segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Contributo para a História (Guiné-Bissau)


Há já uns anos que recolho os materiais mais diversos, desde memórias a cartas, sobre a passagem de conselhos militares soviéticos e russos pelas antigas colónias portuguesas. Talvez ainda este ano seja publicado um livro com base nos resultados dessa investigação, porque, é minha opinião, em Portugal, é pouco conhecida a participação de conselheiros militares soviéticos e russos na guerra colonial (1961-1974).
Entre os vários documentos encontrados, deparei com as memórias de Piotr Evsiukov, antigo funcionário da Secção Internacional do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética e embaixador soviético em Maputo, após a independência de Moçambique. Este diplomata relata um episódio que mostra uma das muitas formas utilizadas para se conseguir ajuda militar soviética.
As notícias sobre as actividades de Amílcar Cabral na Guiné-Bissau começaram a chegar a Moscovo em meados de 1961. Em finais desse ano, o dirigente da guerrilha guineense dirige-se à Embaixada da URSS em Conacri com vista a pedir para ser recebido na capital soviética. O pedido foi aceite.
Piotr Evsiukov recorda um dos encontros de Amílcar Cabral com Andrei Gretchkov, ministro da Defesa da URSS: “Vale a pena contar um episódio curioso que teve lugar durante uma das festas oficiais na União Soviética. Em Moscovo juntaram-se hóspedes. Veio também A. Cabral com a esposa Maria. Na véspera, Cabral tinha pedido o fornecimento de alguns tipos de armamentos e, se a memória não me engana, vários carros blindados. O ministro da Defesa, marechal A.Gretchko, não concordou com o meu projecto de decisão de satisfazer o pedido. Durante uma conversa a este propósito com o comandante da Direcção de Reconhecimento Principal (GRU) do Estado-Maior, o general P.Ivachutin, este último, compreendendo que o pedido era fundamentado, propôs-me recorrer a uma artimanha. Mais precisamente, durante um banquete no Palácio dos Congressos no Kremlin, ele dar-me-ia, no momento preciso, um sinal para que eu levasse Cabral até Gretcho e os apresentasse.
A ideia foi realizada com precisão militar. Eu não desviava os olhos da mesa onde estava o marechal com um general. Já quase no fim da recepção, Piotr Ivanovitch (Ivachutin) fez-me o sinal combinado e nós, com Amílcar e Maria, aproximámo-nos de Gretchko. Amílcar apresentou-se. Excitado e bem disposto, o marechal respondeu com clara bondade à saudação e disse: “Então você é que é Amílcar Cabral, eu recusei o seu pedido, mas amanhã darei o acordo”.
O secretário-geral do PAIGC ficou extremamente satisfeito com a conversa curta, mas útil, com Andrei Antonovitch (Gretchko). O ministro cumpriu a palavra. No dia seguinte, telefonaram-me e comunicaram-me que o projecto tinha sido assinado”.

18 comentários:

Anónimo disse...

Caro Milhazes
Será meritório qualquer contributo testemunhado pelos protagonistas do lado dos que financiavam o material bélico como foi o caso dos soviéticos, no caso da Guiné-Bissau, assim como apenas se constatava para além das etnías da própria Guiné, alguns gambianos, caboverdianos e poucos cubanos na condução estratégica da guerrilha e das movimentações no terreno.
Mas em 1972, na Guiné-Conacry de Seko Turé os Assessores soviéticos eram já em numero não negligenciavel, o que fazia daquele a voz mais credibilizada em termos de lideres africanos, e de ser considerado um pária pelos franceses.
A aproximação aos soviéticos era de tal ordem, que a própria aviação contava com caças MIG-21 creio (sem confirmar) caso único em toda a Africa naquela época.

Para resumir, Conacry estava sob controlo da URSS, mas...houve um dia (Operação Mar Verde)em que todos os pontos estratégicos de Conacry ficaram nas mãos de uma centena de comandos e fuzileiros luso-guineenses. A operação abortou, porque quem deveria anular os tais migs no aeroporto militar, comunicou com o comando da operação que os ditos aviões não se encontravam no aeroporto.
Só havia uma alternativa...retirar o mais rápido possivel.
Seria interessante, saber como foi vivido este acontecimento pelo lado dos soviéticos presentes na altura em Conacry, para poder confrontar com a versão portuguesa.
M.Cumprimentos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Inácio, vou investigar e se descobrir alguma comunicarei.

MSantos disse...

Não sei se é verdade ou não mas ouvi dizer que quem pilotava estes migs bem como os MIG-23 da Força Aérea Angolana nos vários conflitos contra a África do Sul na Namíbia, eram mercenários alguns deles portugueses.

