quinta-feira, março 20, 2014

Fim do primeiro acto na tragédia da Ucrânia


O primeiro acto do drama “Anexação da Crimeia” terminou. A Rússia ocupou a península ucraniana, anexou-a e, agora, tenta limpar o território das tropas de Kiev sem encontrar qualquer resistência. O governo de Kiev não foi capaz de contrapor fosse o que fosse à ofensiva-relâmpago de Vladimir Putin, evitando dar argumentos às tropas russas para empregarem a força das armas.
O mesmo se pode dizer dos EUA e da União Europeia, cujas sanções (proibição de entrada) apenas provocaram risos sarcásticos dos “atingidos” em Moscovo. Serguei Ivanov, dirigente da Administração do Presidente da Rússia e forte candidato a este último cargo no futuro, fez saber através do porta-voz de Putin: “Em 20 anos de serviço na Direcção Política do KGB da URSSE e, depois, do SVR (espionagem externa) da Rússia, foi-lhe fechada a entrada numa série de países, por isso já está habituado”.
Vladislav Surkov, considerado o mentor da operação de ocupação da Crimeia, considerou: “Isso não me preocupa, pelo contrário, orgulho-me porque se trata de uma espécie de “Óscar” político da América pelo “melhor papel masculino secundário””.
Segundo a imprensa russa, os amigos e “banqueiros” do Presidente Putin também tiveram uma reacção esperada à proibição: “a sua reacção limitou-se a ver nas acções dos EUA o reconhecimento indirecto dos seus serviços perante o Estado russo”.
Claro que Moscovo reagiu também fazendo uma “lista negra” de políticos norte-americanos e deverá fazer também de europeus, mas apenas para assinalar que pode igualmente sancionar.
Neste situação, a perda da Crimeia para a Ucrânia parece se irreversível. Os EUA e a UE não se demarcaram da extrema-direita ucraniana, empurraram a oposição para o derrube do Presidente Ianukovitch e, agora, deixa o governo de Kiev entregue ao seu destino, ou melhor, com promessas de ajuda económica e apoio político. Em 2004, depois da “REVOLUÇÃO LARANJA”, as promessas também não faltaram.
Vladimir Putin afirmou que não tencionava avançar para novas regiões da Ucrânia, nem pretende desintegrar o país vizinho. Mas, tendo em conta a política e o carácter do dirigente russo, é difícil acreditar que ele permita a realização das eleições presidenciais ucranianas marcadas para Maio. O Kremlin irá tentar por todas as formas continuar a desestabilizar a situação na Ucrânia: começa a fechar o seu mercado aos produtos ucranianos a pretexto da Ucrânia ter abandonado a Comunidade dos Estados Indepentes, continuará a apoiar os separatistas russófonos no Leste e no Sul do país. O mais provável é que as autoridades de Kiev não consigam realizar o escrutínio nessas regiões.
A favor da política russa na Ucrânia irá jogar a divisão no seio da oposição ucraniana, bem como cenas tristes como as que aconteceram na quarta-feira, em que deputados do partido de extrema-direita Svoboda espancaram em directo o dirigente de um canal televisivo ucraniano.
Não obstante a “procissão ainda ir no adro” na Ucrânia, já se podem tirar algumas conclusões:

  • Os EUA e a UE revelaram-se incompetentes na condução da sua política externa em relação à Ucrânia, tendo criado graves precedentes para justificar a política do Kremlin, que há muito vinha acumulando forças para oportunidades dessas. O precedente do Kosovo, a não garantia do documento assinado entre Victor Ianukovitch e a oposição pela UE, bem como a tolerância para com forças extremistas foram erros de palmatória que ainda irão causar graves prejuízos.
  • Mesmo que o Kremlin se acalme, será uma calma temporária, pois como após 2008 (guerra contra a Geórgia) se seguiu 2014 na Ucrânia, a 2014 algo se poderá seguir no antigo espaço post-soviético. A Moldávia poderá ser a próxima vítima, ou o Azerbaijão, cujo Presidente já veio dizer que pretende recuperar o enclave de Nagorno-Karabakh, hoje ocupado pela Arménia.
  • Nesta primeira etapa, Putin venceu em toda a linha, mas o futuro a Rússia não parece ser de todo radiante. Os EUA e a UE não têm, a curto prazo, alavancas para pressionar Moscovo, mas isso não significa que não as venham a ter no futuro. Principalmente se tirarem as devidas lições da actual crise. 

7 comentários:

Pippo disse...

"Os EUA e a UE não têm, a curto prazo, alavancas para pressionar Moscovo, mas isso não significa que não as venham a ter no futuro. Principalmente se tirarem as devidas lições da actual crise."

