Texto traduzido e enviado pela leitora Cristina Mestre
"Editorial da Gazeta.ru
A indiferença com que as autoridades municipais de Moscovo estão a reagir à dificílima situação ecológica na cidade não é de admirar. O destino dos dirigentes regionais não depende da sua relação com a população nem da sua capacidade de gerir o território que lhes foi confiado. Eles simplesmente não precisam de ser responsáveis, eficazes e humanos.
O presidente da Câmara Municipal de Moscovo, Yuri Lujkov, depois das duras críticas por parte da imprensa e das ridículas declarações do seu secretário de imprensa, Serguei Tsoi (de que os dirigentes municipais “de qualquer forma não podem fazer nada”) sempre se dignou interromper as férias e o “tratamento a uma lesão desportiva”, tendo voltado à capital quase asfixiada pelo fumo. Uma semana após Moscovo se ter transformado num verdadeiro inferno devido ao calor e ao fumo, quando os indicadores da mortalidade desde o início de Agosto já são duas vezes superiores aos números habituais, os dirigentes municipais começaram finalmente falar com a população! E o que disseram?
“Não há razões para declarar o regime de emergência. A situação está sob controlo, estamos a tratar da situação”, descansou-nos Vladimir Ressin, primeiro adjunto do presidente da Câmara. Ressin informou que Yuri Lujkov, afinal, mesmo quando se encontrava em férias, não estava completamente desligado do trabalho e dava “4-5 indicações por dia”.
Os dirigentes de Moscovo tomaram uma medida concreta de combate ao fumo: limitaram a venda de máscaras a 10 por pessoa, no máximo. Como esclareceu o responsável pelo departamento municipal de saúde, Andrei Seltsovsky, “para evitar a especulação”.
Segundo ele, algumas pessoas estavam a comprar grandes quantidades de máscaras e a vendê-las nos locais públicos a 50 rublos por peça, em vez de sete.
Possivelmente, a autarquia de Moscovo não tem fundamentos jurídicos para declarar o regime de emergência na cidade, asfixiada por dióxido de carbono e outras substâncias tóxicas. Mas para quê mentir, dizer que a “situação está sob controlo”, especialmente depois das palavras do secretário de imprensa, lançado para deter a ofensiva informativa, em que este afirmou precisamente o contrário - que as autoridades não podiam fazer nada?
Mas mesmo que os dirigentes estejam verdadeiramente impotentes, (embora a sua obrigação seja encontrar formas de facilitar a vida aos cidadãos nas situações mais difíceis) eles, em todo o caso, de acordo com as mais elementares normas morais, devem estar ao lado das pessoas, informá-las objectivamente.
Yuri Lujkov, que passa o tempo a aparecer nas televisões, habituado a dar opiniões sobre tudo, desde o estatuto de Sebastopol até à crise económica mundial e à alteração do leito dos rios da Sibéria, resolveu agora tratar de uma lesão desportiva e fazê-lo longe dos incêndios. Se ele se encontra verdadeiramente incapacitado e não está em condições de cumprir as suas obrigações, poderia ter dito isso mesmo, ou ter escrito um pedido antecipado de demissão voluntária.
A verdade é que o presidente da Câmara de Moscovo, tal como qualquer outro dirigente regional na Rússia, sabe perfeitamente que não levará nenhum “pontapé no rabo”por causa dos incêndios e do fumo (mesmo que a região não tenha sido minimamente preparada para eles) nem “de cima” nem “de baixo”.
As eleições dos governadores há muito que foram abolidas e a população em princípio não pode influenciar o processo de nomeação dos líderes regionais. Por isso, o futuro de Yuri Lujkov no cargo que ocupa, mesmo que metade da capital fique asfixiada com fumo, não depende disso. Depende, sim, dos acordos de bastidores estabelecidos entre ele e a elite do poder federal.
É também por isso que o governador de Nijny Novgorod, Valeri Chanssev, que falhou completamente na preparação para os fogos florestais, tomou posse no cargo no último domingo como se nada tivesse acontecido. Tendo sido reconduzido pelo Kremlin para um segundo mandato antes dos fogos, tornou-se logo intocável.
A verdade é que a vida real e os interesses reais das pessoas não são tidos em conta quando são feitas nomeações ou demissões.
As autoridades russas têm uma grave lesão desportiva que as impede de fazer qualquer coisa útil pelo país – é uma lesão da cabeça, que lhes faz inverter completamente as noções de função e de papel dos responsáveis públicos no Estado e na sociedade. O presidente da Câmara de Moscovo não se sente representante dos habitantes de Moscovo, ele sente-se dono da cidade, com a qual pode fazer tudo o que lhe apetece (até uma determinada altura).
