segunda-feira, abril 23, 2007

Faleceu um dos mais contraditórios políticos da Rússia


Boris Ieltsin é um dos mais contraditórios políticos russos, até porque realizou um processo pouco visto na história: a transição do socialismo para o capitalismo.
Ieltsin chegou a Moscovo em 1986, quando Mikhail Gorbatchov já ocupava o cargo de Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e necessitava de políticos novos para levar para a frente a sua política de “glasnost” (transparência) e “perestroika” (restruturação).
Até então dirigente da organização distrital de Sverdlovsk, nos Urais, Boris Ieltsin foi nomeado líder da organização do PCUS de Moscovo, tornando-se no homem mais forte da capital russa.
Ganhou popularidade ao realizar viagens inesperadas nos transportes públicos de Moscovo e ao prometer uma luta sem compromissos contra os privilégios da nomenclatura comunista e a corrupção. Promessas nunca cumpridas.
Em 1987, no Plenário de Outubro do Comité Central do PCUS, desferiu um forte ataque contra a política dos “conservadores comunistas” e foi afastado de todos os cargos. Porém, logo a seguir, é eleito deputado do I Congresso de Deputados do Povo da URSS nas primeiras eleições livres no país. Juntamente com democratas conhecidos como o físico Andrei Sakharov, o historiador Iúri Afanassiev e outros, forma o Grupo Interregional de Deputados, o primeiro movimento democrático no país e núcleo de oposição institucional ao Partido Comunista.
Em Junho de 1991, Ieltsin é eleito Presidente da Rússia num escrutínio livre, o que lhe deu mais poder moral para criticar a política de Mikhail Gorbatchov. O ponto máximo desta fase da vida de Boris Ieltsin é a defesa da liberdade e democracia em 19 de Agosto de 1991, quando militantes comunistas conservadores empreenderam um golpe de Estado.
O seu prestígio e autoridade permitiram-lhe afastar Mikhail Gorbatchov da direcção da URSS e dirigir o processo de desintegração deste país. Em Dezembro de 1991, Boris Ieltsin, juntamente com os dirigentes ucraniano e bielorrusso, assina o Tratado de Minsk que põe fim à super-potência soviética e dá início à formação da Confederação de Estados Independentes, organização que permitiu uma desintegração mais ou menos pacífica da URSS.
“Czar” da Rússia, Boris Ieltsin recebe um país próximo da catástrofe económica, numa altura em que se dá a ruptura dos laços com outros novos países saídos da União Soviética e os preços do petróleo (o principal produto da exportação russa) nos mercados internacionais estão muito baixos. Opta por nomear um jovem: Igor Gaidar, para dirigir o governo do país e levar a cabo aquilo que ficou conhecido como “terapia de choque” na economia.
Este processo continua a provocar fortes discussões na Rússia. Se, por um lado, deu origem ao aparecimento da economia de mercado, propriedade privada, liberdade económica, classe empresarial, por outro lado, permitiu o surgimento de um sistema oligárquico, quando um restrito número de pessoas passa a dominar as riquezas do país, enquanto a maioria da população é atirada para a miséria.
A mesma polémica revela-se na crise constitucional de Outubro de 1993. Em Abril desse ano, um referendo conferiu o seu mandato presidencial, mas a forma como resolveu o problema com o Soviete Supremo da Rússia: a sua liquidação com o emprego de tanques, constituiu um precedente negativo para a democracia russa.
Outra “nódoa” na biografia de Boris Ieltsin, é a primeira guerra na Tchetchénia (1994-1996). A incompetência das chefias militares e a incapacidade dos políticos de resolver a questão do separatismo nessa república do Cáucaso provocaram dezenas de milhares de mortos.
Além disso, o poder absoluto dos oligarcas, o aumento brusco da corrupção, a degradação do nível de vida da população russa e da imagem do país a nível internacional fizeram com que Boris Ieltsin chegasse às eleições presidenciais de 1996 com uma baixa popularidade entre os eleitores. Só uma fraude eleitoral permitiu a sua reeleição.
Depois das eleições, Boris Ieltsin começa a ter graves problemas de saúde, que obrigam a ser submetido a uma operação ao coração em 1996. A partir daí, o primeiro Presidente da Rússia fica afastado da vida política durante longos períodos de tempo. Esta situação era agravada pelo consumo excessivo de álcool.
Em Dezembro de 1999, Boris Ieltsin fez um inesperado presente aos russos, nomeando Vladimir Putin, um político pouco conhecido, seu sucessor.
Tendo abandonando o Kremlin, Boris Ieltsin retirou-se para a sua casa de campo, remetendo-se a um silêncio quase total. Só às vezes ousou criticar a política de Putin no que diz respeito à liberdade de imprensa e à política face à Bielorrússia.