Pois, mas não se esqueça, JM, que a Rússia teve quase 20 anos para tirar ilações das actuações do Ocidente. E quanto a alavancas de pressão, para começar seria interessante se a Rússia começasse por fechar o acesso ao Afeganistão através do seu espaço aéreo ou então, para não ser muito mazinha, começar a cobrar, e bem, o "preço de portagem".

Quanto à Ucrânia e aos nazis que actualmente a governam (e que por aqui têm alguns ardentes apoiantes), para já a Ucrânia pode contentar-se em ter perdido a Crimeia e não ter perdido vidas no processo. Bem bom!

Também poderá dar-se por muito contente se não lhe for imposto um boicote a todos os produtos que não venha do Leste do país. Relativamente às famosas ajudas externas, é melhor que ela espere sentada.

E agora, os nazis que se preparem para fazer do país uma Federação, caso contrário poderão vir a perder mais do que apenas a Crimeia.

Uma reportagem sobre os ucranianos do Leste:

Where Ukrainians Love Russia
https://medium.com/war-is-boring/2d7ca852fb00

Observador disse...

Bom texto Dr. Milhazes, desta vez foi imparcial na sua análise, gostei do texto.

Só umas notas para reflexão futura com o necessário enquadramento histórico tendo em conta o que se passou na Crimeia

Se a Crimeia é historicamente Russa, os territórios do Leste e Sul da Ucrânia são tão Russos como a Crimeia, quem conhece um pouco de história europeia sabe o porque.

Esses territórios foram conquistados pela Rússia aos Tártaros/Otomanos do Canato da Crimeia, que usavam a Crimeia como uma base para o assaltos as terras eslavas em busca de escravos, centenas de milhares de Eslavos foram raptados e enviados como escravos para o Império Otomano via Crimeia, mais concretamente por Feodosia, que foi até à tomada da Crimeia pelos Russos o maior mercado de escravos da Europa.

Os territórios do Leste e Sul da actual Ucrânia (na altura não existia essa entidade) foram conquistados pelos Russos aos Otomanos/Tártaros no séc. XVIII por Catarina a Grande, numa campanha iniciada ainda no Séc. XVII, mais precisamente em 1698 com a conquista de Azov e Tangarog por Pedro, o Grande que tinha na Marinha de guerra a sua paixão.

As grandes cidades da Crimeia como Sebastopol e Simferopol, bem como as cidades do Leste e Sul da actual Ucrânia (na altura não existia Ucrânia, só existiam Otomanos/Tartaros, Galicios, Volinios e Russos) como Odessa, Donetsk, Kharkov, Luhansk, Kherson, Mikolayv, ou Dnepropetrovsk, também denominada de Yekaterinoslav foram fundados pelos Russos no reinado de Catarina, a Grande, depois da vitória nas Guerras Russo-Turcas e da Tomada Crimeia.

O actual Sul e Leste da Ucrânia era uma espécie de terra de ninguém dominada pelo canato da Crimeia, e foram os Russo que urbanizaram as populações com a construção de todas estas cidades, antes era só aldeolas com as típicas casas eslavas da idade média de madeira e telhados de colmo, nada mais.

Aos territórios do Sul e Leste da actual Ucrânia os Russos deram a denominação de Novorossia, ou seja Nova Rússia, e todos estes territórios fizeram parte do Império Russo até à queda dos Czares na II Guerra Mundial.

Anónimo disse...

Sinceramente, mas que drama?
Eu nao assisti a drama nenhum!

Alias foi a anexacao mais passifica que ja assisti!

(Nao usei acentuacao porque vivo na Austria e o meu teclado nao possui quase nenhum acento ortografico)

Isaac

Observador disse...

(cont)
Foi nessa altura que a Comunada, essa tropa fandanga destruidora de impérios ( vide Rússia e Sérvia) que tomou conta do Império Russo se lembrou de criar “um pais” na zona Oeste do Império, e não tiveram mais nada que lhe chamar, denominaram-no de Ucrânia, já que ficava na fronteira, (Ucrânia significa fronteira em Russo) antes disso apenas havia o Governorate de Kiev e o Volhynian Governorate criado em 1796, entidades administrativas do Império Russo. Antes disso no séc. XIII tivemos o Reino da Galicia e da Volinia, desfeito pelos Polacos e Lituanos (daí a animosidade dos Galicio/Volinios Pravy sector e do Svoboda também aos Polacos), senod depois anexados à Comunidade Polaco-Lituana, e depois repartidos entre o Império Habsburgo e o Império Russo.

Com a tomado do poder pelos comunistas foi criada a República Socialista Soviética da Ucrânia, constituída pelos territórios dos antigos reinos da Galicia e da Volinia, povos que não são Russo étnicos (são os bisnetos destes tipos que incendiaram Kiev) à qual em 1922 Lenine adicionou os territórios do Leste do Sul, anteriormente designados de Novorossia e habitados por Russos étnicos, foi aqui que começou a confusão, visto que a Ucrânia nunca conseguiu esbater esta dicotomia cultural, religiosa e étnica entre Galicios/Volinios e Russos, no fundo não há Ucranianos na Ucrânia, há Russos no Leste da denominada Ucrânia, e Galicios/Volinios no Oeste da denominada Ucrânia.

