sexta-feira, setembro 03, 2010

Os dirigentes passam, mas as tradições ficam

  
Querendo agradar a Imperatriz e Czarina Catarina II, o favorito e marechal Gueorgui Potiomkin fez edificar fachadas de casas pintadas ao longo do caminho da visita da soberana para apresentar povos idílicos na recém conquistada Crimeia. Na realidade, ele pretendia encobrir a verdadeira situação catastrófica da região.
Os czares foram substituídos pelos secretários-gerais do Partido Comunista da União Soviética e, estes, pelos Presidentes da Rússia, mas a tradição continua. Mas com uma “pequena” diferença: na era de Catarina II não existiam câmaras de filmar e Internet e, por isso, há historiadores que afirmam que o episódio acima relatado não passa de uma lenda.
Os episódios abaixo relatados ficaram documentados e ocorreram recentemente. Como foi amplamente anunciado, Vladimir Putin fez uma viagem de vários milhares de quilómetros pelo Extremo Oriente russo num automóvel de fabrico russo Lada-Kalina. O objectivo parecia ser mostrar que se trata de um automóvel que pode concorrer no mercado internacional.
Mas um grupo de russos espertos, que conhecem as tradições do seu país, colocaram-se à margem da estrada e filmaram o cortejo do primeiro-ministro russo, onde havia não um, mas três automóveis cor de laranja russos, um deles transportado por um reboque. Escusado será dizer que todos os restantes automóveis da longa coluna eram de fabrico estrangeiro.
Os autores do filme (em russo) colocado no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=y7T1b7z25Ww&feature=player_embedded consideram que Vladimir Putin não utilizou um, mas três automóveis e o que era transportado no reboque tinha avariado.
Dmitri Peskov, porta-voz do primeiro-ministro russo, veio dizer que Putin utilizou apenas um, para desmentir os boatos de que os automóveis cor de laranja não são tão bons como dizem.
O Presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, também parece ter sido vítima das “aldeias de Potiomkin” durante a recente e breve visita à região de Saratov.
 Segundo o jornal Novaya Gazeta, que cita testemunhas na região, na cidade de Marx (não fique surpreendido o leitor por na região de Saratov existirem cidades com os nomes de Marx e Engels. Trata-se de restos da Região Socialista Soviética Autónoma dos Alemães no Volga, que existiu até à Segunda Guerra Mundial), as autoridades mandaram arrancar 250 rosas que se encontravam no jardim de um dos tribunais e plantá-las à entrada da cidade.
Mais, “plantaram também uma palmeira artificial” no mesmo lugar, afirma outra testemunha.
Durante a viagem, Medvedev visitou um moderna vacaria. Quando o Presidente perguntou: “As vacas estão felizes?”, uma das funcionárias respondeu com toda a seriedade: “Claro, sorriem”. 


13 comentários:

Jest nas Wielu disse...

Os russos celebram a vitória sobre o Japão, comparar Japão e Rússia:
http://jesfor.livejournal.com/720645.html

O grupo “Camaradas Chineses” escrevem a carta para o povo russo:
http://www.youtube.com/watch?v=AqvulDw8dVg

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Confesso que não compreendo este artigo.

Mas onde está o problema de um dirigente de um país, fazer publicidade ao que é nacional? Mas não será de louvar uma atitude destas dado que é uma indústria importante e que estão a tentar recuperá-la?

Se não forem os russos a começar a comprar o que é deles, quem irá comprar? Estamos a falar de quantos milhares de postos de trabalho?

Não tentaram comprar a Opel para importar know-how? não andam a fazer parcerias com outras marcas de modo a contruirem fábricas em território russo?

Já que critica, faça antes uma construtiva, diga lá o que deveria estar a fazer a Rússia para reerguer a sua indústria automóvel.

Eu pelo menos consigo ver que estão a tentar, você não?

E já agora, tudo avaria meu caro, até carros presidênciais e costuma haver duplicados para o caso de avarias, não são só os ladas que avariam, ou então as oficinas andariam na falência...

António disse...

Sei que em regra reajo exageradamente quando se fala dos mitos associados a Potemkin, mas comparar Putin a um dos maiores estadistas que a Rússia já teve dá-me volta ao estômago. Se Putin, padrinho do maior estado cleptocrático à face da terra, tivesse a estatura de Potemkin, a Rússia estaria muitíssimo mais além do que hoje está e não seria certamente uma república das bananas ensopada em petróleo onde a maioria dos hospitais não tem ainda sequer água quente.

Quando a Crimeia foi anexada em 1783, estava efectivamente num estado deplorável. Potemkin decidiu fazer dela o estandarte do império. Deu à Rússia valor estratégico no sul com a criação do porto de Sevastopol, construiu uma enorme frota de guerra, induziu dezenas de milhares de colonos a mudarem-se e desenvolver a região e criou e apoiou centenas de indústrias e operações agrícolas (o vinho da Crimeia é de facto um "filho" de Potemkin). No tempo em que conseguiu fazê-lo, terá sido pouco menos do que um milagre.

