Nos últimos
dias, tenho recebido algumas mensagens que me chamam a atenção para
a “tontice” de eu considerar que um dos objectivos da Rússia no
conflito no Leste da Ucrânia é conseguir um corredor terrestre que
a ligue à Península da Crimeia. Com mais ou menos insultos pelo
meio, mandam-me olhar para o mapa e notam que a Rússia, na região
de Krasnodar, está separada da Crimeia apenas por “4,5 quilómetros
de mar”.
Não tenho
nada contra as críticas, principalmente quando são feitas de forma
correcta, mas os insultos merecem resposta, tanto mais quando são
fruto da ignorância.
Realmente, é
verdade que a Crimeia não fica muito longe da Rússia do ponto de
vista geográfico, mas o problema é que a distância geográfica é
insuficiente para explicar todas as dificuldades dessa ligação. É
preciso ter em conta os sérios problemas logísticos.
Neste
momento, a Crimeia está ligada à Rússia por via aérea e por um
sistema de ferry-boats que estão longe de satisfazer todas as
necessidades da península. São frequentes as longas filas de
automóveis e de passageiros, pois basta que a ondulação no mar
seja um pouco mais intensa para obrigar os ferry-boats a não saírem
dos portos.
Além disso,
é conhecido o facto de a Crimeia necessitar de fornecimentos
externos de água. Esta península não utiliza todas as
potencialidades agrícolas precisamente por causa da falta desse bem
essencial. Até à anexação desse território pela Rússia, o
problema era resolvido porque a Ucrânia desviava parte do caudal do
Dniepre, através de um canal, para fornecer água à península.
Mesmo assim, nos anos mais quentes, o problema com o abastecimento de
água fazia-se sentir com alguma agudeza.
A Crimeia
precisa também de importar praticamente 100% da energia eléctrica
que consome. (Há uma empresa portuguesa que construiu moinhos de
vento na Crimeia, mas a produção é insignificante).
A
electricidade pode ser fornecida pela Rússia, mas as linhas
eléctricas terão de passar obrigatoriamente pelo território
ucraniano e, por conseguinte, os habitantes da península só poderão
receber electricidade com a autorização de Kiev.
Podem
dizer-me que a Rússia poderá resolver esses problemas sem
necessitar de ocupar ou de apoiar os separatistas a conquistar um
corredor terrestre com a Crimeia, mas para isso são necessários
vários anos.
Ainda não
saiu do processo de discussão a necessidade de construir uma ponte
rodoviária e ferroviária entre a Rússia e a Crimeia. Segundo o
projecto mais provável, essa ligação, nada fácil do ponto de
vista da engenharia, deverá ter um comprimento de 19,5 quilómetros.
Esta obra não será barata e, na actual situação económica da
Rússia, exigirá grandes esforços financeiros.
Poderão ser
também instalados cabos de alta tensão entre a Rússia e a Crimeia
através do mar, mas trata-se de mais uma obra dispendiosa. Quanto à
água, aí a única forma de solucionar o problema é mesmo a
normalização de relações entre a Rússia e a Ucrânia.
Resumindo, a
manutenção da Crimeia no seio da Rússia constitui um fardo muito
pesado para a já fraca economia russa. Se Moscovo se tivesse ficado
pela anexação da península, o Ocidente já estaria resignado, mas
o Kremlin decidiu esticar ainda mais a corda...
3 comentários:
Oh caro JM,acha que a Rússia não tem tecnologia mais que suficiente para resolver esses problemas de filigrana que enuncia? E a ponte vai ser feita,palavra da Rússia.
Putin já deu essa palavra há 15 anos.
Pode ser como diz JM mas há sempre a data própria e ideal.E ela chegou só agora,mas já,pelos vistos, estava então nos planos de Putin.Era preciso era o pretexto,e ele surgiu porque lho deram de bandeja.E vão suceder outras concretizações dos planos de Putin que o ocidente lhe vai dar,mas tudo a seu tempo sem grandes pressas.Essa sabedoria é bem oriental.Não vai ser à ganância como é uso no ocidente decadente.
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