domingo, junho 08, 2014

Será a Rússia adversa à democracia? - 1



A minha comunicação feita nos XXXV                  Colóquios de Relações Internacionais na Universidade do Minho

Parte 1:

"É impossível falar do movimento da sociedade russa para a democracia sem falar do nome e da herança deixada por Mikhail Gorbatchov, primeiro e último Presidente da União Soviética e secretário-geral do Partido Comunista da URSS entre 1985 e 1991.
Porque este foi talvez um dos períodos mais férteis no que diz respeito à construção da democracia na Rússia, obra até hoje inacabada.
Os soviéticos, naquela altura, diziam que a democracia tinha tanto a ver com a “democratização” iniciada por Gorbatchov como um canal tem a ver com uma canalização. Mas, lançado, a partir dos nossos dias, um olhar frio e isento, podemos dizer que esse período, principalmente os anos de 1989-1991, foi o mais democrático em toda a história da Rússia no século XX.
Ao longe, poderia não parecer assim, mas, in loco, tive a oportunidade de ver a constituição de uma sociedade civil, de a ver a abrir caminho por entre as fissuras que se iam formando no Partido Comunista da União Soviética e nas instituições soviéticas burocratizadas que teimavam resistir aos ventos de mudança.
Mikhail Gorbatchov tinha de fazer ginástica, ser um campeão de equilibrismo para controlar a situação e só não o conseguiu, porque recebeu uma economia desequilibrada e extremamente débil. A estagnação económica, a corrida aos armamentos e as aventuras militares dos seus antecessores (Angola, Afeganistão, Etiópia, etc.) impediram que ele conseguisse melhorar o nível de vida das pessoas. A queda drástica do preço do petróleo em 1985 e 1986 ($ 9 por barril) foi fatal para o futuro da URSS.
Porém, as sementes da sociedade civil, lançadas a partir de 1985, foram fundamentais no dia 19 de Agosto de 1991, quando ortodoxos comunistas tentaram afastar Gorbatchov do poder. Os golpistas esperavam repetir o golpe palaciano, realizado em 1964 e que derrubou Nikita Krutchov, mas os cidadãos saíram para as ruas de Moscovo, Leninegrado, Tallinn, etc. para defender as suas conquistas.
A formação da sociedade civil, sob a forma de renascimento nacional, revelou-se nos movimentos autonomistas em várias regiões da URSS. Vieram à tona numerosos problemas nacionais recalcados. À primeira oportunidade surgiram movimentos independentistas não só nas três repúblicas do Báltico: Letónia, Lituânia e Estónia, que tinham sido anexadas em 1939, ou seja, mais tarde do que as restantes 12 repúblicas da URSS, bem como na Geórgia, Azerbaijão, Arménia, e até no interior da Federação da Rússia: na Tchetchénia.

Na Rússia, é neste período que emerge a figura política de Boris Ieltsin. Trazido de Sverdlov para Moscovo por Egor Ligatchov, membro do Bureau Político do PCUS, para injectar forças novas e activas nesse partido, Ieltsin rapidamente enveredou pelo populismo a fim de vencer os seus adversários. À frente da organização de Moscovo do PCUS, medidas populistas como o de andar de autocarro em vez de utilizar o automóvel aumentavam a popularidade. E até as publicações na imprensa oficial de notícias sobre acções realizadas sob o efeito do álcool (que, mais tarde, vieram a ser confirmadas) lhe davam pontos na luta contra Gorbatchov. Em 26 de Março de 1989, Ieltsin foi eleito deputado por Moscovo com 92% dos votos, e três dias mais tarde, conquistou um lugar no Soviete Supremo (Parlamento) da Federação da Rússia. A 19 de Julho do mesmo ano, Iéltsin anunciou a formação de uma facção radical a favor de reformas..." (continuação)

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