8 comentários:

Nuno Andrade Ferreira disse...

Como é que lhe parece que os russos vão recordar Ieltsin? Como o político simbolo da democracia e da abertura à iniciativa privada ou, pelo contrário, como o homem que gostava de se "aquecer" e que falhou o relançamento da Rússia?

Mar Verde disse...

Ontem, em entrevista à SIC Noticias referiu que já vive à 30 anos na Rússia, ou seja, desde 1975, altura ainda da URSS, viveu então 15 anos no regime comunista, no entanto não se coibiu de ser bastante critico do regime (condições de vida antes e agora) quando questionado pelo Mário Crespo. Quais as razões porque optou por viver na URSS, foi comunista no passado e está agora desencantado, ou as sua razões foram de outra ordem, que não ideológicas ?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Matvey, acho ainda muito cedo para tentar advinhar como irá entra Ieltsin na história da Rússia. Isso irá depender da evolução dos acontecimentos nesse país.
Quanto à pergunta do leitor Mar Verde, razões ideológicas levaram-me a ir estudar para a Rússia. Depois trabalhei como tradutor e jornalista, e fui ficando. Quanto às desilusões, tratou-se de um processo longo, mas aconteceu. Vi, vivi e tirei conclusões... A vida serve mesmo para aprender.

Mar Verde disse...

Agradeço a sinceridade da resposta.

Pedro Leite Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Leite Ribeiro disse...

A guerra na Tchtchénia, a corrupção, a oligarquia, a censura, o desnivelamento social, a quebra do prestígio externo... Acha, José Milhazes, que valeu a pena? Não acha que de um forte totalitarismo, a Rússia passou para uma fraca democracia? (A uma escala infinitamente mais pequena, até podia fazer as mesmas perguntas em relação ao nosso País...)

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro leitor José Pedro, não estou de acordo consigo. Até as más experiências ajudam a aprender. Além disso, a União Soviética estava a entrar num beco sem saída e era preciso encontrar novas vias, o menos dolorosas possíveis. Nalguns campos, no social e económico, não foi ainda conseguido, mas, e em parte considerável graças a Ieltsin, a desintegração da URSS deu-se com muito menos derrarramamento de sangue do que o previsível.
Claro que se poderia ter feito de outra maneira. A via chinesa, com um massacre semelhante a Tianamen a 19 de Agosto de 1991? Com menos custos sociais, talvez, mas não nos devemos esquecer que, na era de Ieltsin, os preços do gás e petróleo no mercado mundial eram muito mais baixos que hoje?
Mas na História não há "ses", por isso, o principal é que se olhe para essa experiência de forma a não se repetir erros.

Pedro Leite Ribeiro disse...

Obrigado pela resposta.
Também concordo que uma grande vantagem da democracia é a potencialidade que possui para se auto-corrigir, alterar erros, procurar vias alternativas, ao contrário dos sistemas totalitários, cujo carácter monolítico impede o diálogo e a mudança.
Força, então, para todos nós, os pequeninos, porque somos nós a construír a sociedade em que queremos viver e que desejamos para os nossos filhos!