quinta-feira, dezembro 31, 2009

O que foi a missão soviética no Afeganistão?

A Rússia recordou o 30º. aniversário do envio de tropas soviéticas para o Afeganistão com o discurso político a assinalar que as 13 mil baixas não foram em vão e os analistas a lembrar que não é psosível ganhar uma guerra naquele país.

Desde a retirada das tropas soviéticas por Mikhail Gorbatchov em 1989 e até muito recentemente, poucos eram os que, na Rússia, refutavam a tese de que o envio de soldados para o Afeganistão constituiu um grave erro da direcção comunista da URSS de então e foi uma das principais causas da queda do império soviético.

Porém, “o combate à revisão da história”, desencadeado pelo actual Presidente russo, Dmitri Medvedev, parece ter chegado também a essa página.

Numa declaração aprovada pela Duma Estatal (Câmara Baixa) do Parlamento Russo, lê-se que “as perdas irremediáveis e vítimas nessa guerra não foram em vão".

"Graças a dez anos de presença de um contingente limitado de tropas soviéticas, foi travado o fogo de uma nova guerra mundial junto às fronteiras do nosso Estado. Pela primeira vez, foi dada uma resposta digna ao terrorismo internacional e ao tráfico de drogas. Não nos devemos esquecer disso”, lê-se na mesma declaração

Este fragmento da declaração foi proposto pelo deputado Franz Klintzevitch, veterano da Guerra do Afeganistão e dirigente do Partido Rússia Unida, dirigido pelo primeiro-ministro Vladimir Putin.

Durante a análise do documento, o deputado Anatoli Lokot, em nome do grupo parlamentar do Partido Comunista da Rússia, assinalou: “A história moderna mostra que os veteranos do Afeganistão defenderam as fronteiras meridionais da URSS e isso não foi feito em vão. Hoje, nós não estamos lá, mas encontram-se os Estados Unidos. Isso não é culpa dos veteranos, mas dos dirigentes, da política realizada por Gorbatchov, Ieltsin e por muitos outros.”

Isto não significa, porém, que Moscovo esteja disposto a enviar soldados para o Afeganistão. Ainda não sararam as feridas nos corações das mães e esposas dos mais de 13 mil soldados soviéticos que perderam a vida nessa guerra. Além disso, a opinião mais frequente entre analistas e políticos russos continua a ser a de que “é impossível vencer no Afeganistão”, apresentando como exemplos não só a derrota dos soviéticos no século XX, como a dos ingleses no século XIX.

No entanto, o Afeganistão esteve no centro do reatamento das relações entre a Rússia e a NATO, no início deste mês. Os contactos entre as partes tinham sido suspensos em Agosto de 2008, quando as tropas russas entraram na Geórgia.

Moscovo aceitou o transporte de mercadorias militares e de tropas da Aliança Atlântica para o Afeganistão através do seu território, bem como se comprometeu a conceder apoio económico e técnico às autoridades afegãs.

No dia 28 de Dezembro, o Presidente Medvedev comentou o envio de dois helicópteros de salvamento e de 52 camiões russos para Cabul como “importante, porque do estado das coisas no Afeganistão depende o estado das coisas na Ásia Central em geral”.

“Infelizmente, todos os problemas que aí surgem reflectem-se, dentro de algum tempo, na Ásia Central e, no fim de contas, no nosso país”, sublinhou Medvedev.

4 comentários:

Anónimo disse...

CIA e guerrilha islâmica

Em autobiografia publicada em 1996 ("From the Shadows"), o atual secretário norte-americano da Defesa, Robert Gates, revela que a CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos) começou a financiar e armar a guerrilha islâmica meses antes da intervenção soviética.

Zbigniew Brzezinski, na época secretário de Estado de Jimmy Carter, reconheceu recentemente que o apoio fazia parte de uma "armadilha" para arrastar os soviéticos para o Afeganistão, onde teriam "o seu Vietnã".

Os alertas do KGB e o alarme da direção soviética sobre o que viam como uma ação crescente dos norte-americanos no Afeganistão foram intensificados pela progressiva deterioração das relações com os EUA no final dos anos 70, mas muitos analistas tendem a avaliar a intervenção soviética mais como um reflexo defensivo do que como uma manobra expansionista.

Anónimo disse...

"muitos analistas tendem a avaliar a intervenção soviética mais como um reflexo defensivo do que como uma manobra expansionista."


Certo. Mas devo avisar que o Natal já passou e eu não acredito em Papai Noel.

Anónimo disse...

Quando o secretário geral da OTAN tem de ir a Moscovo pedir ajuda russa é sinal de que os EUA também estão a levar uma coça no Afeganistão eles que antes fomentaram os taliban para derrotar os soviéticos.
Sem dúvida que os taliban deviam desaparecer, mas as políticas imperiais levam à ironia de Putin se rir dos problemas da OTAN. Enfim, ao que levam as burradas de G.W. Bush.

Pippo disse...

O Bush não cometeu propriamente um erro em invadir o Afeganistão. Os problema é que em seguida foram cometidos vários erros:
- a invasão não tinha um plano para "o dia seguinte" (o mesmo erro cometido no Iraque)
- quis-se criar uma democracia num país onde isso não existe (o Ocidente tem a mania de querer mimetizar-se em culturas alheias);
- não foram empregues forças suficientes no TO, de forma a esmagar a guerrilha;
- não foi fechada a fronteira com o Paquistão, o que permitiu à guerrilha fazer exactamente o mesmo que foi feito nos anos 80;
- foram desviados importantíssimos recursos para o Iraque, sendo que a abertura de uma frente neste TO, sendo interessante sob o ponto de vista geo-estrategico, foi um erro sob o ponto de vista politico-militar.

Actualmente a coligação está numa situação de certo modo similar à da URSS, se bem que com diversas vantagens:

- o governo Karzai assemelha-se ao governo da RD do Afeganistão mas, apesar de tudo, creio que goza de mais apoio popular;
- diversos ex-guerrilheiros apoiam o governo (vide Rashid Dostun);
- a guerrilga Taliban* centra-se sobretudo entre os pashtunes, ou seja, é menos abrangente do que a guerrilha mujahidin;
- o Paquistão, apesar de tudo, move uma guerra contra os taliban, algo que não acontecia nos anos 80 contra os mujahidin (pelo contrário, estes até eram apoiados pelo ISI);
- a NATO, nomeadamente o contingente português, move uma activa campanha de conquista da população para o seu lado, algo que não acontecia (ou, se acontecia, era feito de forma ineficaz) pela tropa soviética;
- a NATO tem um melhor conhecimento das técnicas de guerrilha e contra-guerrilha;
- A NATO tem equipamento mais sofisticado.

Seria interessante se o JM recolhesse e publicasse histórias dos veteranos do Afeganistão. Sei que as há na internet, mas não estão em português...

* Já agora, taliban é o plural em pashtune de talib, que é uma palavra árabe. O plural em árabe será qualquer coisa como tulab