sexta-feira, abril 04, 2008

Quando os tanques soviéticos esmagaram o “socialismo com rosto humano”


No dia 05 de Abril de 1968, ou seja, há precisamente 40 anos atrás, a nova direcção do Partido Comunista da Checoslováquia, chefiada por Alexander Dubcek, tornou pública uma série de propostas com vista a reformar o sistema comunista imposto ao país após a Segunda Guerra Mundial (1941-1945). Não obstante os reformadores nunca terem posto em causa o socialismo e a supremacia da URSS, este processo, conhecido por Primavera de Praga, foi esmagado pelas tropas e tanques do Pacto de Varsóvia.

Ao contrário dos levantamentos na República Democrática Alemã em 1953 e na Hungria em 1956, o movimento de Praga não tinha como objectivo restaurar o capitalismo, mas antes libertar o socialismo da pesada herança estalinista, procurar novos caminhos de desenvolvimento para o sistema tendo em conta experiências como a “autogestão social” na Jugoslávia ou a social-democracia nos países do norte da Europa.

Não se pode esquecer que os anos 60 do séc. XX foram uma época de expectativas e esperanças no chamado “campo socialista”, nome pelo que era conhecida a União Soviética e os seu satélites políticos na Europa do Leste.

Esse ambiente, também conhecido pelo nome de “degelo”, foi criado pelas decisões do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, realizado em 1956 e que denunciou os numerosos crimes do período estalinista, bem como pelas reformas económicas encetadas por Alexei Kossiguin, então primeiro-ministro soviético.

O próprio Dubcek assistira directamente a esses processos pois viveu longos anos na URSS e frequentou mesmo a Escola Superior junto do CC do PCUS. Isto teve também influência na aceitação da eleição de um eslovaco para dirigir o Partido Comunista da Checoslováquia, pois Moscovo via nele uma figura “controlável” devido ao seu carácter flexível.

As propostas de reformas estavam já elaboradas no início de 1968, mas, até Abril, a direcção do Partido Comunista, envolvida na divisão de cargos, não ia além de palavras gerais sobre democracia, liberalização, etc.

“Durante três meses, a direcção do partido tratava de questões da repartição de cargos na cúpula do aparelho do partido e do Estado e, por isso, era impossível dar início ao programa de reformas. A sociedade não podia ficar à espera do fim da luta pelos cargos de ministros e secretários do CC. Os problemas acumulados durante muitos anos começaram a ser discutidos abertamente” –escreveu Znedek Mlynarj, um dos mentores da política de reformas na Checoslováquia.

O Partido Comunista da Checoslováquia perdia tempo e cedia a direcção da luta a forças políticas não comunistas. No mês de Junho, a Liternární Listy (Gazeta Literária) publica o texto “Duas Mil Palavras”, escrito por Ludvík Vaculík e assinado por personalidades de todos sectores sociais, pedindo a Dubcek que acelerasse o processo de abertura política. Eles acreditavam que era possível transformar, pacificamente, um regime ortodoxo comunista numa social-democracia.

Mas a direcção comunista vacilava entre o movimento social no país e a reacção da URSS face às mudanças.

Vaclav Havel, um dos dirigentes da Primavera de Praga, escreveu a propósito: “... Eles (dirigentes comunistas) encontravam-se num estado de esquizofrenia permanente: simpatizavam com o movimento social crescente e, ao mesmo tempo, receavam-no, apoiavam-se nele e, simultaneamente, queriam travá-lo. Eles queriam abrir a janela, mas temiam as correntes de ar... Eles simplesmente foram atrás dos acontecimentos, e não os dirigiram...Cativos das suas ilusões, eles tentavam convencer-se que conseguiriam explicar isso à direcção soviética...”.

Em finais de Março de 1968, o CC do PCUS envia aos seus militantes informação confidencial sobre a situação na Checoslováquia que, no fundo, já faz prever o posterior desenrolar dos acontecimentos.

“Na Checoslováquia aumenta o número de intervenções de elementos irresponsáveis que exigem a criação de uma “oposição oficial”, o manifesto de tolerância para com as ideias e teorias anti-socialistas” – lê-se na nota.

Mas o pior no rol de acusações vem a seguir: “Os círculos imperialistas tentam utilizar os acontecimentos na Checoslováquia para desacreditar a política do PCCH e todos os êxitos do socialismo no país, para abalar a aliança da Checoslováquia com a URSS e outros países socialistas irmãos”.

A 16 de Agosto de 1968, o Bureau Político do CC do PCUS aprova o envio de tropas do Pacto de Varsóvia para “repôr a ordem” na Checoslováquia. Entre Março e Agosto, Moscovo envolveu-se numa maratona de conversações com os dirigentes da Checoslováquia e dos países do Tratado de Varsóvia a fim de definir o rumo a tomar.

É de assinalar que no “campo socialista” não havia unanimidade quanto à intervenção armada. Nicolai Ceauscescu, Presidente da Roménia, estava frontalmente contra e Janus Kadar, dirigente da Hungria, vacilou muito devido à trágica experiência do seu país em 1956.

