Começamos hoje a publicação de algumas considerações sobre a revolução comunista de 1917 na Rússia. Trata-se de uma visão histórica pessoal, aberta à discussão.
A Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 merece continuar a ser escrita com letras maiúsculas porque se trata, sem dúvida, de um dos maiores acontecimentos não só da História do séc. XX, mas de toda a Humanidade.
O dirigente chinês Den Ziao Ping considerava que ainda é cedo para analisar as consequências da Revolução Francesa de 1789, pois elas continuam a manifestar-se actualmente. O mesmo se pode dizer em relação à Revolução Russa.
No entanto, isso não nos impede de abordar o tema, tanto mais na altura em que se celebra o seu 90º aniversário.
Não se pode concordar com aqueles que afirmam que a revolução realizada pelos bolcheviques a 25 de Outubro (7 de Novembro) de 1917 se tratou de um “fenómeno estranho” à Rússia, uma conspiração da “maçonaria e do judaísmo internacional” para enfraquecer o país, etc.
Os acontecimentos em Petrogrado foram provocados pela grave situação em que se encontrava a Rússia. As graves chagas sociais: desigualdade extrema, miséria em que viviam milhões de operários e camponeses, tinham sido profundamente agravadas pela entrada do país na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Pode-se não se simpatizar com Gregori Rasputin, mas é impossível ignorar algumas das suas opiniões sábias. Segundo ele, a entrada da Rússia conduziria a grandes desgraças, o que veio a acontecer. Verdade seja dito, ele não era o único que tinha essa opinião, mas o certo é que a Corte de São Petersburgo não lhes deu ouvidos.
A grave crise económica, social e política, agravada pela participação da Rússia na grande guerra e pela incompetência das autoridades russas, levou o czar Nicolau II a renunciar ao trono em Março de 1917.
O Governo Provisório que o sucedeu não teve tempo para tomar medidas que pudessem pelo menos travar o avanço da crise, nem para reorganizar o poder no país. As forças armadas estavam desmoralizadas e desintegradas, o que levou ao fracasso a tentativa do general Koltchak impor uma ditadura no país.
Além disso, os novos dirigentes da Rússia não souberam avaliar o perigo real da força política e mobilizadora dos bolcheviques, vendo em Vladimir Lénine e Leão Trotski políticos marginais, incapazes de tomar o poder no país e mantê-lo.
Enganaram-se. Em Outubro (Novembro) de 1917, o poder estava caído nas ruas de Petrogrado e Lénine compreendeu bem a situação: “ontem era cedo, amanhã é tarde, tem de ser hoje!”.
Para os bolcheviques, foi muito mais fácil tomar o poder que conservá-lo depois. Foi muito mais fácil tomar o poder porque, além da anarquia reinante no país, os bolcheviques avançaram palavras de ordem que gozavam do apoio da esmagadora maioria da população: fábricas aos operários, terra aos camponeses, paz aos povos.
Porém, nenhuma destas promessas foi cumpridas. As fábricas passaram das mãos dos capitalistas para as mãos do Estado (burocracia soviética), a terra passou dos latifundiários também para as mãos do Estado (kolkhozes e sovkhozes) e paz foi afogada na guerra civil que se seguiu à revolução e que provocou milhões de mortos. Mas isso veio depois.
Ao tomar o poder na Rússia, Vladimir Lénine estava convencido de que a “revolução socialista” se iria alastrar a outros países, principalmente aos países desenvolvidos da Europa (era isso que estava escritos também nas obras de Marx e Engels). As revoltas na Alemanha, Hungria pareciam dar razão ao dirigente bolchevique.
Porém, tal não aconteceu e Lénine viu-se obrigado a criar a teoria da “construção do socialismo num país”. A propósito, deve-se reconhecer que o primeiro dirigente soviético era um génio no campo da táctica. Quando, durante a guerra civil de 1917-1922, Lénine viu o seu poder ameaçado pela política desastrosa do “comunismo de guerra”, que pôs o novo regime à porta da falência e da ruína económica, ele conseguiu encontrar a saída genial da “nova política económica”, mesmo que para isso tenha sido necessário ceder aos capitalistas. “Enriquecei-vos!” – proclamava o bolchevique Nikolai Bukharine.
Esta nova fórmula no campo da economia não foi acompanhada de fórmula semelhante no campo político. Pelo contrário, os bolcheviques, ao falsificarem os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte em 1918, puseram fim a qualquer possibilidade de desenvolvimento democrático no país.
