sábado, agosto 06, 2011

Blog do leitor (Julio Iglesias contra URSS)



Texto enviado pelo leitor Jest:


"Estas memórias são o meu contributo ao 20° aniversário da proclamação da Independência da Ucrânia.



Como qualquer ditadura totalitária, a União Soviética pretendia exercer o controlo absoluto e permanente sobre todos os aspectos da vida dos seus cidadãos. Desde a sua criação, URSS exerceu o domínio implacável sobre a cultura, censurando a literatura, cinema e até a música. Em décadas diferentes URSS perseguia e proibia os estilos musicais tão diversos como tango e twist, jazz e rock-in-roll.



Nos anos 1960-1970 a propaganda soviética criou o slogan: “Hoje tu tocas jazz e amanha a Pátria tu venderás”, sugerindo que o gosto pela música “burguesa” é apenas o primeiro passo para a “decadência” e a perdição do jovem cidadão, o “construtor do comunismo”.



Já no final dos anos 1970, início dos 1980, a luta contra jazz deixou de fazer sentido e as “baterias” ideológicas do partido comunista e da juventude comunista (Komsomol) se viraram contra o rock, nos seus estilos e formas diferentes. Os departamentos ideológicos do Komsomol produziam as “listas negras” dos grupos e dos artistas, cujas obras eram proibidas de passar na televisão, tocadas nas rádios, discotecas ou concertos, importadas para URSS do estrangeiro e até copiadas ou trocadas entre os melómanos.



Por exemplo, na adenda produzida pelo Comité Central da Juventude Comunista da Ucrânia Soviética (província de Mykolaiv), datada de 10 de Janeiro de 1985 eram listadas 38 colectividades, desde as bandas do heavy-metal, passando pelo punk, pop e até os cantores românticos (conferir aqui e aqui).



Os rockeiros da pesada, como Iron Maiden, Judas Priest, AC/DC, Black Sabbath, Nazareth e outros, eram, regra geral, acusados de propagandear a violência, obscurantismo e misticismo religioso, racismo, sadismo, vandalismo e neofascismo. Tudo isso devido ao seu uso e abuso das imagens como caveiras, ossadas, cruzes, etc. As bandas como Kiss ou os britânicos da 10cc eram vistas como disseminadoras do “neofascismo”, “punk” e “violência”, maioritariamente por causa das duas runas SS ou letras cc nos seus nomes. Donna Summer era proibida por causa do seu “erotismo”, já Tina Turner por causa do “sexo”, Village People pela “violência” (!) e mesmo Julio Iglesias não escapou pelo seu... (impossível de adivinhar!) “neo-fascismo”! Os alemães do Dschinghis Khan eram apelidados de “anti-comunistas” e “nacionalistas”, sobretudo devido à sua canção Moskau (mais tarde uma das minhas preferidas). Mas nem as bandas mais sérias escapavam, Sex-Pistols eram vistos como porta-vozes do “punk” e “violência”, Scorpions — “violência” e Pink Floyd — “deturpação da política externa da URSS” por causa do seu álbum de 1983 que, alegadamente, ponha em causa o “dever internacionalista” da URSS de invadir Afeganistão.



No meu caso pessoal, sem possuir o sentido musical muito apurado, foi felizardo em gostar, primeiramente, Europe e depois Modern Talking, grupos que graças à vigilância constante do Komsomol não disseminavam nada subversivo, nem “erotismo – neofascismo”, nem “anti-comunismo – misticismo religioso”. Isso me permitiu permanecer um jovem pioneiro razoavelmente leal aos ideais do partido – estado, sensivelmente até o ano 1987, quando Modern Talking se separaram pela primeira vez e eu descobri os prazeres “anti-comunistas e nacionalistas” do Dschinghis Khan (na realidade um grupo multi-cultural criado para participar no Festival Eurovisão)...



Todas as escolas secundárias soviéticas, à partir do 9° ano leccionavam a cadeira chamada “Defesa Civil”. O nome pacifista escondia o estudo das características “técnico – tácticas” da granada defensiva F-1, estudava-se também a desmontagem e montagem da metralhadora AK-74 e as suas modificações. Pelo meio aprendíamos usar a máscara anti-gás e recebíamos as instruções detalhadas sobre o que um cidadão soviético deveria fazer no caso de um ataque nuclear inimigo. A piada popular dizia que o cidadão deveria se embrulhar no lençol e calmamente rastejar até o cemitério mais próximo, calmamente para não criar o pânico.



A cadeira que no final dos anos 1990 recebeu o nome de “Preparação pré-recruta dos jovens” (sem nenhuma mudança curricular) e que existia no ensino universitário como Cátedra Militar, habitualmente era leccionada pelos militares na reforma, toscos e não muito inteligentes coronéis, cuja característica principal era a ausência total do sentido do humor. Pois como dizia a piada militar soviética: “Quem serviu no exército, não se ria no circo”. O nosso coronel era um espécime mediano, não era particularmente estúpido, mas também por vezes brindava-nos com as máximas do tipo: “Helicópteros e os aviões são a mesma coisa, mas voam nas altitudes mais baixas”.