Se alguém poder confirmar ou desmentir, agradecido

Cumpts
Manuel Santos

Anónimo disse...

Senhor J M continua a ser de grande interesse para todos nós portugueses este assunto que aborda sobre a nossa história colonial, por isso não posso resistir à tentação de dar o meu parece sobre o assunto, visto eu ou familiares meus termos estado envolvidos nessa questão quer como civis ou militares.
Comecemos por Amílcar Cabral , que é a pessoa que o Senhor centrou no seu comentário.
Sabe que esse homem devia merecer o máximo respeito de todos nós Portugueses porque além da sua formação adquirida aqui em Portugal, foi um grande intelectual e uma figura internacionalmente reconhecida e respeitada. Se teve de recorrer à luta armada foi porque não lhe restou outra hipótese na medida em que nos finais dos anos cinquenta quando propôs ao governo fascista/colonialista Português uma saída negociada para o problema colonial, a resposta foi a prisão. Por outro lado se recorreu ao auxilio militar Soviético também foi porque não lhe restou outra alternativa na medida em que os países Ocidentais não passavam das promessas. Conseguiu apoio logístico no Senegal de Sengor com a anuência da França e algum armamento e pouco mais. Mas era tão credibilizado que conseguiu uma audiência com o Papa no Vaticano, além de ter mantido contactos com a maioria dos lideres Europeus da altura e de manter delegações em muitos países, a mais importante na Bélgica.
Teve o cuidado de afirmar sempre que a guerra não era contra o povo Português mas contra o regime.
Agora quanto às afirmações desse tal Evsiukov esperemos que não seja outro charlatão gabarola tipo do conselheiro militar Soviético ( um Konstantin) que estava em Angola na altura das grandes operações militares do Cuito Canavale, se tivessem seguidos as suas directrizes tinham sido esmagados pelas forças invasoras do apartheid. Só que recentemente publicou um livro a contar a versão à sua maneira.
Quanto à sua memória, garantidamente digo-lhe que está mesmo a atraiçoá-lo sobre o pedido dos tais blindados porque nem o tipo de conflito nem o teatro de operações na Guiné se propiciavam a tal tipo de armamento.
Sobre o Amílcar fazer essa tal figura submissa, também lhe digo frontalmente e sem rodeios que a sua fonte não é idónea porque ele não era pessoa de se colocar de cócoras.
Cin.naroda

Jacob disse...

Sobre a luta de libertação das antigas colonias portuguesas na África existe um interessante documentário, Cuba: une odyssée africaine, que mostra a participação cubana nesse processo.
.
A mídia brasileira nunca noticiou isso, de maneira que foi com surpresa que tomei conhecimento desses acontecimentos.
.
Existem ainda alguns DVD's a venda na Amazon.fr ou o filme pode ser adquirido na artevídeo, França. Dublado em português.

Anónimo disse...

MSantos disse...
Não sei se é verdade ou não mas ouvi dizer que quem pilotava estes migs bem como os MIG-23 da Força Aérea Angolana nos vários conflitos contra a África do Sul na Namíbia, eram mercenários alguns deles portugueses.
Senhor Santos quem eram os mercenários em Angola eram aqueles que combatiam por dinheiro. Eram os elementos do batalhão Búfalo (32) os homens de Magnus Mallan e os outros mercenários pagos com o dinheiro da CIA e do saque dos diamantes Angolanos. Os outros eram Internacionalistas porque deram as suas vidas por nada. Os conflitos não eram contra a África do Sul eram contra as agressões do regime tenebroso do apartheid que invadia os seus vizinhos. Também se deve informar melhor porque nem a aviação Angolana nem quaisquer tropas a partir do território de Angola entraram na Namíbia, o mais próximo que tiveram foi a 25 km da fronteira ( SWAPO sim ).
Quanto aos tais pilotos dos MIG ou eram Angolanos treinados na URSS ( Conheci um mecânico que tirou o curso em Krasnodar) ou Cubanos.
Senhor Cristiano
Sobre a tal Operação Mar Verde levada a cabo por Alpoim Calvão a história não é assim tão rocambolesca como a pintam , além de envolver fuzileiros Portugueses e alguns dissidentes do PAIGC também contou com apoios dentro da própria Guiné Conakri , porque ainda hoje não se sabe como é que o Nino Vieira conseguiu libertar-se depois de já ir a caminho de Bissau dentro de uma lancha da marinha.
Mas está a ver como as coisas são. Esse acto diga-se de afrontamento foi o principio do fim para o exercito colonial Português, começaram a partir daí a sofrer derrota atrás de derrota. O Spínola publicou o livro a alertar os governantes para o desastre que se avizinhava. Se os militares não tivessem feito o 25 de Abril estavam na iminência de perder lá trinta e cinco mil homens.
Cin.naroda

Anónimo disse...

