quarta-feira, março 05, 2008

Estaline continua vivo...


Quando se entra numa livraria em Moscovo e se passa os olhos pelas prateleiras da História da Rússia, pode-se ficar surpreendido com o número significativo de obras dedicados à vida e obra de Estaline.
Isso não parece nada espantoso se se tiver em conta o papel que José Estaline desempenhou na História da União Soviética e da Humanidade. Surpreendente é o facto de se assistir ao aumento da venda legal do número de obras que justificam e elogiam a obra do ditador: “Generalíssimo”, “Ordem estalinista”, “Estaline proibido”, “Ao lado de Estaline”.
Todos os anos, no dia 05 de Março, uma delegação do Partido Comunista da Rússia, dirigida por Guennadi Ziuganov, seu dirigente, deposita flores no túmulo de José Estaline, situada junto das muralhas do Kremlin, na Praça Vermelha.
Os estudos sociológicos, publicados no dia da morte do ditador comunista, mostram que a popularidade de Estaline regressa à Rússia, mas com uma particulatidade. Se nos anos 90 do séc. XX, dois terços dos saudosistas eram pessoas com mais de 65 anos, hoje, o antigo ditador soviético é cada vez mais popular entre a juventude.
Segundo um estudo publicado no diário Novie Izvestia, 36 por cento dos jovens consideram que “independentemente dos erros e falhas que são atribuídos a Estaline, o mais importante é que o povo venceu a Grande Guerra Patriótica (Segunda Grande Guerra) sob a sua direcção”, 20 por cento acham que “só um dirigente duro conseguiu manter a ordem no Estado numa situação de forte luta de classes e ameaça externa” e 16 por cento pensam que a Rússia só pode ser dirigida por dirigentes assim.
“Estaline recebeu o país com o arado e deixou-o com a bomba atómica” – consideram esses historiadores russos.
Num país onde dezenas de milhões de pessoas morreram devido à política de José Estaline, a reabilitação do ditador está ser feita de forma gradual, quase que tímida, mas desde já evidente.
O Presidente Vladimir Putin deu início a este processo ao reabilitar a música do Hino da URSS.
No ano passado, numa reunião com historiadores russos, ele manifestou desagrado com a forma como foram escritas algumas páginas da história recente do país. Os historiadores do regime Alexandre Filipov e Leonid Poliakov publicaram o livro “História Contemporânea da Rússia”, que o Ministério da Instrução e Ciência recomenda como “ponto de orientação para os autores de manuais de História para as escolas russas” .
Nesse livro, José Estaline é considerado “o dirigente da URSS que teve maior êxito” e as repressões em massa são consideradas “alguns custos”, sublinhando que os principais atingidos faziam parte da classe dirigente e que as repressões visavam “garantir a máxima eficácia do aparelho de direcção”.
“Esse livro é o primeiro passo para a criação de um novo sistema de educação” – declarou Andrei Fursenko, ministro da Instrução e Ciência da Rússia.
Segundo ele, “nos anteriores manuais de História havia muito mais pontos problemáticos do que no novo. Ele foi sujeito a uma peritagem rigorosa e foi posto à discussão da sociedade. Vamos ver o que ele irá fazer para a educação na Federação da Rússia”.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Milhazes, afinal concordo plenamente consigo. Os russos têm efectivamente os governantes que merecem. Retiro o que disse anteriormente e rogo-lhe que aceite desde já as minhas desculpas.

António Campos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro António, não tem de que se desculpar. O preocupante em tudo isto consiste no facto de a popularidade de Estaline estar a aumentar no seio da juventude e de a "história oficiosa" recriar mitos. Durante a campanha eleitoral, a televisão pública russa passou um documentário "Lições de Bizâncio" em que até a queda de Constantinopla serve para justificar a política externa do Kremlin. Assim vão as coisas...

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Texto enviado por mail "Caro José,

Infelizmente, é o que se assiste!

Há quem fale de "ciclos". Não me oriento nem preconizo essa via. São outros os factores (se é que é possível explicar o que pouco tem de explicação). Da grandeza da Rússia e da União Soviética à situação de quase sujeição do final do século passado, muitas foram as alterações sofridas. A nova geração não viveu a angústia dos dias negros; do pós-guerra; da reconstrução; da guerra-fria; do isolamento; das limitações políco-sociais; da liberdade e muitas outras. Hoje, os seus problemas são outros: a estabilidade social, o desemprego, a falta de perspectivas,.... olham para o lado e vêm uns muito bem e outros demasiado mal; sabem que os avós tinham emprego e estabilidade e eles não podem constituir família porque não têm emprego; leram sobre a grandeza da Rússia e hoje vêem-na acabrunhada e sem poder; sentem-se ameaçados e sem reacção; a cultura ocidental está em todo o lado e cada vez mais próxima, corroendo os valores que edificaram a grandeza do estado.
Nomeiam os culpados (o principal visado é o que refere que entrevistou). Os livros permitem invocar momentos "gloriosos", reabilitar "heróis", gerar sentimentos nacionalistas. Revanchismo perigoso e de séculos passados.

Cumprimentos,
João Moreira"