Faz
hoje 30 anos que faleceu Leonid Brejnev, dirigente comunista da União Soviética
entre 1964 e 1982.
Recordo
esse dia como se fosse hoje, pois tratou-se de um grande choque para todos. O
anterior secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, José
Estaline, tinha falecido em março de 1953 e, por isso, parece ter-se criado a
ideia de que Brejnev era eterno.
Nesse
dia, eu tinha bilhete para viajar para Tallinn, para onde devia ir ilegalmente,
pois os estrangeiros não tinham direito a abandonar Moscovo sem um visto
especial, mas a minha filha estava para nascer, o que era bem mais importante
do que uma multa.
As
autoridades soviéticas tomaram medidas de segurança especiais em Moscovo e, por
isso, só regressei à capital soviética depois do funeral de Brejnev, a que
assisti pela televisão. Receava que houvesse controlo de documentos nas
estações de caminho de ferro e fosse apanhado pela milícia.
Mas o que me levou
a recordar esta data foi o que li hoje na imprensa russa. Passo a citar: “Num
texto para a agência Ria Novosti, o escritor e jornalista Vadim Dubnov
descreveu as duas décadas de Brejnev – período a que se convencionou chamar
"estagnação" - como um "socialismo light".
“Ele era tudo para
nós, ele estava em toda a parte”, escreveu, lembrando que o preço da vodka,
bebida nacional russa, aumentou apenas em metade durante os 18 anos em que Brejnev governou.
“Muitas pessoas
recordam a era da ‘estagnação’ com nostalgia”, observou, por seu lado, a
agência russa Itar-Tass.
“Muitos dos que
eram jovens durante a ‘estagnação’ têm saudades desses anos em que todos
beneficiavam de uma proteção social e tinham confiança no futuro”, escreveu a
agência.
Ainda que o regime
de Brejnev se tenha pautado também pela repressão dos opositores ao regime, o
fim da sua era trouxe “nepotismo” e “um cinismo geral”, segundo uma reportagem
mostrada na televisão Pervyi Kanal.
Já velho e doente,
Brejnev teve sempre a compaixão de todos, porque, assinalou a mesma reportagem,
“não foi nem sanguinário, nem vingativo, foi, de facto, diferente dos seus
predecessores””.
Estou de acordo
que a vodka era barata, mas discordo que fosse uma época de “socialismo light”.
Diria que vivemos (no meu caso, a partir de 1977 e até 1982) um período de
decadência do “surrealismo socialista”, ou, para os que preferirem, do
“socialismo surrealista”, vai tudo dar ao mesmo.
Se nos
esquecer-nos que as perseguições contra os dissidentes aumentaram e a expulsão
dos melhores filhos da URSS era cada vez mais frequente, então o regime era
mais “light”, porque deixou de fuzilar os opositores sem qualquer julgamento e
melhorou um pouco as condições de vida nos campos de concentração (campos de
reeducação para alguns).
Depois do terror
de Estaline e da instabilidade de Khrutchov, o período de Brejnev foi um tempo de
calma se nos esquecermos que foi nessa época que a URSS se envolveu na invasão
da Checoslováquia, em guerras no Terceiro Mundo (Angola, Moçambique, etc.) e,
por fim, na invasão do Afeganistão.
Para os que viviam
em Moscovo como eu, não se podem queixar da vida, porque o abastecimento das
lojas era sofrível. Havia falta de muita coisa, mas alguma coisa aparecia. O
saco de rede para os produtos e o fio para transportar ao pescoço os rolos de
papel higiénico andavam sempre no bolso ou numa pasta para o que desse e
viesse.
Porém, para os que
viviam na província, esse período ficou marcado pelas viagens a Moscovo para
comprar alguma coisa que aparecesse nas lojas: mortadela, lápis, cadernos, etc.
O culto da
personalidade de Brejnev aumentava à medida que as suas capacidades psíquicas,
o que tornava o dirigente comunista um alvo perfeito de anedotas. Apenas uma:
porque é que Brejnev transporta às costas um saco de cimento? Para não cair
para a frente com o peso das medalhas!”.
Depois, o
dirigente soviético, quando já estava mesmo caquético, começa a escrever livros
com tiragens de milhões de exemplares nas mais exóticas línguas do mundo. Os
amantes de alfarrabistas nos países lusófonos talvez ainda consigam encontrar a
“tríade imortal”: “Terra Pequena”, “Terras Virgens” e “Ressurreição”. Pelo
menos, as edições “Avante” não deixaram escapar a obra deste homem que tinham
mais títulos e cognomes do que o rei D.Manuel I depois da descoberta da Índia:
“secretário-geral do PCUS, presidente do Presidium do Soviete Supremo da URSS,
três vezes Herói da URSS, duas vezes Herói do Trabalho Socialista, Prémio
Lenine de Literatura, etc. etc.” As más-línguas diziam que só lhe faltava um
título: o de “Mãe Heroína”, concedido às mulheres que tinham mais de dez
filhos.
Foi na época de
Brejnev que na produção industrial começou a aparecer desenhado um homem de
braços abertos, semelhante à obra imortal de Leonard da Vinci. As autoridades
comunistas chamavam-lhe “símbolo de qualidade”, pois só dele eram dignos os
produtos de melhor qualidade, mas as “más-línguas anti-soviéticas” deram-lhe
outra leitura. Tratava-se de um homem com os braços abertos a gritar: “Não
podemos fazer melhor!”.
O carreirismo
político (o cinismo total) estava na moda. Eu conheci algumas pessoas que
aderiram por convicção ao Partido Comunista, mas isso era raro entre os jovens.
Estes queriam fazer carreira e uma grande parte deles são os que, no espaço
pós-soviético, constroem actualmente o capitalismo com o mesmo êxito com que
construíram o comunismo.
Posso ter saudades
dessa época, pois era jovem! Mas não tenho saudades nenhumas da forma absurda
como era dirigida a URSS. O resultado começou-se a ver rapidamente, apenas três
anos depois (1985), mas após mais dois secretários-gerais ainda mais decrépitos
do que Brejnev. Os pomposos funerais de dirigentes comunistas transformaram-se
numa banalidade.
Descanse em paz,
mas não volte…
3 comentários:
sim, era a época definitivamente marcada pelo cinismo, já quase ninguém acreditava e quase todos fingiam...
Brejnev em fotos da época
http://drugoi.livejournal.com/3781099.html
Lembro com muita tristeza do evento. Ainda jovem, pós adolescente, estudava com afinco as grandes realizações do Camarada Stalin, em prol da redenção da Classe Operária. Veio essa morte... Triste, triste...
"Dicen que por las noches
No más se le iba en puro llorar
Dicen que no comia
No mas se le iba en puro tomar
Juran que el mismo cielo
Se extremecia al oir su llanto
Como sufria por ella
Que hasta en su muerte la fue llamando
Ay, ay, ay, ay, ay
Cantaba
Ay, ay, ay, ay, ay
Gemia
Ay, ay, ay, ay, ay
Cantaba
De pasión mortal moria
Que una paloma triste
Muy de mañana le vá a cantar
A la casita sola
Con las puertitas de par en par
Juran que esa paloma
No és otra cosa mas que su alma
Que todavia la espera
A que regrese la desdichada
Cucurrucucú
Paloma
Cucurrucucú
No llores
Las piedras jamás
Paloma
Que van a saber
De amores"
Como é possível alguém viver num sistema politico desses e ainda mais sendo estrangeiro?
Das duas uma; recebia apoio do exterior, ou não tinha para onde ir.
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