Senhor Jacob se pretende saber mais sobre este assunto pesquise na google Cuito Canavale. Encontra lá informação de todas as origens e das mais diversas opiniões.
cin.naroda

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Leitor Francisco, Evsiukov era um alto funcionário do aparelho soviético e uma das figuras centrais nas relações entre a URSS e as antigas colónias portuguesas, daí terem interesse as suas memórias.
Quanto ao general Konstantin, ele é um herói tanto na Rússia, como em Angola, até recebeu como prenda dos dirigentes angolanos um automóvel Mercedes.
Claro que se tem de ter muito cuidado quando se analisam as memórias escritas na Rússia, principalmente as escritas a partir do início do séc. XXI.
Explico: até ao fim da União Soviética, era muito difícil encontrar testemunhos fidedignos, pois a censura não perdoava. Nos anos 90 do séc. XX, logo a seguir à queda da URSS, alguns arquivos abriram as portas e as memórias são mais ricas, diria mesmo, mais sinceras, revelaram muitos episódios desconhecidos ou pouco conhecidos do passado. Mas, nos últimos anos, os autores das memórias voltaram a ter problemas com a sua própria memória e sacrificam a verdade em nome de outros objectivos, reescrevem a história.

Anónimo disse...

Sr. Milhazes,

"voltaram a ter problemas com a sua própria memória e sacrificam a verdade em nome de outros objectivos, reescrevem a história",

sr. Milhazes, podia dar factos concretos, nomes etc.?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Leitor russo anónimo, eu noto uma difrença clara entre a forma como as pessoas falavam nos anos 90 e falam agora. Depois da queda da União Soviética, alguns arquivos foram parcialmente abertos e foram publicadas memórias interessantes, sobre algumas das quais escrevi ou utilizei nos meus trabalhos de história. Hoje, as memórias são mais vazias.
Quanto a factos, basta comparar o que foi escrito então e o que é publicado agora.

Anónimo disse...

Eu entendo a opinião do senhor, mas prefiriria os factos :)
Talvez, simplesmente, as memórias mais sensacionais já fossem publicadas nos anos 90? Talvez a cede mais aguda já fosse satisfeita? Talvez nao haja tanto drama no que acontece (ou nao acontece) hoje nessa área?

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Leitor anónimo, ainda há tanta coisa por saber e publicar! Se você se dedica à investigação histórica, saberá quão difícil é o acesso a alguns arquivos soviéticos que já poderiam estar abertos!

Anónimo disse...

Sr. Milhazes,
Eu sou formado em história, e, embora não trabalhe agora nessa área e, confesso, ser um mau especialista, posso consultar os meus ex-condiscipulos, se for muito preciso:)Infelismente, quando era estudante, dedicava-me a outras coisas, inclusive ao estudo de portugues, e terminei a universidade com dificuldade:) Mas eu aprendi o essencial: posso avaliar as fontes e até trabalhar com elas. Se aínda alguns dados estao fechados (quanto a história contemporánea do pais), pode haver explicaçao lógica para isso: pouco tempo pode ter passado em alguns dos casos. Mas não conheço pormenores.

riks disse...

Quanto aos migs e mercenarios em Angola:
estive la no inicio dos anos oitenta como tripulante do cargueiro sovietico Antonov 12. Quem pilotava os migs eram cubanos. Faziam uma regular volta de alguns minutos por cima da cidade de Luanda e do aeroporto. Eram rapazes muitos corajosos, as vezes entravam a correr no mig sem camisolas, levantavam voo e voltavam ja em 5-7 minutos.
Aquela zona do pais, a capital, era relativamente calma comparando com a parte sul - cidades como Menongue e Lubango. Ai estava estacionada uma unidade de tropas cubanas a proteger a area do aeroporto.
Dos portugueses so vi em Luanda pilotos de Boeing 707 mas eram poucos.
Os cubanos tambem faziam bombardeamentos das zonas de Benguela e Huambo onde nas matas havia acampamentos da Unita

Anónimo disse...

Caro J.Milhazes


"Caro Inácio, vou investigar e se descobrir alguma comunicarei."

Desde já com os meus agradecimentos
mas queria fazer algumas correções ao meu texto, porque não quero induzi-lo em erro nas eventuais pesquisas.(1972 foi o inicio da minha comissão militar na Guiné, a qual finalizou em Setembro de 1974)

-A Operação Mar Verde, executada em Novembro de 1970 pelas nossas tropas, mas com a "camuflagem" do partido FNLG da oposição ao Sekou Touré, que o substituiriam por um lider que não facilitasse a vida ao PAIGC.