Obviamente, Potemkin preocupou-se em mostrar os seus sucessos a Catarina e, mais importante que tudo, era fundamental transmitir uma mensagem clara aos enviados estrangeiros na corte. É pois natural que tenha havido muita coisa, especialmente ao nível cosmético, que não tenha sido concluído a tempo e muita coisa foi decorada e limpa apressadamente.

Na verdade, a única coisa em comum entre este episódio putinesco e a história das aldeias de Potemkin é a desinformação. O mito foi gerado por Georg von Helbig, enviado saxão à corte de Catarina, que não era exactamente amigalhaço de Potemkin. Ainda que não tenha ido com Catarina na sua visita, nas suas comunicações diplomáticas e numa biografia de Potemkin publicada em 1791, incluiu discretamente esta coscuvilhice das Potemkinsche Dörfer que, ao circularem pelos meios aristocráticos, alimentados pelos múltiplos inimigos políticos de Potemkin, acabaram por denegrir injustamente a reputação deste grande estadista.

António Campos

Cristina disse...

Sobre um outro tema (embora o tema das aldeias Potionkin também seja interessante)
Coisas boas da Rússia:
Foi reconstruído o belíssimo palácio do czar Alexei Mikhailovich (1645-1676) em Kalomenskoe, arredores de Moscovo, de acordo com os desenhos originais do século XVII. O palácio, que foi praticamente construído de raiz após Catarina II o ter desmantelado em 1767, será aberto ao público no próximo dia 4.
Posso-me orgulhar de o meu filho ter sido baptizado na Igreja do Ícone de nossa Senhora de Kazan que fica junto ao palácio. Este templo era a igreja da família do czar e estava ligado ao palácio de madeira por uma passagem ao nível do primeiro andar.
Vejam as fotos:
http://www.mk.ru/photo/culture/1006-dvorets-tsarya-alekseya-mihaylovicha-prinyal-pervuyu-ekspozitsiyu.html

http://www.google.pt/images?hl=pt-PT&q=Kolomenskoye&um=1&ie=UTF-8&source=univ&ei=D-KATPvPHoaU4AbJuaj0Cw&sa=X&oi=image_result_group&ct=title&resnum=4&ved=0CDkQsAQwAw&biw=1366&bih=534

António disse...

O José Milhazes tocou num ponto muito importante desta questão: aparentemente os únicos veículos russos da "comitiva" eram os Lada amarelinhos, um dos quais presumivelmente avariado. Para dar alguma credibilidade ao golpe publicitário, nada seria melhor do que equipar o cortejo com uma quantidade significativa de veículos de fabrico russo.

Para desenvolver a indústria automóvel russa, muito mais do que gastar dinheiro nestas feiras, há primeiro que credibilizar a economia e torná-la apetecível a investidores estrangeiros. Nenhum fabricante de alta tecnologia no seu juízo perfeito estará disposto a transferir o seu know-how para um pais que não respeita os direitos de propriedade, em que o sistema judicial é uma farsa e onde os empresários estão sujeitos a interferência estatal arbitrária, muitas vezes com intuitos criminosos. Daí que as mini-privatizações de há alguns meses tenham resultado num rotundo fracasso.

A intenção de dinamizar a indústria automóvel é certamente louvável. Mas quem estiver disposto a levar a coisa a sério, deve fazer o que tem que ser feito, e não empenhar-se nestas photo-ops para enganar os tolos e que não servem para nada.

Pelo menos os russos que fizeram este filme fartaram-se de rir à gargalhada. E eu também. Valeu por isso.

António Campos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Cara Cristina, deixa que discorde contigo. Gastar dinheiro em construir de novo monumentos num país onde há milhares de monumentos a cair de podre é mais um sinal de novo-riquismo balofo.
A cidade histórica de Moscovo está a ser destruída diariamente e esse tipo de iniciativas é propaganda populista. Por este andar, transformam esta cidade numa espécie de Disneylandia do mau gosto.

Jest nas Wielu disse...

Putin e os seu amigo íntimo:
http://allan999.livejournal.com/8421140.html

MSantos disse...

Mesmo que seja problema dos veículos só revela o velho paradoxo russo em que conseguem construir as melhores e mais fiáveis naves espaciais do planeta mas não conseguem fazer um boguinhas em condições.

Já agora, os norteamericanos passaram a fazer automóveis em condições a partir do momento em que aprenderam dos japoneses.


Cumpts
Manuel Santos

Anónimo disse...

Laranja? Milhazes, anda um pouco distraído. Aquilo é amarelo canário.
Depois nada de admirar tais proezas no Putin que afirma não ter telemovel mas que aparece a falar ao telemovel na tv.Deduzimos que vive de emprestimos, já com o Lada é o mesmo. Coitadinho!
Quanto à vaca, qualquer uma com dentadura de burra ri que se farta, sobretudo se tiver brincos ou estiver drogada.