Mais, à medida que iam reforçando o seu poder, iam liquidando os seus “companheiros de caminhada”. O esmagamento da revolta de Kronstadt é um dos exemplos mais evidentes. A recém-criada TCHEKA (Comissão Extraordinária de Combate ao Banditismo) já não prendia só monárquicos ou burgueses, mas também anarquistas, socialistas de direita, socialistas de esquerda, etc.
A “ditadura do proletariado”, que Lénine prometera, transformava-se cada vez mais no poder da burocracia dos comissários. Às portas da morte, o primeiro dirigente comunista dá conta desse e de outros males do poder soviético, mas a burocracia comunista reservou-lhe o destino que mais tarde em Portugal iria ser reservado a Salazar. Foi isolado numa antiga casa senhorial dos arredores de Moscovo e lia jornais especialmente impressos para ele ler. Tudo isto a pretexto de “cuidar da saúde do camarada Vladimir Ilitch”.
(continua)
A Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 merece continuar a ser escrita com letras maiúsculas porque se trata, sem dúvida, de um dos maiores acontecimentos não só da História do séc. XX, mas de toda a Humanidade.
O dirigente chinês Den Ziao Ping considerava que ainda é cedo para analisar as consequências da Revolução Francesa de 1789, pois elas continuam a manifestar-se actualmente. O mesmo se pode dizer em relação à Revolução Russa.
No entanto, isso não nos impede de abordar o tema, tanto mais na altura em que se celebra o seu 90º aniversário.
Não se pode concordar com aqueles que afirmam que a revolução realizada pelos bolcheviques a 25 de Outubro (7 de Novembro) de 1917 se tratou de um “fenómeno estranho” à Rússia, uma conspiração da “maçonaria e do judaísmo internacional” para enfraquecer o país, etc.
Os acontecimentos em Petrogrado foram provocados pela grave situação em que se encontrava a Rússia. As graves chagas sociais: desigualdade extrema, miséria em que viviam milhões de operários e camponeses, tinham sido profundamente agravadas pela entrada do país na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Pode-se não se simpatizar com Gregori Rasputin, mas é impossível ignorar algumas das suas opiniões sábias. Segundo ele, a entrada da Rússia conduziria a grandes desgraças, o que veio a acontecer. Verdade seja dito, ele não era o único que tinha essa opinião, mas o certo é que a Corte de São Petersburgo não lhes deu ouvidos.
A grave crise económica, social e política, agravada pela participação da Rússia na grande guerra e pela incompetência das autoridades russas, levou o czar Nicolau II a renunciar ao trono em Março de 1917.
O Governo Provisório que o sucedeu não teve tempo para tomar medidas que pudessem pelo menos travar o avanço da crise, nem para reorganizar o poder no país. As forças armadas estavam desmoralizadas e desintegradas, o que levou ao fracasso a tentativa do general Koltchak impor uma ditadura no país.
Além disso, os novos dirigentes da Rússia não souberam avaliar o perigo real da força política e mobilizadora dos bolcheviques, vendo em Vladimir Lénine e Leão Trotski políticos marginais, incapazes de tomar o poder no país e mantê-lo.
Enganaram-se. Em Outubro (Novembro) de 1917, o poder estava caído nas ruas de Petrogrado e Lénine compreendeu bem a situação: “ontem era cedo, amanhã é tarde, tem de ser hoje!”.
Para os bolcheviques, foi muito mais fácil tomar o poder que conservá-lo depois. Foi muito mais fácil tomar o poder porque, além da anarquia reinante no país, os bolcheviques avançaram palavras de ordem que gozavam do apoio da esmagadora maioria da população: fábricas aos operários, terra aos camponeses, paz aos povos.
Porém, nenhuma destas promessas foi cumpridas. As fábricas passaram das mãos dos capitalistas para as mãos do Estado (burocracia soviética), a terra passou dos latifundiários também para as mãos do Estado (kolkhozes e sovkhozes) e paz foi afogada na guerra civil que se seguiu à revolução e que provocou milhões de mortos. Mas isso veio depois.
Ao tomar o poder na Rússia, Vladimir Lénine estava convencido de que a “revolução socialista” se iria alastrar a outros países, principalmente aos países desenvolvidos da Europa (era isso que estava escritos também nas obras de Marx e Engels). As revoltas na Alemanha, Hungria pareciam dar razão ao dirigente bolchevique.
Porém, tal não aconteceu e Lénine viu-se obrigado a criar a teoria da “construção do socialismo num país”. A propósito, deve-se reconhecer que o primeiro dirigente soviético era um génio no campo da táctica. Quando, durante a guerra civil de 1917-1922, Lénine viu o seu poder ameaçado pela política desastrosa do “comunismo de guerra”, que pôs o novo regime à porta da falência e da ruína económica, ele conseguiu encontrar a saída genial da “nova política económica”, mesmo que para isso tenha sido necessário ceder aos capitalistas. “Enriquecei-vos!” – proclamava o bolchevique Nikolai Bukharine.
