domingo, junho 02, 2013

"A Bela de Moscovo" ao som do hino soviético com letra de Rui Veloso


No teatro tudo pode acontecer e, em Moscovo, uma prostituta soviética vê-se mergulhada num mundo cruel enquanto sonha viver num país longínquo onde se canta em português, com música de Rui Veloso.
A peça de teatro "A Bela de Moscovo", levada atualmente ao palco pelo Centro Teatral Gogol, de Moscovo, inclui temas como a “Paixão” de Rui Veloso e Carlos Tê, traduzidos para russo, num trabalho feito por Rinat Valiulin, a pedido da realizadora da peça, Jenia Berkovitch.
O tradutor frisou que tinha trabalhado ‘às cegas’, sem saber a intenção da realizadora: "Não sei porque é que ela escolheu a língua portuguesa para as canções".
Mas a realizadora tem uma explicação.
"As canções têm letra portuguesa, porque se trata de uma língua desconhecida, de um país longínquo e inacessível, como qualquer outro e como era tudo para quem morava, então, neste país dos sovietes, por trás da cortina de ferro", explicou Jenia Berkovitch.
A peça baseia-se na obra homónima do conhecido escritor soviético e russo Victor Ierofeev, escrita no início dos anos 80 do século XX, mas só publicada 10 anos depois, devido à resistência da censura comunista.
O romance foi depois traduzido para várias línguas, tendo sido publicado em Portugal pela editora Gradiva.
A personagem principal, Irina Tarakanova, é uma jovem provinciana que vai para Moscovo para conquistar um lugar, mas vê-se mergulhada no mundo cruel e implacável da prostituição.
Durante o decorrer da história, a personagem lança sobre os espetadores uma enxurrada de revelações, numa linguagem dura e inaceitável num país onde se dizia que "o sexo não existe".
Irina, papel interpretado pela jovem atriz russa Ekaterina Steblina, divide-se entre o sonho de uma vida de luxo, o desejo de amar e a vontade de salvar a Rússia.
O clássico escritor russo Fiodor Dostoevski defendia que "a beleza salvará o mundo", mas a heroína de Ierofeev mostra que não é assim, mesmo considerando-se uma nova Joana d'Arc.
Desesperada, Irina refugia-se num mundo irreal, onde interpreta conhecidas canções soviéticas, mas com letra em português: "Três dias felizes", "Lavanda", "Corre o Rio Volga".
A única forma de superar o desespero e a loucura é a morte: "Eu, Irina Vladimirovna Tarakanova, também Joana d'Arc, Virgem de Orleães, em parte Maria do Egito, russa, grávida, sem partido... aceito casar-me com o meu noivo querido, Leonardo da Vinci, antigo pintor italiano, atualmente um corpo anónimo e inquieto. O casamento realiza-se no meu apartamento".
O espetáculo termina com Irina Tarakanova a interpretar o hino nacional soviético, no qual o texto é substituído pela letra da conhecida canção do músico português Rui Veloso "Paixão (segundo Nicolau Viola)".
Por estranho que pareça, a letra transmite, na cena final, todo o horror da protagonista, forçada pelo regime e pelas circunstâncias a perder o seu bebé (uma filha?) e a sua própria vida, incapaz de mudar nada nela: "Tu eras aquela que eu mais queria (…), mas esse teu mundo era mais forte do que eu...".

2 comentários:

Adelo disse...

Já há algum vídeo desta cena?
Qundo houver (no youtube ou noutro sítio) agradeço informe.
ABR,
Adelo

Anónimo disse...

Bom dia,
algum link com imagens e som? Obrigado