Em 1939 Estaline depois da partilha da Polónia aquando dos acordos Ribbentrop-Molotov adicionou-lhe os territórios no Oeste, basicamente a Transcarpatia e o Oblast de Lviv subtraído à Polónia.

Em 1954, o Krushev que era Ucraniano étnico e pelo que se diz bêbado que nem um cacho tomou a decisão de “doar” a Crimeia á Ucrânia, ainda mais trapalhada.

Passados 60 anos Putin e bem desfez parta da trapalhada. Os Americanos e o estado vassalo e fantoche designado de UE limitaram-se a ver a banda passar e a acenar com sansões, depois de antes de forma completamente irresponsável terem apoiado extremistas de ideologia abertamente nazi. Para os americanos vale tudo na sua ansia imperialista de poder e de cerco militar à Rússia, até promover golpes de estado e incendiar países na Europa, a culpa é dos europeus, caso contrário não permitiriam estas ingerências.

Se não houver bom senso em Kiev e na UE/EUA pressionado os seus pupilos em Kiev, e o bom senso passa por restituir o estatuto da língua Russa e das demais, convêm não esquecer os falantes de Ruteno, Moldavo e Húngaro, se os extremistas do Pravy Sector e do Svoboda não forem desarmados e posto no lugar deles, e não se avançar com um sistema federal na Ucrânia que consagre as liberdades do Leste e Sul da Ucrânia, ai não duvido que vamos ver cenário semelhante ao da Crimeia no Leste e Sul da Ucrânia, o pais vai-se dividir e a Rússia possivelmente vai ganhar mais meia dúzia de Oblasts.

Cancaseiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Corvo disse...

José Milhazes
É um artigo que se lê bem do princípio ao fim sem grandes delongas e aguardemos pelo próximo capítulo que será talvez em 25 de Maio, data em que em Portugal, pelo menos, vai haver também eleições para o Parlamento Europeu mas na Ucrânia quem são os candidatos? A Júlia Tymochenko concorre sozinha ou pelo Partido dela (será o Pátria?) e qual o papel dela no meio do auto proclamado Governo da Ucrânia? Estão unidos ou luta cada um por seu lado? e se o Partido das Regiões voltar a ganhar? A união Europeia não se vai intrometer de novo?
Li que Capitalistas Russos estão a cessar a actividade em alguns países com medo das sanções económicass. Mas na Rússia os empresários capitalistas não estão sujeitos a uma forte disciplina económica a exemplo dos chineses ou é tudo à balda como nos países ocidentais?
Putin parece ter reunido grande consenso em torno da questão da Crimeia. No discurso que fez em Moscovo, acho que na Duma, não sei o que era aquilo, eu vi gente de lágrimas nos olhos revelando um forte espírito de corpo coisa que em Portugal só existe em torno da selecção, do Mourinho e do Ronaldo.
O que se pede ao José Milhazes é vá informando porque para nós é tudo estranho e distante e peço-lhe que seja um jornalista o mais independente possível de tal forma que não deixe transparecer as suas opções por A ou B porque isso por vezes induz as pessoas em erro.
Cumprimentos

José Corvo disse...

José Milhazes
É um artigo que se lê bem do princípio ao fim sem grandes delongas e aguardemos pelo próximo capítulo que será talvez em 25 de Maio, data em que em Portugal, pelo menos, vai haver também eleições para o Parlamento Europeu mas na Ucrânia quem são os candidatos? A Júlia Tymochenko concorre sozinha ou pelo Partido dela (será o Pátria?) e qual o papel dela no meio do auto proclamado Governo da Ucrânia? Estão unidos ou luta cada um por seu lado? e se o Partido das Regiões voltar a ganhar? A união Europeia não se vai intrometer de novo?
Li que Capitalistas Russos estão a cessar a actividade em alguns países com medo das sanções económicass. Mas na Rússia os empresários capitalistas não estão sujeitos a uma forte disciplina económica a exemplo dos chineses ou é tudo à balda como nos países ocidentais?
Putin parece ter reunido grande consenso em torno da questão da Crimeia. No discurso que fez em Moscovo, acho que na Duma, não sei o que era aquilo, eu vi gente de lágrimas nos olhos revelando um forte espírito de corpo coisa que em Portugal só existe em torno da selecção, do Mourinho e do Ronaldo.
O que se pede ao José Milhazes é vá informando porque para nós é tudo estranho e distante e peço-lhe que seja um jornalista o mais independente possível de tal forma que não deixe transparecer as suas opções por A ou B porque isso por vezes induz as pessoas em erro.
Cumprimentos