A cimeira que vai juntar José Sócrates e Vladimir Putin no Kremlin, entre 27 e 29 de Maio, é considerado por fontes diplomáticas como uma demonstração clara de que as relações entre Portugal e a Rússia atravessam o melhor período desde 1974, ano em que foram estabelecidos laços diplomáticos entre Moscovo e Lisboa.
Segundo fontes contactadas pela Lusa, não existem problemas políticos relevantes entre os dois países e, no campo económico, o mercado russo passou a ser prioritário para o Governo português. Porém, a cimeira coincide com um dos períodos mais complicados das relações entre a Rússia e a União Europeia e ocorre na véspera do início da presidência de Portugal na UE
Nunca na história das relações bilaterais Portugal-Rússia se viu uma troca tão intensa de delegações governamentais. Este ano, estiveram em Moscovo os secretários de Estado do Turismo e do Comércio, os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Justiça. O primeiro-ministro, José Socrates, vem a Moscovo acompanhado de outro membros do Governo e cerca de meia centena de empresários portugueses.
Ao contrário do que aconteceu em visitas anteriores, os empresários portugueses não vão a Moscovo para "sondar" o mercado, mas para assinar contratos concretos ou dar continuidade a projectos já em realização.
Além disso, José Socrates irá inaugurar uma exposição de produtos portugueses no campo das altas tecnologias, a fim de mostrar aos empresários russos que o mercado português tem mais a oferecer do que calçado, têxteis e cortiça.
Há também movimentações da parte do mundo empresarial russo face ao mercado português, estando envolvidas nesse processo gigantes como a Gazprom, a maior empresa pública russa. Portugal deve envolver-se activamente na luta para atrair "capitais excedentários" russos, provenientes das exportações de petróleo e gás.
Porém, esta situação coincide com um dos períodos mais complicados das relações entre a Rússia e a União Europeia e com o início da presidência de Portugal na UE.
A diplomacia de Lisboa terá de conseguir encontrar a fórmula, tarefa que nem a presidência finlandesa, nem a alemã souberam realizar, de convivência da Rússia e da União Europeia depois da entrada para esta organização de países do antigo "campo socialista", conhecidos também por "Nova Europa".
Moscovo ainda não aceitou que esses Estados são independentes, que há muito deixaram de estar na sua órbita, no espaço que os russos denominaram de "estrangeiro próximo". Isto é particularmente evidente nas relações da Rússia com os países que fizeram parte da União Soviética: Geórgia, Estónia, Letónia, Lituânia, Moldávia e Ucrânia.
Além disso, só com a crise provocada pelo embargo russo da carne polaca é que o Kremlin começou a compreender que um membro da UE, por mais pequeno que seja o seu território ("irmão mais novo" na terminologia soviética que continua em circulação na Rússia actual), tem direito a veto nessa organização.
Os países da "Nova Europa", que viveram meio século sob o jugo soviético, não perdem uma única oportunidade de, num momento em que a Rússia tenta impôr-se na cena internacional como uma potência com pretensões mundiais, sublinhar a sua independência. A crise nas relações russo-estónias, provocada pela decisão do Governo de Tallinn de remover o monumento ao Soldado Soviético para um cemitério militar, é um exemplo flagrante disso.
Mas o mais preocupante para a UE deve residir no facto de os países da "Nova Europa" procurarem "protecção" junto dos Estados Unidos, receando que os países da "Velha Europa" os abandonem, tal como o fizeram várias vezes no séc. XX. O pacto Molotov-Ribbentrop, que dividiu a Europa Central e do Leste entre a Alemanha nazi e a União Soviética estalinista em 1939, ainda não é apenas história, continuam vivas muitas das vítimas das deportações estalinistas para a Sibéria.
É nesta situação que Portugal terá de tentar encontrar soluções para problemas como a instalação de sistemas norte-americanos de defesa anti-míssil na Polónia e República Checa, o estatuto do Kosovo, o início das conversações entre a Rússia e União Europeia sobre a assinatura de um novo acordo de cooperação e parceria e, provavelmente, terá de envolver-se na solução da grave crise política na Ucrânia e de outras que possam surgir na Europa de Leste.
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