A 20 de Agosto, 200 mil soldados e 5 mil tanques do Pacto de Varsóvia invadiram o país e controlaram rapidamente os pontos nevrálgicos do país, mas os invasores tiveram dificuldade em encontrar “judas” na direcção do Partido Comunista da Checoslováquia para formar o Governo do país. As “forças saudáveis”, como os seus aliados eram designados por Moscovo, tiveram de se refugiar na Embaixada Soviética em Praga.

“As forças saudáveis estão desnorteadas, não têm força suficiente nem no partido, nem no país” – comunicava ao Kremlin Konstantin Mazurov, membro do Bureau Político do CC do PCUS, que se encontrava em Praga.

Vladimir Lukin, político russo que trabalhava em Praga na sede da revista comunista “Paz e Socialismo”, recorda: “Os nossos soldaditos mandaram-nos parar numa operação stop... Que procuravam? Armas? Claro que não, porque ninguém podia ter armas na Checoslváquia socialista. Procuravam literatura, e não uma qualquer, mas editada pelo Partido Comunista da Checoslováquia... Era bastante ridículo: as tropas soviéticas à procura de literatura comunista”.

Alexander Dubcek é levado para Moscovo e, a fim de salvar a situação, assinou o chamado Protocolo de Moscovo, que definia os parâmetros da “normalização” da situação no país e, no fundo, significou o fim do processo de democratização. Em Abril de 1969, Dubcek é substituído à frente do partido por Gustav Hussak.

Em protesto contra o fim das liberdades conquistadas, o jovem Jan Palach ateou fogo ao próprio corpo numa praça de Praga em 16 de Janeiro de 1969.

A intervenção soviética provocou uma forte crise no movimento comunista internacional. Partidos comunistas como o português defendiam e continuam a defender que a Primavera de Praga não passa de uma das muitas manobras do imperialismo para enfraquecer o sistema socialista. Outros, que depois se tornaram conhecidos por eurocomunistas, viram no mesmo acontecimento aquilo que poderia conduzir ao “socialismo com face humana”.

O Direito Internacional foi “enriquecido” com a nova doutrina da “soberania limitada” de Brejmev, que o Kremlin continua a utilizar no espaço post-soviético.

9 comentários:

Anónimo disse...

A doutrina da soberania limitada não foi inventada pela URSS de Brejnev, pois já era praticada há séculos pelas grandes potências do planeta. A Doutrina de Monroe, por exemplo, é perfeitamente equivalente à doutrina de Brejnev.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Sapka, referia-me concretamente ao chamado "mundo socialista" depois da Segunda Guerra Mundial.

Matosinhos Dá-te Música disse...

Antes de mais parabéns pelo blog!
Li alguns dos artigos publicados e devo dizer que estaõ muito bem explícitos e que deram a conhecer determinados assuntos que não abordei nas minhas aulas de história A.
Como vou fazer um trabalho sobre este país as informações ser-me-ão muito úteis, por isso não resisti a deixar um comentário!
Cumprimentos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Cara leitora Ana, vamos continuar a tentar fazer o melhor. Obrigado

RioDoiro disse...

Caro José Milhazes,

Chapelada para si.

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2008/04/oops.html

.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro leitor, o que quer dizer com a sua chapelada? Não entendi.

Anónimo disse...

Que nome dará o Milhazes á pura eleminação das soberanias por parte dos USA? Que são uma investida democrática?
Faz uma descrição completa de um facto histórico, porque é isso já pertence ao passado, e acaba por
ò Milhazes você odeia Putin mas ir dar sempre ao mesmo...Uma coisa é certa o homem "tem-nos no sitio"; viu em Bucareste como os seus colegas jornalistas(alguns até pediram autografos) encheram a sala para o ouvir e viu igualmente como uma mesma entrevista dada por Yushenko e Sakachevilli estava ás moscas?

Anónimo disse...

Que nome dará o Milhazes á pura eleminação das soberanias por parte dos USA? Que são uma investida democrática?
Faz uma descrição completa de um facto histórico, porque é isso já pertence ao passado, e acaba por ir dar ao mesmo...
Ó Milhazes você odeia Putin mas uma coisa é certa o homem "tem-nos no sitio"; viu em Bucareste como os seus colegas jornalistas(alguns até pediram autografos) encheram a sala para o ouvir e viu igualmente como uma mesma entrevista dada por Yushenko e Sakachevilli estava ás moscas?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Maks, quero-lhe recordar que este mail se chama "Darussia" e não "Doseua".
Mas como é que você consegue concluir que odeio Putin? Eu apenas dou a minha opinião e aceito a sua.
Quanto aos autógrafos, devo dizer-lhe que o problema é dos meus colegas jornalistas. Se eu algum dia tiver a oportunidade de pedir um autógrafo a Putin, irei fazê-lo. Com o livro de judo ou qualquer outro escrito por ele. Gosto de coleccionar autógrafos em livros e digo-lhe que é um bom "cromo" para a colecção.