Texto enviado pelo leitor João Gil Freitas:
"Há dias, a Ucrânia foi a votos para eleger um novo Parlamento. Fê-lo sob um
rol de dúvidas da parte da comunidade internacional, legítimas à luz do que tem sido a trajectória do país. As últimas eleições para a Verkhovna Rada vieram de
encontro a alguns dos piores receios internacionais, com vários episódios de
fraude e ilicitudes várias a serem identificadas um pouco por todo o país.
Apesar de tudo, não parece haver margem para duvidar
da vitória do Partido das Regiões, com 186 deputados num total de 450, que perfaz uma percentagem de
vitória na ordem dos 30%. É expectável que o Partido das Regiões, pró-russo, se colige com outras
forças políticas representadas no Parlamento, nomeadamente com os comunistas,
para garantir uma maioria pró-presidencial que assegure estabilidade a Viktor Yanukovich até às eleições
presidenciais de 2015.
A confirmação da vitória do partido que sustenta o actual presidente vem suportar a crença cada vez mais generalizada em Bruxelas de que Kiev desistiu de
manter um relacionamento assente na previsibilidade de maior integração e
cooperação política e económica com a União Europeia. Os resultados da última eleição
parlamentar são demonstrativos da descrença com que os ucranianos perspectivam as soluções políticas alternativas ao actual poder.
Há muito que Kiev se distanciou do momento
revolucionário de 2004, em que multidões saíram à rua para exigir aos
seus responsáveis políticos a recontagem dos votos que, numa primeira fase, deram uma fraudulenta vitória a
Yanukovich contra o então candidato
“laranja” Viktor Iushenko. O episódio da Revolução Laranja acbaria por esbarrar nas hesitações e
incongruências da União Europeia, e acima de tudo na falta de unidade e
assertividade da sua política externa para os novos vizinhos da sua fronteira leste.
A resposta de
Bruxelas
aos acontecimentos na Ucrânia foi mais reactiva do que proactiva, acarretando
danos irreparáveis para o estado da relação
bilateral. A resposta aos eventos revolucionários em Kiev, muito para além de
evidenciar as fragilidades institucionais internas da União Europeia, apoiou insuficientemente o ritmo reformístico do
estado ucraniano e a liberalização da sua economia. A resposta de Bruxelas ao momento
revolucionário ucraniano (e aos georgiano um ano antes) materializou-se na
Política Europeia de Vizinhança, passo que mais não foi do que o simples
acelerar de um processo de reformulação e recentralização da sua política
externa de vizinhança já então em curso.
O rumo da Ucrânia enquanto país independente
decidiu-se, essencialmente, nos anos imediatamente posteriores a 2004. O resultado, sabe-se agora, foi
tendencialmente negativo para os ensejos dos sectores políticos e sociais
pró-europeus, tendo em conta a prevalência da influência do Kremlin na política
externa do país. Em não raras ocasiões, Moscovo soube aproveitar as hesitações
europeias e impor os seus interesses estratégicos a Kiev. Sendo inegável que o
desígnio europeu foi um forte ideal impulsionador da Revolução Laranja, o certo
é que a
oferta
de política externa de Bruxelas nunca foi capaz de superar as diferenças de
posição dos seus mais poderosos Estados-membros. Em circunstância alguma a Ucrânia
recebeu sinais de abertura para uma possível (ainda que longínqua) perspectiva de adesão.
Hoje percebe-se a magnitude de erro da União Europeia.
A deriva autoritária e dirigista do país parece ter-se finalmente assumido como
regra. Sem uma estratégia ambiciosa e credível para a Ucrânia, Bruxelas
permitiu que o país perpetuasse um sistema político dominado pela elite e pelos interesses
sectoriais da sua oligarquia; que não efectuasse a devida transição para um regime
parlamentar; nem que encetasse passos sólidos rumo à harmonização da sua legislação de
acordo com os padrões europeus. Entre outras oportunidades perdidas, a
Ucrânia permanece mergulhada na corrupção e no nepotismo, e tem visto a sua posição
piorar em rankings internacionais referentes ao respeito pelos direitos humanos,
pluralismo político, liberdade de imprensa, independência judicial, entre
outros.
O factor russo pode explicar parte da
ineficácia da União Europeia em assumir-se como um agente potenciador de
reformas no país, mas não pode explicar totalmente a ineficácia europeia. Nunca Kiev ouviu de Bruxelas aquilo que
queria ouvir, e isso foi desastroso. Os princípios e valores europeus tiveram
repercussão nos mais altos dirigentes do país, mas são hoje pouco mais do que o eco distante de uma
oportunidade perdida. O discurso da integração europeia parece estar reduzido a um
vergonhosa letra morta. A deriva autoritária da Ucrânia é, hoje, um facto consumado que a Europa não
controla, e que não dá sinais de abrandar. As mais recentes eleições parlamentares são, apenas,
mais uma prova desta (aparentemente) imparável espiral".
2 comentários:
A meu ver o artigo foca principalmente o papel (ou falta dele) da União Europeia na Ucrânia.
Do que leio, a Ucrânia está como está devido ao fraco desempenho/apoio da Europa.
Mas eu não concordo com esta visão. A Europa não poderia fazer muito para ajudar, não poderia fazer muito mais do que fez.
A Ucrânia está como está, devido aos políticos que foram lá colocados pelos votos da maioria.
Os políticos levaram a Ucrânia para um rumo que a Europa pouco ou nada podia fazer.
Hoje, a Ucrânia é o espelho das suas escolhas. Tanto dos políticos, como das pessoas.
Pois; a meu ver o artigo é uma lamechice (choradinho) por a Europa ter perdido a ocasião de avassalar a Ucrânia aos seus designios economicos e principalmente politicos.
O tempo da Europa com capacidade de dominio imperial acabou, esse papel a partir de agora está reservado à Alemanha.
Mas a Ucrânia não tem já problemas graves para resolver?
Que necessidade têm neste momento a Ucrânia de se envolver nos problemas gravissimos com que a Europa se debate?
Se as condições politicas e económicas na Europa não forem resolvidas a breve trecho, vai descambar numa guerra de consequências imprevisiveis.
O braseiro dos Balcãs ainda não está apagado. E já estão a dar fogo à Grécia.
A Espanha vai no mesmo sentido, as cinzas da guerra civil ainda estão mornas, a somar a isso tem um desemprego elevadissimo, com a miséria galopante a atingir niveis insuportáveis para uma parte elevada da população.
Como escrevi anteriormente ou esta Europa muda de rumo, ou então qualquer dia engalfinham-se todos uns com os outros.
Depois há um pormenor muito importante que o autor do artigo omitiu sobre a participação da Ucrânia na C E, primeiro está a Turquia, jamais irá permitir ser ultrapassada.
Por outro lado para a Ucrânia aderir à C E tinha que primeiro fazer parte da NATO, e isso a Rússia não vai aceitar.
Portanto a Ucrânioa se pretende desenvolver-se e viver em estabilidade só tem um destino, é procurar integrar-se no seu espaço natural.
No entanto isso não vai impedir que mantenha boas relações, negocios e parcerias com a Europa.
Uma certeza podemos ter. Esta Europa tal como a conhecemos chegou ao fim.
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