Zuruspa disse...

António, ao ler o seu comentário:
"Nenhum fabricante de alta tecnologia no seu juízo perfeito estará disposto a transferir o seu know-how para um pais que não respeita os direitos de propriedade, em que o sistema judicial é uma farsa e onde os empresários estão sujeitos a interferência estatal arbitrária, muitas vezes com intuitos criminosos. Daí que as mini-privatizações de há alguns meses tenham resultado num rotundo fracasso."

concluo que tenham fracassado porque os russos ainda näo trabalham nas condiçöes sub-humanas da China. Porque de resto, quase todos os fabricantes de alta tecnologia têm as fábricas na China, onde o clima económico é como o que referiu, com a diferença de que há trabalho escravo...

E parabéns ao JM pela ressalva de que Moscovo está a ser destruída em nome da "modernidade"...

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Aproveito para o nosso velho tema do copo "meio cheio/meio vazio":

- A Gazprom TRIPLICOU os seus lucros no 1º Quadrimestre deste ano, o que dá para ver para onde este gigante caminha e que é controlado pela Rússia e não por investidores/interesses estrangeiros.

Gazprom's Q1 profits triple to $10.6B

Russia's gas giant Gazprom says its net profit tripled to 324.9 billion rubles ($10.6 billion) in the first quarter of the year as the company capitalized on a cold winter in Europe and higher gas prices...


http://www.forbes.com/feeds/ap/2010/09/02/business-eu-russia-earns-gazprom_7897180.html?feed=rss_europe


- A GM teve uma quebra de vendas a rondar os 25%, tendo sido o PIOR Agosto em 28 anos.

O caso torna-se mais interessante quando no lembramos que a GM tinha falido e para evitar a falência foi NACIONALIZADA pelo o governo americano e foi esta empresa nacionalizada que IMPEDIU que os russos comprassem a Opel. Se a GM continuar com problemas de vendas, COMO é que esta empresa vai pagar todas as dívidas que tem? Será que vai conseguir manter a Opel? com o dinheiro de quem?

Toyota, GM, Ford U.S. Sales Drop as Buyers Stay Home

Toyota Motor Corp., General Motors Co. and Ford Motor Co., the three largest sellers of autos in the U.S., reported bigger sales declines than analysts projected as the industry posted its worst August in 28 years...

...GM said deliveries fell 25 percent...The biggest U.S. automaker was expected to report a 19 percent decrease...


http://www.businessweek.com/news/2010-09-01/toyota-gm-ford-u-s-sales-drop-as-buyers-stay-home.html

Os EUA estão com graves problemas económicos e não vão conseguir acudir as empresas (nem deveria), a Rússia está com dinheiro para comprar know-How de modo a acelerar a modernização da sua indústria.

A andar assim a Rússia só precisa de tempo para consolidar o que anda a fazer. Demora anos, mas para lá caminha.

António disse...

Caro Zuruspa,

A sua conclusão está errada. A China é um dos poucos países não democráticos cuja burocracia estatal tem tido uma atitude positiva relativamente à iniciativa privada. Sem estar ensopada em hidrocarbonetos e com as ideias certas no que respeita ao crescimento económico, a China tem vindo a fazer esforços consideráveis para ultrapassar todos os problemas que a burocracia russa não tem a mínima intenção de resolver.

Os empresários estrangeiros investem na China e não na Rússia porque o RISCO associado ao país, dadas as condicionantes que apontei, é muitíssimo mais baixo na primeira do que na segunda.

Com ou sem trabalho escravo, é garantido que se a Rússia tivesse a mesma atitude relativamente ao investimento estrangeiro que a China, estaria por esta altura inundada de novos projectos de investimento.

António Campos

Anónimo disse...

Mas porque será que na India e no Bangladesh a exploração dos trabalhadores é mais feroz e desumana que na China e as empresas têm mais interesse por esta ultima?
Não será porque a China está a apostar fortemente na qualificação dos trabalhadores, indo ao ponto de formar cerca de 15 milhões de engenheiros anualmente?

Na China 80% dos bancos têm participação maioritária do Estado, as grandes empresas têm igualmente participações do Estado.
O exército Chinês financia-se em parte através das
empresas onde detêm participações.

Portanto as coisas não devem ser vistas de uma forma tão simplista.

Foram os beneficios fiscais e a mão de obra barata
que atrairam inicialmnte as empresas a investir na China, mas a situação está a mudar, na medida em que os dirigentes Chineses souberam adaptar-se às circunstâncias.
E hoje em dia já não é China que está a precisar assim tanto das multinacionais mas o inverso.

A Rússia trata-se de outro caso bem distinto.

Porque razão Angola e a RD do Congo países riquissimos, franquearam as portas ao capital estrangeiro e os emprendedores "capitalistas" não investem lá?

`A semelhança da Rússia são mais uteis como colónias de matérias primas.