As autoridades sabem perfeitamente o que significam “operações de marketing político” na altura do combate aos incêndios. Do ponto de vista audiovisual, é muito vantajoso contactar com populações afectadas (previamente testadas quanto à sua lealdade ao Governo), ou visitar um hospital que escapou às chamas, tal como fez Putin. Mas, do ponto de vista do que faz mesmo falta, o trabalho diário e pouco visível de prevenção dos fogos, que fracassou totalmente na Rússia nos vários níveis do poder, é muito mais importante.
O poder sente que vive numa total irresponsabilidade e falta de controlo. Se Vladimir Putin, possivelmente, ainda terá que passar por eleições presidenciais e, sendo um dos dirigentes-chave da Rússia, precisa de “trabalhar para o rating”, já o presidente da Câmara não tem tal preocupação e pode ficar descansado. Não haverá mais eleições na sua carreira e, no cargo em que tem estado, mesmo que a cidade que lhe foi confiada fique asfixiada, ninguém irá responsabilizá-lo."
7 comentários:
Um amigo moscovita mandou ontem o e-mail que conta que antes de ontem, no hospital do seu bairro morreram 8 pessoas (fumo, etc), em média por semana morrem cerca de 90 pessoas.
Realidade moscovita: amanha, 11.08.2010 aos 7h00 todos os médicos (de um determinado hospital) são mobilizados para um local incerto para ficar de plantão. Nenhum médico ficará no seu departamento:
http://ma-liberte.livejournal.com/847236.html
Tal como já foi referido é duplamente triste que as pessoas se aproveitem de uma imensa tragédia humana para os mais obscuros e perversos fins.
Duplamente, por parte dos dirigentes russos que deviam ter recato e efectivamente fazer tudo o que é possível fazer em vez de tal como os seus congéneres ocidentais, "trabalharem" unicamente para a imagem e para o show off tal como Putin que apareceu aos comandos de um Beriev a "comandar as tropas na heróica batalha contra o fogo".
Duplamente, por parte dos habituais detratores da Rússia que também deviam ter recato e a consciência de que um povo que tem por hábito enfrentar as mais frias temperaturas do planeta, seria impossível estar preparado para este tipo de tragédia e como tal só revelam ânsias de fazer aproveitamento político.
Por último também é lamentável que a comunidade internacional, pelo menos do que é meu conhecimento, não tenha movido uma palha para ajudar o sofrido povo russo.
Cumpts
Manuel Santos
É natural que outros países não movam uma palha quando já estão a enfrentar fogos na sua própria terra.
Em termos de dimensão, estou em crer que estes fogos são semelhantes aos que ocorrem anualmente nos EUA, sobretudo na Califórnia. A diferença é que são extensísimas áreas florestais mesmo às portas de Moscovo. Fossem os fogos na Yakútia e ninguém ouviria falar deles.
Agora, como diz, MSantos, é natural que a Rússia esteja preparada para enfrentar -40º, e não +40º!
Caro MSantos
Espero que quando falou em "aproveitamento político" e "habituais detratores da Rússia" não se estivesse a referir a mim.
O meu único objectivo ao publicar artigos mais críticos é dar a conhecer as polémicas que existem na sociedade russa. É, também,uma forma de transmitir algumas das opiniões dos próprios russos, para podermos saber "o que lhes vai na alma". É perfeitamente natural que a população critique o Governo, tal como também acontece em Portugal e noutros países democráticos. Aliás, tal é sinónimo de vitalidade, de pluralismo, e, em última instância permitirá evitar a estagnação.
Um Governo que é deixado sem críticas nunca terá incentivo a melhorar a sua actividade.
Naturalmente, que todos nós temos consciência da tragédia que o país está a sofrer, das muitas pessoas que ficaram sem casa, dos traumas psicológicos que toda esta situação provocou. Estas pessoas merecem todo o apoio possível (algum já está a ser prestado pelo Governo)e a nossa solidariedade.
Um país é constituído por governantes e governados. Seria bom que os primeiros estivessem sempre à altura da dignidade e altruísmo dos segundos.
Pippo
Pelo que ouvi só Portugal está com situações complicadas.
A ajuda que mencionei são os aviões pesados de combate a incêndios como por exemplo quando a Espanha ou a Grécia destacam para cá os CANADAIR.
Recordo-me também de que a Rússia nos ia facultar alguns Be-200 em leasing. Não sei como isso ficou.
Cumpts
Manuel Santos
Cristina
Não tenho por hábito mandar matar o mensageiro (neste caso a mensageira) e embora não pareça a muito boa gente, eu também acho que a Rússia devia cortar uma das cabeças da águia.
Pelo que tenho oportunidade de ler sobre os seus relatos e opiniões não tenho qualquer dúvida da sua honestidade que ao contrário de alguns, apenas querem correr com estes para pôr lá outros.
Subscrevo a 100% o que afirmou.
Cumpts
Manuel Santos
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