O almirante russo amigo dos portugueses
"As relações entre Seniavin e Junot tornavam-se cada vez mais tensas, pois os franceses necessitavam de mostrar à Europa a solidez da aliança russo-francesa. Tanto mais num momento em que a guerra popular contra Napoleão em Espanha tomava formas cada vez mais abertas e a Áustria se armava.(continuação)
A entrada em acção da armada russa ancorada em Lisboa contra os ingleses seria um sinal para todos aqueles que consideravam a aliança russo-francesa uma utopia. Mas o comandante russo não estava disposto a sacrificar a vida dos seus homens e os seus navios em nome da defesa dos interesses franceses em Portugal e, por isso, recorre a um subterfúgio para tentar adiar ou mesmo evitar totalmente o cumprimento das ordens de Napoleão: alega falta de armamentos e homens.
Tendo recebido um relatório enviado por Dmitri Seniavin, datado de 21 de Abril de 1808, Napoleão dá-lhe algumas ordens: estar pronto para sair para o mar a qualquer momento e, para isso, “manter a tripulação em estado de alerta”. E vendo que o navio “São Rafael” não se encontrava devidamente equipado, o Imperador francês ordenou ao almirante russo que contactasse Junot para que este recrutasse marinheiros suecos e outros que se encontravam em Lisboa. Além disso, se faltassem munições, pólvora ou quaisquer outros materiais, deveria conseguir tudo isso em Lisboa.
Mas o oficial russo consegue, sob os mais variados pretextos, manter a neutralidade, explicando a sua posição numa missiva enviada ao czarAlexandre I: “Uns dias antes de me encontrar com o duque [Junot], recebi informação segura de que a Espanha se fez inimiga clara da França e as armas espanholas tinham vencido em várias ocasiões, ao mesmo tempo que as províncias setentrionais de Portugal começaram a fugir do poder dos franceses... e a mais insistente exigência do duque para o reforçar com soldados convenceu-me da situação fraca das tropas francesas em Portugal. Eu, encontrando-me em situação tão difícil, considerei: se tomar o lado dos franceses e assim me ver claramente envolvido em medidas hostis contra os portugueses, ingleses e espanhóis, ficarei sem qualquer meio para salvar a esquadra de Vossa Alteza Imperial do poder desses povos unidos...”
Junot passa dos pedidos pessoais para as exigências formais a fim de obrigar Seniavin a cumprir as ordens vindas de Paris e São Petersburgo. A 3 de Julho de 1808, o general francês escreve ao oficial russo: “Senhor almirante, nas difíceis circunstâncias em que me encontro e que advêm nomeadamente da necessidade de defender a esquadra de Sua Alteza, o Imperador Russo, eu penso que o nosso dever comum, bem como o interesse dos nossos senhores, consiste em chegar a um acordo sobre os meios possíveis de ajuda mútua”.
O objectivo era conseguir fazer com que Seniavin desembarcasse com as suas tropas na margem esquerda do Tejo para defendê-la dos ingleses: “o efeito colossal dessa medida seria incalculável”.
(continua)
3 comentários:
Sempre me questionei sobre esta passividade da armada russa face à aproximação inglesa. Terá sido apenas por reconhecimento de inferioridade de forças? Ou por, já na altura e apesar do Tratado de Tilsit,a Rússia querer deixar a porta aberta a ulteriores transacções com a Inglaterra? Esta actuação do comandante da armada russa determinou o futuro da história da França e, tragicamente, da própria Rússia. E assegurou o triunfo da Inglaterra,que por bem pouco não sucumbiu aos efeitos do Bloqueio Continental. Quero felicitar o jornalista José Milhazes por trazer à nossa memória este episódio tão esquecido mas de consequências tão profundas. E fico ansiosamente à espera da continuação deste capítulo.
Com os meus cumprimentos,
Francisco Andrade
Caro Francisco Andrade, a continuação do texto irá responder às suas perguntas, mas posso desde já dizer-lhe que o almirante Seniavin era dos que apostava no "partido inglês" e defendeu a sua posição até ao fim. Como iremos ver depois, Seniavin pagou bem caro pelas suas posições tomadas.
Cumprimentos
Meu caro:
Este Seniavin faz lembrar (embora ressalvando os contextos, como é óbvio...) o também desobediente Aristides Sousa Mendes...
Parabéns pela magnífica lição de História!
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