Poema do poeta soviético Alexandre Tvardovski traduzido pelo meu saudoso amigo José Sampaio Marinho:
Naquele dia em que acabou a guerra,
E o som das peças era triunfal,
Nessa hora solene para a terra
Pra nós houve um minuto especial.
Do caminho no fim, na terra enxuta,
Ao troar dos canhões nos despedimos
De quantos pereceram nesta luta,
Vivos e mortos longe assim nos vimos.
Até então, nas profundezas de alma,
Despedir-se jamais se tinha visto.
Ligava-nos uma igualdade calma,
Nos separava a folha de registo.
Com eles fomos através da guerra,
Em fraterna união até ao fim,
Cuidados pela sua glória austera,
Do seu destino sempre perto enfim.
E só aqui, neste momento ingente,
Feito de nostalgia e de grandeza,
Nos separámos deles para sempre,
Por entre salvas cheias de tristeza.
Indicou-me o ribombo dos canhões
Que não serão mais perdas apontadas.
Pairando em névoa está nas vastidões
A imagem imortal dos camaradas.
E sentindo através do tempo baço
Como estas salvas nos levam ditosos,
Não ousam num adeus erguer o braço,
Falar não ousam. São silenciosos.
Despedida. Cessaram os trovões.
Foi-se o tempo com eles. Na paisagem,
Bétulas, freixos, bordos e chorões
Quantas vezes mudaram a folhagem.
Mas de novo a folhagem já se apresta.
Nossos filhos e netos crescerão.
E o rebentar do fogo em qualquer festa
Lembrar-nos-á a grã separação.
E não porque guardamos a memória,
Porque se deve sempre recordar,
E não só porque no fluir da história
Da guerra os ventos uivam sem cessar,
Foram-nos dadas aulas de coragem
Na eternidade daqueles
Que hoje são cinza dum buraco fundo.
Não, mesmo que os caídos na voragem
Fossem os últimos do nosso mundo, -
Como deixá-los entre abrolhos,
Viver sem eles
No bem-estar reconstruído,
Não contemplar a terra com seus olhos,
Não o mundo escutar com seu ouvido?
E ao percorrer da vida o atalho dado,
Perto do derradeiro limiar,
Não ver dentro de nós e a nós lançado
A sua aprovação e o censurar?
Seremos erva?
Serão eles erva?
Não. Não se acaba a mútua ligação.
Não dos mortos, mas da afinidade se conserva
O poder não sujeito da morte à razão.
A vós, caídos na batalha atroz,
Pela nossa ventura no planeta,
A vós e aos vivos ergo a minha voz
Em cada novo canto de poeta.
Não os escutareis e nunca os lestes.
Ficarão mudos, num silêncio enorme.
Mas vós sois meus; connosco combatestes,
Ouvistes-me e soubestes o meu nome.
Para a terra sem voz, tranquila e ruim,
Onde não há os da missão voltados,
Convosco parte viajou de mim
Do jornal de campanha nos linguados.
Sou vosso, amigo – devo-vos favores,
Tal como aos vivos -, estou-vos obrigado.
E se mentir, dado a temores,
Pisar o rastro
Que para mim está vedado,
Disser frases sem nelas confiar,
Sem tempo até para as distribuir,
Sem conhecer dos vivos o pensar,
Vossa muda censura hei-de ouvir.
De morto ou vivo o juízo é igual.
Que na minh’ alma até ao fim da vida
Viva, troveje a salva triunfal
Da vitória e da grande despedida.
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8 comentários:
Um poema bonito, muito bem traduzido
(não é nada fácil traduzir poesia do russo para o português!), faz-nos sentir um pouco do que vai na alma das velhas gerações nestes dias!
É um poema triste e sentido, esse. Pena que tantos tenham morrido para se libertarem do jugo nazi.
Obrigado JM, por este lindíssimo poema.
A nossa obrigaçäo é agradecer aos que lutaram contra o obscurantismo nazi-fascista, e nunca esquecer esse sacrifício.
Näo percebo porque é que no "Ocidente civilizado" näo häo comemoraçöes "a sério" do Dia da Vitória, por acaso celebrado a 8 de Maio. Custava muito? A liberdade deveria ser um valor transversal à Humanidade!
Um nota que mostra bem o valor do POVO soviético é que ganhou a guerra contra o nazismo APESAR do Estaline. Compreenderam?
senhor Milhazes, os russos são descendentes dos Citas e desde a mais remota antiguidade se dizia que eles lutavam como selvagens.
Quanto à guerra propriamente dita, por trás das unidades regulares, estavam estacionadas unidades da polícia política, NKVD.
Quem não aguentasse a posição e retirasse, era sumariamente executado. O mesmo acontecia a quem desertasse.
Só restava ou ganhar, ou morrer.
Para não morrerem, ganharam, mas à custa de um sacrifício enorme, e porventura desnecessário, de milhões de mortos.
Parece que quanto mais mortos, mais satisfação para o carniceiro Estaline ...
Vox disse...
"senhor Milhazes, os russos são descendentes dos Citas e desde a mais remota antiguidade se dizia que eles lutavam como selvagens.
Quanto à guerra propriamente dita, por trás das unidades regulares, estavam estacionadas unidades da polícia política, NKVD."
Não diga bobagens. Unidades da polícia política só estavam por tras dos "schtrafbat". Do meu avô, aquele, que passou a querra nas unidades regulares, nunca ouvui de ninguem por tras.
Ou esse vox-популиз é apenas mais uma encarnação do Jest?
Não me furto em dizer que gostei muito desta tradução/versão. Bem sabe o tradutor o terror que é verter um poema mantendo a ideia original.
Aos curiosos, o original (em russo), pode ser encontrado aqui:
http://www.litera.ru/stixiya/authors/tvardovskij/v-tot-den.html
Grato pela publicação
Vox disse...
"senhor Milhazes, os russos são descendentes dos Citas e desde a mais remota antiguidade se dizia que eles lutavam como selvagens.
Quanto à guerra propriamente dita, por trás das unidades regulares, estavam estacionadas unidades da polícia política, NKVD.
Quem não aguentasse a posição e retirasse, era sumariamente executado. O mesmo acontecia a quem desertasse."
Por sinal, existiam "zagradotriad", segundo a informação que encontrei, que tinham direito de até utilizar armas nas circunstánias extraordinárias. Foram compostas, segundo entendi, dos soldados das tropas regulares tambem. Mas os veteranos cujos palavras li, dizem que os casos quando foram utilizadas as armas, foram rarissimos.
Os desertores foram apanhados, sim, se foram todos fuzilados, eu não sei.
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