Poder russo transforma-se em senhor da morte

Pensei que os tempos da Inquisição tivessem passado à história, mas, pelos vistos, não. Eles regressam das formas mais incríveis.

Desde a chegada de Vladimir Putin ao poder, facto que ocorreu a 31 de Dezembro de 1999, que o princípio que suporta a justiça russa é: “Para os amigos, tudo; para os adversários, a lei”.

Claro que este princípio não é novo na Rússia, a novidade consiste em que o Kremlin decidiu começar a julgar e a condenar mortos. Os dirigentes russos ainda não chegaram ao ponto de desenterrar os seus adversários mortos, mas tudo pode acontecer…

Por enquanto, a jaula instalada num dos tribunais de Moscovo está vazia, porque o advogado Serguei Magnitski, que denunciou um caso de fraude de grandes dimensões levado a cabo por autoridades fiscais e policiais russas, morreu de forma misteriosa numa das prisões de Moscovo.

Organizações humanitárias russas e internacionais acusam as autoridades policiais e judiciais russas de terem liquidado Magnitski, mas a máquina oficial não só faz ouvidos de mercador a essas acusações, como decidiram também julgar o defunto por “fuga ao fisco” e “branqueamento de capitais”.

Como eu não duvido que ele será condenado a uma pesada pena de prisão, apoderou-se de mim a curiosidade mórbida de ver se irão desenterrar o cadáver para cumprir a pena.

Quando o cadáver não está ao alcance, isso não é problema para aqueles que dirigem a Rússia.

Na semana passada, faleceu em Londres o oligarca russo Boris Berezovski. Deixo à polícia britânica a tarefa de descobrir as verdadeiras causas do óbito, mas gostaria de abordar aqui a reação do Kremlin.

Começo por sublinhar que nunca simpatizei com a atividade política de Berezovski, considero-o uma das personalidades políticas russas mais negativas das últimas décadas. Homem sem quaisquer princípios morais (um dos melhores alunos de Maquiavel), foi dos que mais contribuíram para a desacreditação da palavra democracia no país.

Porém, isso não é motivo para fazer o que fizeram os canais de televisão oficiais russos depois de anunciada a sua morte. O oligarca foi acusado praticamente de todos os crimes ressonantes na Rússia que a polícia não soube desvendar. Como judeu, só faltou acusá-lo de “ter assassinado Cristo” e de “beber sangue das crianças cristãs”, mas a propaganda esteve muito próxima disso.

Os altifalantes do Kremlin apenas se esqueceram de acusar Berezovski de que foi ele, com as suas intrigas políticas, que levou Vladimir Putin ao poder. Mas isto é um facto!!!

Os parentes do oligarca decidiram sepultá-lo em Londres, talvez receando que, se o cadáver fosse transladado para a Rússia, viesse a ser julgado pelos crimes que cometeu e não cometeu em vida.

No Kremlin esqueceram-se do provérbio: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.