governo de direita na luta contra os comunistas.
Os inimigos do socialismo e do comunismo exploram estas dificuldades, parasitam nelas a fim de mostrar a incapacidade do socialismo de resolver os seus problemas. Incutem nas massas a ideia de que o socialismo não é a perspectiva para onde avançar.
Explicamos às massas a importância da perestroika, dizemos que estes processos se desenvolvem com base nos êxitos da URSS, conseguidos em diferentes etapas do socialismo, mostramos o seu significado histórico, a superioridade do socialismo em relação ao capitalismo. Difundimos a verdade sobre a URSS. Nalgumas publicações difundidas em Portugal, escreve-se o que houve de mau na história do socialismo, na economia, na esfera das finanças e da ideologia. É indispensável mostrar os aspectos positivos da perestroika, as suas perspectivas, mostrar o que feito antes, falar muito dos êxitos do socialismo.
Frequentemente, noutros países socialistas, surge a tendência para a transposição mecânica do que se faz noutro país. Copiar o que se passa na URSS produz resultados contrários.
p.13
Gorbatchov: Sei do que fala, camarada Cunhal.
Cunhal: Não cito países ( Na margem, escrito à mão: Bulgária). Num dos países socialistas, foi anunciada a autogestão em todas as esferas. Compreendemos que estas medidas têm carácter precipitado.
Gorbatchov: Nós também. Encontrámo-nos com os camaradas, falámos abertamente com eles sobre isso. Embora, claro está, isso não seja simples.
Mas nós não podemos comandar. A propósito, nas relações com os países socialistas, é necessário conservar o espírito de camaradagem, responsabilidade, não ingerência. Que cada partido responda perante o seu povo.
Cunhal: Isso é a única decisão correcta, a única atitude correcta.
p.15
Cunhal: As mudanças que ocorrem na arena internacional estão, antes de tudo, ligadas à linha do PCUS e do Estado Soviético...
Ao falar da política externa, deve assinalar-se que há diferenças na forma de realização da política do partido e do Estado. A política do Estado e a política do partido coincidem em muitos aspectos, quando o partido se encontra no poder. Mas a linguagem diplomática nem sempre é suficientemente exigente do ponto de vista da ideologia. Nas relações entre estados, os interlocutores encontram-se em diferentes posições ideológicas, mas a linguagem diplomática nem sempre corresponde às exigências ideológicas.
Gorbatchov: Há a política de estado e há a concepção ideológica. A política do partido e a política do estado coincidem no fundamental. É precisamente na base da política do partido que se elabora a linha nas relações entre estados.
Cunhal: É difícil a questão dos compromissos na solução dos problemas
regionais. Numa situação concreta, quando da abordagem de problemas globais, surge sempre a questão: para uma dada região, para um dado país, essas soluções globais entram em contradição com os interesses dos países dessa região. É muito difícil encontrar uma coincidência de interesses de um país com os interesses de um grupo de países ou da região em geral. (Cunhal não entende. Ele continua a considerar que nós realizamos uma política de conjuntura para enganar o inimigo).
Gorbatchov defende o princípio do equilíbrio de interesses
Cunhal: Continuando a minha ideia sobre os compromissos, quero dizer que é muito complicado definir fronteiras que garantam a segurança de um ou outro país. Por exemplo, o problema da normalização da situação na Nicarágua. Ao analisar a possibilidade de solução política nessa região, coloca-se o problema: os compromissos entre os sandinistas e os seus adversários não conduzirão à perda das conquistas alcançadas durante a luta árdua? Claro que são necessárias cedências mútuas. Mas onde passa a linha a segurança para a Nicarágua? (Está ultrapassado)
Gorbatchov: Nós falamos claramente sobre isso: não imponham as vossas decisões à Nicarágua. Eu disse a Reagan: há o Processo de Contador, há os acordos de Guatemala. Que procurem soluções nessas vias. Que isso seja feito pelas partes interessadas. Para quê impôr uma solução a partir de fora?
Ajudamos de todas as formas o Afeganistão, mas não há garantias de que tudo decorrerá como queremos. O que aconteceu no Afeganistão foi um golpe palaciano. Aí tentaram empurrar o país da sociedade primitiva para o socialismo.
p.19
Cunhal aborda a situação em Angola e Moçambique: "Os camaradas nesses países fizeram uma opção a favor da orientação socialista. São regimes progressistas. Mas o nível de desenvolvimento económico e social neles é inferior ao de muitos estados africanos".
Gorbatchov:a responsabilidade é toda do apartheid. Por exemplo, Moçambique tem 40% da economia ligada à economia da República Sul-Africana. Se esta fechar os canais, isso significará a falência económica.
Machel e, agora, Chissano, tentam estabelecer contactos com o Ocidente. Dizem-nos: não prestem atenção a isso, são medidas a que somos obrigados. Mas os acontecimentos poderão decorrer de forma a que não seja possível defender esses regimes. O povo é a favor desses regimes. Mas os regimes não podem organizar uma vida normal, condições de vida indispensáveis para as pessoas.
Se os EUA, por exemplo, suspenderem a importação de petróleo de Angola, será o fim. Ajudamos a defender esses países. Isso é importante. Mas não se conseguiu progressos especiais na economia. Resolvem-se mal as questões de organização da vida económica nesses países. Fornecemos armas à Etiópia, Angola e Moçambique, aí estão tropas cubanas. Mas, nesses países, há disposições críticas e até anti-soviéticas.
Cunhal: A queda dos regimes em Angola e Moçambique significaria um duro golpe no movimento de libertação em África, a vitória do imperialismo.
Gorbatchov: Continuaremos a ajudar a Etiópia, Angola e Moçambique.
Sobre eleições parlamentares de Julho de 1987
Cunhal: O PCP sofreu perdas consideráveis nas eleições parlamentares. A sua representação diminuiu em 7 deputados. E embora expliquemos as perdas fundamentalmente com causas conjunturais, é evidente a redução política da base do partido.
Ofensiva da direita na revisão constitucional
Cunhal: A divisão das forças democráticas teve influência negativa nos resultados das eleições. Mas uma das principais causas do fracasso do partido foram as dúvidas de que se o partido seria ou não capaz de apresentar alternativa à política da classe dirigente, de participar no governo.
Temos desejo de lutar. Temos força e vontade. Mas é diffícil dar garantias.
Sobre a iniciativa de Cunhal de reunir os dirigentes dos partidos comunistas espanhol, francês, grego, português e italiano
Cunhal: os dirigentes de quatro partidos: Marchais, Florakis, Iglésias e eu acordamos realizar semelhante encontro. Só Natta tem algumas dúvidas a este respeito. Ainda não se manifestou sobre essa ideia. Natta parece ser a favor do encontro, mas diz que os seus camaradas não apoiam o encontro.
Um encontro para discutir os problemas do movimento comunista, as causas do seu actual estado.
Gorbatchov: os italinos têm um complexo qualquer face aos encontros dos partidos comunistas.
2 comentários:
é só para anunciar ao éter que voltei de férias!
cumprimentos!
Ibn von Faize
Caro leitor, ainda é muito cedo para abordar o legado de Gorbatchov. Para os comunistas, ele foi, no mínimo,
"capitulacionista" e, no máximo, "traidor". Para os liberais, foi um homem que não se decidiu romper atempadamente com o comunismo. Mas no cargo e na situação de Gorbatchov,era muito fácil falar, mas talvez bem mais difícil de fazer o que quer que seja.
Uma coisa parece ser certa, quando viu que estava a mais no poder, saiu com dignidade.
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