Esta nova fórmula no campo da economia não foi acompanhada de fórmula semelhante no campo político. Pelo contrário, os bolcheviques, ao falsificarem os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte em 1918, puseram fim a qualquer possibilidade de desenvolvimento democrático no país.
Mais, à medida que iam reforçando o seu poder, iam liquidando os seus “companheiros de caminhada”. O esmagamento da revolta de Kronstadt é um dos exemplos mais evidentes. A recém-criada TCHEKA (Comissão Extraordinária de Combate ao Banditismo) já não prendia só monárquicos ou burgueses, mas também anarquistas, socialistas de direita, socialistas de esquerda, etc.
A “ditadura do proletariado”, que Lénine prometera, transformava-se cada vez mais no poder da burocracia dos comissários. Às portas da morte, o primeiro dirigente comunista dá conta desse e de outros males do poder soviético, mas a burocracia comunista reservou-lhe o destino que mais tarde em Portugal iria ser reservado a Salazar. Foi isolado numa antiga casa senhorial dos arredores de Moscovo e lia jornais especialmente impressos para ele ler. Tudo isto a pretexto de “cuidar da saúde do camarada Vladimir Ilitch”.
(continua)
4 comentários:
Fiquei contente por ver no Russia Today chamarem "golpe de estado" à "Grande Revolução Socialista de Outubro". Pelo menos já começam a chamar as coisas pelos nomes. A verdadeira revolução deu-se em Fevereiro (Março), onde se assistiu a uma verdadeira mobilização popular. Pelo contrário, quase ninguém em Petrogrado deu pelo golpe de Outubro. Quando a população acordou para o trabalho, "estava feito". O posterior filme "Outubro", de Eisenstein era, como não podia deixar de ser, uma aldrabice propagandística.
Quanto ao conceito de "socialismo num só país", este foi na realidade avançado por Bukharin em 1925, um ano depois de Lenin ter morrido, e tenho as minhas dúvidas que este concordasse com a coisa se estivesse vivo na altura. Posteriormente, Stalin usou citações de um artigo de Lenin para tentar demonstrar que este apoiaria o conceito.
António Campos
Caro António, quando falo em Revolução tenho em vista as suas consequências. Ninguém deu conta do golpe porque viam nos bolcheviques uma força marginal.
Quanto ao conceito de socialismo num só país, Lénine utiliza-o para explicar a necessidade da nova política económica, as cedências ao capitalismo. Estaline desenvolveu o conceito e transformou-o na fortaleza socialista cercada por todos os lados pelos países capitalistas, o que lhe deu mais uma justificação do terror
Caro José Milhazes,
Lenin enfrentava um problema grave: como impor o socialismo num país onde a esmagadora maioria da população era composta por camponeses "de classe média" com um grau significativo de auto-suficiência e sem motivação para se envolverem numa luta de classes, tal como tinha acontecido com os proletários.
A base de apoio dos bolcheviques foi sempre essencialmente proletária, tendo aqueles sempre considerado os camponeses como uma espécie de "inimigos da revolução". Neste contexto, antes do X congresso do partido em 1921, Lenin declara: o socialismo só pode ser construído se uma das seguintes condições se verificar: uma revolução socialista internacional (que nunca veio a acontecer) ou um compromisso com os camponeses.
A NPE, a quem alguém chamou o "Brest camponês", foi esse compromisso, para resolver os problemas domésticos da quebra da produção e as revoltas camponesas causadas pelas requisições "a granel" de cerais para financiar as políticas do "comunismo de guerra".
Nas próprias palavras de Lenin, "a NPE é a manutenção de uma aliança entre o proletariado e os camponeses, por forma a garantir que os primeiros mantenham as rédeas do poder", estabilizando o país enquanto a esperada revolução internacional não acontece.
A NPE foi assim nada mais que uma manobra política táctica que, arrisco a afirmar, além das vantagens acima iria também (esperava Lenin) criar uma maior fenda entre classes camponesas("exploradores" e "explorados"), o que permitiria, no longo prazo, desencadear a "luta de classes" que tinha ocorrido com os proletários e que tanto jeito tinha dado aos bolcheviques.
Porque a revolução internacional, pensava Lenin, tarda mas há-de vir.
António Campos
Caro António Campos, estou de acordo consigo, mas a NEP abriu as portas também ao comércio livre, o que fez surgir a "burguesia da NEP", liquidada pouco tempo depois.
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