-Os tais MIGs que não foram encontrados pelos comandos do tenente Januário, eram MIGs 15 e 17
(Parece que estavam estacionados na Base de Labé). A não destruição destes aviões fez fracassar os objectivos da operação.

-Não obstante a operação ter abortado, parece que grande parte dos objectivos foram atingidos.
A policia, exército e marinha estacionada em Conacry ficaram desmantelados, os presos politicos libertos e o próprio Sekou Touré ficou vivo, porque às 02.30 não estava a dormir onde era suposto.

-Faz todo o sentido A.Cabral pedir carros blindados, seria uma forma de contentar o dificil anfitrião de Conacry. Após os tumultos de Pidjiguiti em 1959, Cabral instála-se em Conacry a preparar a guerra de libertação e o seu relacionamento com o execràvel Sekou Touré sempre foi muito diplomático mas por vezes problemático devido ao controlo da ajuda financeira e material. Muito do dinheiro escandinavo e holandes assim com dinheiro e material soviético do PAIGC foi gerido pelo velho ditador como se fosse dele.
Não foi por acaso que A.Cabral passou a direcionar toda a ajuda financeira para Argel.

Obs: Se usar "pinças" nesta averiguação, pode até ajudar a fazer alguma luz sobre o assassinato de A. Cabral

MSantos disse...

Tem razão Sr Francisco.

Apesar da sua visão "romântica" existe alguma veracidade.

Vá lá! Não me leve a mal.
:o)

Lembro-me vagamente de ter havido conflitos entre as duas forças já em território namibiano (provavelmente alguma escaramuça), mas pelos vistos foram só forças cubanas. Na Namíbia, o controlo sul africano era total.

Se considerar esta info digna de crédito:

http://www.afrol.com/articles/17553

Para um estudo mais exaustivo da guerra aérea entre as forças cubanas/angolanas e a África do Sul:

http://www.acig.org/artman/
publish/article_184.shtml

Cumpts
Manuel Santos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Inácio, se procurar no arquivo deste blog, encontrará uns textos sobre o assasinato de A.Cabral, que publiquei há algum tempo.

Anónimo disse...

Caro Milhazes
Deu-me a conhecer um excelente artigo, da mais alta importancia e contributo para apuramento da "Verdade Histórica"

"Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1973, entraram inesperadamente no “Experiente” o comandante das Forças Armadas da Guiné Conacri e o conselheiro militar soviético, o major-general Fiodor Tchetcherin. Eles trouxeram a notícia que, por volta das 23 horas, numa das ruas de Conacri, um grupo de desconhecidos tinha assassinado A.Cabral.
A sua esposa e alguns membros do Comité Central do PAIGC foram feitos prisioneiros e levados para lanchas que se dirigiram para a Guiné Portuguesa.
Iúri Ilinikh foi afastado do cargo devido a ter actuado sem autorização de Moscovo, mas, depois do relatório do major-general Tchitcherine, Ilinikh recuperou o comando do “Experiente” e recebeu elogios pelas suas “acções ousadas e decididas”.

OBS.
-A guarda pessoal de A.Cabral era disciplinadissima, assim como a estrutura de segurança feita pelos próprios elementos do PAIGC era eficaz como demonstrado aquando da "Operação Mar Verde" na defesa das instalações do PAIGC.(!)

-As 3 lanchas usadas, foram ofertas soviéticas e sempre foram conduzidas pelos mesmos elementos da maior confiança de A.Cabral que lhes planeava as operações.(!!)

-Todos os "aprisionados" nessas lanchas eram de origem caboverdiana.(!!!)

-Nem Sekou Touré, nem os comissários soviéticos estavam de acordo com a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau sem esta coincidente com a de Cabo Verde.(!!!!)

-Quem apoiou a independência em Madina do Boé em 24 de Setembro, nos bastidores da sua preparação foi Argel, Libia e as habituais forças progressistas europeias no seu lobbing internacional.(!!!!)

-Bissau, nesta altura recebeu um inusitado numero de jornalistas ocidentais, que procuravam cobrir os acontecimentos do facto (Eu vi, porque estava lá).(!!!!)

-Entre os guineenses com mais humor nacionalista, dizia-se talvez de forma condizente com onacionalismo revolucionário do Sekou Touré:
"Guiné para os guineus, Cabo Verde para os caboverdianos"(!!!!)

-Um dos objectivos (secundários) da Operação Mar Verde, era a destruição do "Alojamento dos Russos" que ficava na confluência da 4ªBoulevard com a 4ªAvenue. Não sei de o objectivo foi superado, esperemos que não.(?)
M.Cumprimentos