Em Fevereiro de 1991 no referendo popular sobre o futuro da URSS, Ucrânia introduziu no boletim do voto a pergunta sobre a soberania republicana. O voto da soberania superou em cerca de 20% a questão soviética. Uma das consequências directas dessa votação era a promessa do que os recrutas ucranianos não iriam cumprir o SMO fora da Ucrânia. Promessa que enfurecia sobremaneira a cúpula ultra-conservadora do Ministério da Defesa soviético em Moscovo. URSS estava se partir em bocados e os militares precisavam imensa “carne de canhão” para enviar aos diversos “pontos quentes”: Alto Karabakh e Baku no Azerbeijão, Osh e Vale de Fergana no Uzbequistão e por ai fora.



Por isso, creio que impelido pelo seu dever do patriota soviético, o nosso coronel informava nós vezes sem conta com um sorriso sádico na face: “O que, ouviram que não vão fora da Ucrânia, não é? Vocês vão servir onde a Pátria vós mandar! Sibéria ou Kazaquistão, tanto faz! Nenhuma soberania vos salvará! Entenderam?!!



Depois veio o Verão e todos fomos de férias, no dia 19 de Agosto de 1991, URSS viveu a tentativa do golpe de estado em Moscovo e no dia 24 de Agosto Ucrânia proclamou a sua Independência. No fim do mesmo ano, no dia 1 de Dezembro a proclamação da Independência foi confirmada no referendo popular, onde 90,32% dos cidadãos disseram sim à Ucrânia independente. Por toda a escola desapareceram os retratos do Lenine e do Gobachov e o nosso coronel perguntava-nos com uma vozinha mansa: “rapazes, quem sabe desenhar o tryzub?” Mais tarde o coronel foi “massacrado” pela polícia judiciária por causa do roubo de carabinas na carreira de tiro, onde praticávamos o tiro ao alvo que contava para a nota final da sua cadeira. Nem sei como acabou o caso...



O dia 24 de Agosto calhou num sábado. Creio que sabia de antemão que o Conselho Supremo (Verkhovna Rada ou o Parlamento ucraniano) irá votar a proclamação da Independência nacional. Sabia-se que a votação poderia não ser fácil, pois o Parlamento era dominado pelo grupo de 239 deputados comunistas, alguns deles apoiaram a tentativa do golpe em Moscovo, menos de uma semana atrás. Por isso o Parlamento foi cercado por um mar da gente, muitos seguravam a bandeira ucraniana gigante, trazida da cidade de Lviv. A palavra de ordem era não deixar os deputados saírem do edifício do Parlamento até que a Independência seja votada favoravelmente. Naquela altura eu já sabia que o Parlamento possuía as saídas subterrâneas, que permitiriam aos deputados escapar, caso o cerco se realizar. Mas aquele sábado era muitíssimo solar e alegre, o dia em que coisas boas se realizam e coisas más se dissipam, afugentados pela vontade popular. E assim se sucedeu de facto, Ucrânia se tornou independente, se juntando à Geórgia e aos Estados Bálticos que proclamaram a sua saída da URSS anteriormente. A “fuga” ucraniana foi uma espécie do sinal às restantes repúblicas, que rapidamente optaram pelas independências nacionais, sepultando de vez o império do mal, que reinou durante 74 longos anos.



Que outras recordações guardo daquele dia? Beijei e segurei a bandeira gigante, subi por cima de figuras alegóricas (operário, camponesa e outros ídolos da mitologia soviética) que guarneciam a entrada do Parlamento (queria apreciar a multidão), não sei se foi fotografado por algum fotógrafo, mas creio que não sai em nenhuma edição ucraniana. Depois disso foi para casa, contente por já viver em um país independente e ter ainda uma semana de férias de Verão antes de voltar aos estudos".

8 comentários:

Anónimo disse...

Não sai nenhuma notícia sobre a nova detenção da "Princesa Leia"?

Anónimo disse...

Será que o Jest tem um poster do Julio Iglesias? lol

Jest nas Wielu disse...

2 Anónimo 06:31

Teve discos do Modern Talking e do Dschinghis Khan... lol

Anónimo disse...

Uma precisão: a AK-74 não é uma metralhadora, mas sim uma espingarda de assalto (ou espingarda automática, se se preferir).

J.BRASIL disse...

Jest, muito bom seu testemunho desse momento histórico. É bastante engraçado as definições da censura soviética sobre os grupos musicais. Não gosto de rock, mas certamente a opressão ao cidadão praticada pelo fascismo deve ser muito mais perverso do que ele.

Jest nas Wielu disse...

2 J.BRASIL 05:34
Obrigado, não sei se entendi bem o seu comentário, no entanto posso assegurar que a opressão comunista não foi em nenhum aspecto menor do que a opressão nazi na Europa. Apenas um pormenor, quando o nazismo alemão reinou apenas entre 1933 à 1945, o comunismo soviético subjugou os povos por mais de 70 anos…

Anónimo disse...

É AK 74 ou AK 47?

A cegueira é tal que nem vê o que escreve.

O fascismo de principio movimenta-se sempre na sombra , com sapatinhos de lã e as botas cardadas ao ombro.

Jest nas Wielu disse...

2 Anónimo 00:20
De facto, o pior cego é aquele que não quer ver, procure as diferenças entre os AK junto ao camarada Google Browser, saudações a-la Julio Iglesias...