terça-feira, novembro 21, 2006

Faleceu Vadim Zagladin


Para a esmagadora maioria dos portugueses, o nome de Vadim Zagladin, que faleceu a 17 de Novembro em Moscovo, nada diz, mas os historiadores do "verão quente" de 1975 em Portugal talvez estivessem dispostos a trocar metade da vida pelos segredos que esse político levou consigo.
Vadim Zagladin, nascido a 23 de Junho de 1927, foi uma das figuras fulcrais da Secção Internacional do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética, ou seja, o centro onde era elaborada a política externa da URSS, na época compreendida entre o "reinado" dos dirigentes soviéticos Leonid Brejnev (1964-1982) e de Mikhail Gorbatchov (1985-1991).
Este ideólogo da política externa soviética era um homem muito fechado e, quando falava, escolhia meticulosamente as palavras, mesmo sobre acontecimentos ocorridos há 30 ou 40 anos. Quando lhe perguntaram porque é que ele não escreveu memórias, Zagladin respondeu que não gostaria de escrever mal sobre aqueles que merecem uma avaliação negativa.
Eu fui dos jornalistas estrangeiros que tive a sorte de me encontram e conversar com ele várias vezes. O encontro mais memorável ocorreu em 1994, nas vésperas do 20º aniversário da Revolução de Abril em Portugal, quando preparava alguns trabalhos para o jornal Público.
Com um ar bonacheirão, um sorriso permanente nos lábios, Vadim Zaglandin recebeu-me no edifício da Fundação Gorbatchov, em Moscovo,e até aceitou partilhar comigo alguns pormenores da sua viagem ao nosso país em Setembro de 1975.
Conteu-me ele que foi a Portugal travar os comunistas, entre os quais havia "cabeças mais quentes" que estavam dispostos a repetir, no nosso país, uma das mais importantes teses do marxismo-leninismo: "a transformação da revolução democrático-burguesa (neste caso, o 25 de Abril de 1974) em revolução socialista"
Vadim Zagladin recordou que, numa das numerosas reuniões que teve em Lisboa, encontrou um capitão de Abril, cujo nome não quis revelar, que lhe fez a seguinte proposta: "A Armada Soviética do Mar Mediterâneo bloqueia a foz do Tejo, para que os navios da NATO não possam chegar a Lisboa, e nós tomamos o poder no país".
O dirigente soviético olhou para o oficial e perguntou-lhe: "Mas acha que a União Soviética vai dar início à terceira guerra mundial com os Estados Unidos por causa de Portugal? O vosso país é membro da NATO".
Zagladin não respondeu nem sim, nem não à pergunta: "Existiu ou não um acordo entre a URSS e os EUA que previa que os soviéticos, em troca da entrada das ex-colónias portuguesas na sua zona de influência, renunciavam ao apoio à revolução socialista em Portugal?".
O seu falecimento passou quase praticamente despercebido na Rússia, talvez porque à geração actual já diga pouco os nomes daqueles que, como Zagladin, fizeram a política externa da União Soviética e, com Gorbatchov, ajudaram a desmontar a ditadura comunista.
Certamente que eu não fui o único português que conversou com ele. Por isso, apelo a todos os que o conheceram, na URSS e Portugal, que compartilhem as suas memórias sobre este homem que, num dos momentos mais críticos da História de Portugal do séc. XX, o "verão quente de 1975" ajudou a evitar o derramamento de sangue no nosso país

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